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COP 26: o que vem depois de Glasgow

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Por Karen Oliveira
Atualização:
FOTO: ALASTAIR GRANT/POOL VIA REUTERS Foto: Estadão

Os resultados da 26ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26) foram impulsionados pela pressão da opinião pública e da ciência. A pressão sobre os países por mais ambição climática foi crescente e se fortaleceu com as marchas realizadas em Glasgow, que reuniram mais de 100 mil pessoas, durante a Conferência.

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Houve avanços importantes, tanto relacionados às negociações oficiais, como a anúncios que podem mobilizar recursos e setores fundamentais para o cumprimento das metas de clima. Entre eles, coalizões multinacionais para a redução das emissões de metano, combate ao desmatamento, apoio financeiro a países mais vulneráveis, e, talvez o mais surpreendente, uma maior colaboração entre os dois principais emissores de gases de efeito estufa do mundo, China e Estados Unidos. Porém, como a maioria desses compromissos é voluntária, não há garantias de que serão de fato cumpridos.

Por outro lado, ao trazer para o Pacto Climático de Glasgow o incentivo a redução de subsídios para combustíveis fósseis, mantém-se a crença de que limitar o aquecimento global a 1,5°C pode ser uma realidade possível e que há um caminho traçado para a gradativa descarbonização das economias globais, mesmo considerando posicionamentos de última hora nas negociações, como no caso da Índia que solicitou a mudança no texto de "eliminar" para "reduzir gradativamente" o uso de combustíveis fósseis. Vale ressaltar, porém, que os compromissos assumidos até hoje não são suficientes para nos mantermos na meta de 1,5ºC, restando a dúvida de se o caminho será aumentar a pressão e estabelecer metas mais ousadas que mantenha entre os 1,2º/1,3ºC de aquecimento atuais, ou arcar com as perdas e danos do patamar de 1,8ºC, para o qual rapidamente estamos nos encaminhando.

Um outro resultado da COP26 foi o fechamento do Livro de Regras e a aprovação do Artigo 6. Cabe destacar que mecanismos foram estabelecidos para se evitar a dupla contagem, onde o que o país ou outro comprador usar para atingir sua meta não poderá ser contabilizada pelo país vendedor para esforço adicional, possibilitando maior integridade ambiental e qualidade do carbono negociado.

No entanto, esse tópico ainda precisa ser aprofundado. Seguir simplesmente a regra do mercado pode resultar em um carbono muito barato sem internalizar os custos social e de adaptação necessários para uma melhor repartição de benefícios e uso do mercado de carbono como mecanismo de enfrentamento às mudanças climáticas.

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A regulamentação pode ser muito positiva para o Brasil, que tem potencial para se destacar no mercado de carbono, como um dos países com mais condições de gerar créditos. Além disso, o Brasil pode se tornar protagonista das estratégias de Soluções Baseadas na Natureza, se for capaz de resolver problemas como a regularização fundiária e incentivar, de modo contínuo e crescente, a implantação de um modelo de desenvolvimento que valorize a economia da floresta pé, incluindo aqui os diretos dos povos em especial dos indígenas e comunidades tradicionais, cujas terras abrigam grande parte da biodiversidade e florestas.

Para isso, precisamos de políticas efetivas de conservação dos biomas e biodiversidade. Precisamos que os compromissos assumidos representem uma maior ambição climática e estejam refletidos na NDC, sigla em inglês que representa a contribuição de cada país para alcançar os objetivos do Acordo de Paris. Ainda mais agora, que o texto final da COP26 solicita que os países "revisitem e fortaleçam" suas metas, ano a ano, até de 2030.

Contudo, enquanto os acordos globais miram no aumento de ambição, o Brasil segue enfrentando um cenário de descontrole nas taxas de desmatamento. Apesar do governo brasileiro ter atualizado a meta climática para zerar o desmatamento ilegal até 2028, reduzindo as emissões em 50% até 2030 e alcançar a neutralidade de carbono até 2050, no dia a dia, o país segue na direção oposta.

Dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, do relatório anual do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), informam que a área desmatada na Amazônia foi de 13.235 km² entre agosto de 2020 e julho de 2021. Este dado representa mais um retrocesso na implementação das políticas ambientais, em especial nas ações de comando e controle. Foi a maior área desmatada desde 2006, quando chegou a 14.286 km². Representa também a possibilidade de se estabelecer novas barreiras técnicas não tarifárias nas relações exteriores e comerciais do Brasil, que cada vez mais está exposto ao descrédito internacional.

A crise climática é um desafio global, mas não há como negar que as consequências agravam a situação de populações que já têm seus direitos ameaçados, levando a um crescente debate sobre a necessidade de acelerar meios de se alcançar maior justiça climática na implementação de planos e políticas públicas globalmente. E, embora a voz de jovens, indígenas, comunidades tradicionais e outros movimentos sociais esteja mais forte, ainda não há garantias de que serão formalmente incluídas nos resultados finais das muitas negociações que estão por vir. Dessa COP  fica o aprendizado de que a pressão da sociedade faz diferença. E ela precisa continuar, porque os desafios são contínuos e o tempo cada vez mais curto.

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*Karen Oliveira é gerente para Políticas Públicas e Relações Governamentais na The Nature Conservancy (TNC) Brasil e representou a organização na COP26. Geóloga, Mestre em Planejamento Energético Ambiental e Doutora em Relações Internacionais

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