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Coronavírus e suspensão dos contratos de trabalho: quem tem que ceder?

Por João Antônio Marimon
Atualização:
João Antônio Marimon. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A MP nº 927/2020, publicada no último domingo, trouxe alternativas visando estimular a manutenção do vínculo entre empresas e empregados enquanto perdurar a situação de calamidade pública trazida pelo COVID-19. Apesar de diversos aspectos positivos, a começar pelo nobre propósito de preservar os empregos ao longo do período de suspensão das atividades das empresas, a medida se destaca negativamente por deixar empresas e funcionários desamparados de qualquer assistência direta nesse período.

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A medida provisória dispõe a possibilidade de empregadores e empregados negociarem diretamente sobre banco de horas e programas de qualificação profissional, temas que, em regra, dependem de assistência sindical, bem como flexibiliza o regime de teletrabalho, a antecipação de feriados e a concessão de férias, individuais ou coletivas, e suspende o recolhimento de FGTS pelos próximos 3 meses, sem, contudo, oferecer alternativas a médio prazo para sobrevivência de empresas e empregados no período.

Especificamente em relação ao programa de qualificação profissional, o governo foi na contramão de suas responsabilidades e da sensibilidade que o momento exige. O programa de qualificação já era previsto na legislação trabalhista, acarretando na suspensão do contrato de trabalho dos empregados para realização de cursos, num modelo que, destaca-se, dependia e segue dependendo da concordância expressa por parte dos empregados. O afastamento para qualificação profissional poderia durar até 5 meses, período em que os trabalhadores teriam direito ao recebimento de bolsa para qualificação profissional por parte do governo (especificamente pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador).

A MP, contudo, dispôs expressamente que "não haverá concessão de bolsa-qualificação no âmbito da suspensão de contrato de trabalho para qualificação do trabalhador". Ou seja, a alternativa legal que existia para que os empregados permanecessem em casa, estudando e se qualificando profissionalmente, e ainda assim auferindo renda, sem perda do emprego, foi vedada pela medida provisória, empurrando toda a responsabilidade para empresas e empregados, cabendo a eles ajustar "livremente" valor a ser pago como ajuda compensatória nesse período de afastamento.

O quadro, então, é que, por determinação do governo, empresas estão fechadas e trabalhadores em casa, uma sem auferir receita por prazo indeterminado e outro sem receber meios de subsistência através do pagamento de valores mensalmente. A antecipação de férias é medida paliativa e não resolve o dilema, vez que os impactos do vírus nas empresas durarão muito mais que um mês; banco de horas e antecipação de feriados requerem a manutenção de salários nesse período em que as empresas estão sem receita; e o recolhimento de FGTS está suspenso mas deverá ser pago posteriormente.

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O governo anunciou inclusive que auxiliará os trabalhares informais, não assalariados, ao longo do período de calamidade, mesmo que em valores irrisórios. Mas, por outro lado, deixa desamparados os trabalhadores formais e aqueles que provêm os seus empregos, fazendo com que busquem alternativas entre o pagamento de salário sem prestação de serviços ou a demissão em massa.

Já se noticia a movimentação de centrais sindicais para questionar a constitucionalidade da previsão trazida pela medida e o governo dá indícios de que voltará atrás nesse ponto.

A questão é: empregados terão que ceder, empresas terão que ceder, não seria hora de o Estado ceder?

*João Antônio Marimon, especialista em Direito do Trabalho e sócio do Souto Correa Advogados

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