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Coronavac, os dados e a comunicação política

Por Rodrigo Augusto Prando
Atualização:
Rodrigo Augusto Prando. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Convivendo, há muito, com economistas, colegas professores e pesquisadores, sempre me recordo da observação, em forma de chiste, de que torturados, os dados falam aquilo que se quer. E, no caso em tela, gerou um enorme ruído de comunicação os dados apresentados, em parcelas, pelo Instituto Butantan e pelo Governador, João Doria. Vejamos.

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Tirante o fato de que vacinas e estudos estatísticos não serem de fácil entendimento para leigos, há muita bobagem sendo dita por incompreensão, e, pior, muita fake news com objetivos políticos. A Coronavac não é, como bolsonaristas publicaram, um paraquedas que apresentaria 50% de eficácia ao ser utilizado; tampouco a vacina poderia ser comparada a uma roleta russa, na qual se colocam três balas no tambor de um revolver que tenha espaço para seis munições e se começa a testar a sorte. Nada disso. Em primeiro lugar, e mais importante, é que a vacina é segura e o Instituto Butantan é uma instituição pública e séria, com tradição no desenvolvimento de vacinas e, além disso, mesmo os que hoje vociferam contra o Butantan já tomaram, certamente, vacinas desenvolvidas no referido instituto. A grande surpresa, no que tange aos números, foi uma comunicação errática, pois, num primeiro momento, os dados seriam todos divulgados e, infelizmente, não foram. Isso gerou apreensão. Depois, foram divulgados os dados, parciais, de que havia 78% (77,96, para ser preciso) de eficácia para casos leves, que precisam de assistência e 100 % de eficácia em relação aos casos moderados (hospitalização) e graves, ou seja, daqueles que evoluiriam para uma internação com necessidade de UTI. Muitos, eu inclusive, ficaram emocionados com o vídeo de anúncio destes dados na semana passada, pelo Butantan. A divulgação destes números foi alvissareira e teve atuação muito presente do governador Doria.

Contudo, cientistas, mídia e sociedade cobravam, e com razão, a taxa de eficácia global, especialmente, por conta da politização da vacina. Eis que, passado um tempo, com desgastes para os pesquisadores e para o governo estadual, o índice de eficácia foi, finalmente, divulgado: 50,4%, um pouco acima do limite mínimo de 50% recomendado pela OMS (Organização Mundial de Saúde). Provavelmente, esse número de 50,4% deve ter deixado surpreso tanto o governo estadual quanto o laboratório chinês Sinovac. À guisa de comparação, a vacina da Fiocruz/Oxford/AstraZenica apresenta, segundo informaram, uma taxa de 70%. Claro que Doria não gostaria que a vacina produzida em São Paulo tivesse um número inferior à vacina da Fiocruz. A Sinovac, por exemplo, estranhou que a vacina no Brasil tenha apresentado estes 50,4% e a mesma vacina, na Indonésia, tenha sido verificado uma eficácia de 65%. Qual o motivo de uma mesma vacina, aqui e acolá, apresentar 50,4% e 65%? Certamente, a resposta está nas questões estatísticas relacionadas ao tamanho da amostra, isto é, do número de voluntários testados. O fato é que a demora na liberação da eficácia global pelo Butantan deu-se, também,  por conta de questões contratuais com a Sinovac no que tange à publicidade dos dados científicos. Então, se a Coronovac apresenta 50,4% de eficácia ela só tem 04% de chance de dar certo e 49,6% de dar errado? Não. Absolutamente, não. Ao serem imunizados, 50,4% terão a chance de não devolver a Covid-19. Há 78% de chances de, contraindo a doença, não precisar de atendimento médico algum e 100% de chances de evoluir para casos moderados (que precisa de hospitalização) e para casos graves (internação da UTI). Pois bem, aqui, novamente, aparecem os números 78% e 100%, com uma ressalva que este número - 100% -   não apresenta, ainda, relevância estatística, mas, segundo os cientistas do Butantan, indicam uma tendência. Em síntese, a vacina é segura e será capaz de, imunizando os brasileiros, por fim nessa situação pandêmica e, some-se, em breve, a vacina da Fiocruz, teremos a possibilidade de duas instituição científicas públicas produzirem em escala as vacinas que trarão, aos poucos, o Brasil à normalidade.

Politicamente, a comunicação destes dados (50,4%, 78% e 100%) foi ruim. Reforçou desconfianças e jogou água no moinho dos negacionistas. Na comunicação do número menos empolgante, os 50,4% de eficácia global, Doria não esteve presente e isso, simbolicamente, tem peso e foi, por certo, munição para seus adversário políticos. Há, aqui, conteúdo e forma e não podemos confundir estas duas dimensões da questão. O conteúdo, essencial e fundamental, é que o Butantan, sob a liderança do governador de São Paulo, entregará uma vacina capaz de imunizar e salvar a vida dos brasileiros. Em relação à forma, a maneira como foi comunicado os dados da vacina, deveria ter sido, penso eu, de forma mais simples e direta, com os números todos, seguindo de explicações claras e assertivas por parte dos cientistas. E isso foi feito, logo na sequência, por inúmeros veículos de comunicação e por cientistas que trabalham com divulgação científica. A jornalista Madeleine Lacsko foi precisa em seu comentário no Twitter: "Modéstia, às favas, tivessem me chamado para organizar a comunicação do @butantanoficial, até o Carluxo já tava doido atrás dessa Coronavac uma hora dessas. Ia ser assim. Eficácia: NÃO MORRE MAIS DE COVID, NÃO PRECISA ENTUBAR, PODE SAIR PARA SUAS PRESEPADAS DE BOUAS". Só um ponto: depois de vacinados, teremos - com máscara, álcool em gel e distanciamento - que esperar um tempo ainda para "sair para suas presepadas de bouas". Vai demorar, mas ficaremos de "bouas", novamente!

Claro que números, percentuais e procedimentos devem ser comunicados, já que a ciência que embasa a produção de vacina e a estatística, como afirmei, distanciam-se do conhecimento do senso comum. Os negacionistas provavelmente continuariam a campanha contra a vacina, mesmo que ela tivesse 100% de eficácia, pois teriam, à disposição, centenas de teoria da conspiração para obnubilar o cenário. Cientista é cientista, é ótimo quando consegue se comunicar de forma simples com a população, mas não é sua obrigação. Há os cientistas com cargos de gestão, como, por exemplo, Dimas Covas, cuja competência não pode ser questionada e faz excelente trabalho na presidência do Butantan. Quem, todavia, deve intermediar - dialogando e comunicando - o conhecimento científico, as implicações políticas de qualquer escolha e ação, são os políticos e estes devem se apresentar de forma assertiva, gerando estabilidade, confiança e esperança.

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*Rodrigo Augusto Prando, professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em Ciências Sociais, mestre e doutor em Sociologia, pela Unesp

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