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Convênio ICMS nº 71/2020 e os limites no fornecimento de informações na intermediação de negócios e serviços

Por Fernando Gomes de Souza Ayres e Giácomo Paro
Atualização:
Fernando Gomes de Souza Ayres e Giácomo Paro. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A partir da vigência, em setembro de 2020, do Convênio ICMS nº 71/2020, celebrado no âmbito do Conselho de Políticas Fazendárias (CONFAZ), todos os "intermediadores de serviços e negócios" ficaram obrigados a fornecer aos Estados "todas as informações relativas às operações realizadas pelos estabelecimentos e usuários de seus serviços".

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O Convênio ICMS nº 71/2020 inseriu a Cláusula Terceira-A no Convênio ICMS nº 134/2016, indicando que as referidas informações devem ser apresentadas "até o último dia do mês subsequente", sendo que para as operações ocorridas até 31/03/2021, o prazo para envio das informações às unidades federadas expira em 30/04/2021. Em outras palavras, até final de abril todos os intermediadores de negócios e serviços deverão entregar informações sobre as operações intermediadas (no formato pormenorizado no Ato COTEPE/ICMS 71/2020).

Claramente, entre os alvos a serem atingidos com essa obrigação, estão as atividades de intermediação realizadas pelas plataformas de tecnologia. É bem verdade que, já há alguns anos, encontramos alguns exemplos nas legislações estaduais de exigência de entrega de informações (espécie de transferência do trabalho de fiscalização às empresas), porém limitadas às operações intermediadas que eventualmente gerassem obrigação do recolhimento do ICMS. Ou seja, essencialmente operações comerciais de compra e venda de mercadorias.

Para plataformas de intermediação de atividades tributadas pelo ICMS (os chamados marketplaces clássicos - de compra e venda de produtos), por exemplo, temos as regras impostas pela Portaria CAT 156/2010 no Estado de São Paulo. Nesse caso há previsão de responsabilidade solidária da plataforma quanto ao ICMS não pago pelos usuários (regras já internalizadas na Lei Estadual nº 13.918/2009), na hipótese de não apresentação de informações em prazo e formato específicos indicados na Portaria.

Embora juridicamente questionáveis, fato é que em São Paulo há autuações fiscais julgadas administrativamente pelo Tribunal de Impostos e Taxas, completamente fundamentadas pelas informações exigidas e, portanto, fornecidas por plataformas de intermediação de compra e venda, com fundamento na Portaria CAT 156/2010.

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Contudo, o Convênio ICMS nº 71/2020 vai além. Amplia a obrigação de prestar informações sobre operações de intermediação de forma indiscriminada, atingindo até mesmo a intermediação de serviços/atividades que sequer são tributadas pelo ICMS. Ou seja, exige-se a entrega de informações aos fiscos estaduais relacionadas a operações que não são passíveis de recolhimento de imposto estadual.

Trata-se de exigência passível de questionamento por sua ilegalidade e inconstitucionalidade (em razão, entre outros argumentos, de invasão de competência, desproporcionalidade e completa desconexão com atividades que constituam fato gerador do ICMS.

Se considerarmos apenas o fundamento do atendimento à proporcionalidade, que compreende três elementos essenciais (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), o Convenio ICMS 71/2020 já deveria ser afastado. Não há relação de compatibilidade entre a medida (entrega de informações) e o fim almejado (fiscalização do ICMS), portanto não há adequação. O meio escolhido não é o melhor para promover o fim perseguido (dentre todos os meios, é aquele que menos restringe direitos, o menos danoso?), assim não temos necessidade. E claramente não há relação balanceada entre a intervenção na vida das empresas ocasionada pelo meio escolhido e o resultado obtido (o meio escolhido provoca mais desvantagens e transtornos do que vantagens), portanto não temos a proporcionalidade em sentido estrito.

Vale lembrar, ainda, que o artigo 197 do Código Tributário Nacional indica expressamente os sujeitos obrigados a atender a fiscalização tributária fornecendo informações sobre bens, negócios ou atividades de terceiros. Os limites são evidentes. E as empresas de intermediação de negócios por meio de plataformas tecnológicas ou por quaisquer outros meios não estão indicadas no referido artigo 197.

Não se discute que as empresas de intermediação de negócios por meio de plataformas tecnológicas possam e devam contribuir com as autoridades fiscais, fornecendo as informações quando necessário e cabível, para melhor fiscalização do cumprimento das obrigações tributárias por aqueles que utilizam suas plataformas. Esse papel aliás já é há muito discutido em âmbito internacional, em especial no âmbito da OCDE (mais especificamente nos estudos e discussões que dizem respeito a Action 1 do BEPS).

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No entanto, não se pode pretender a impor esse ônus a essas empresas sem a devida observância dos limites legais e constitucionais. Isso sem falar no evidente desincentivo e até retrocesso que esse tipo de medida pode causar.

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Afinal, se o empresário não sabe quais são os limites que as autoridades devem observar para lhe impor esse tipo de obrigação, ficará difícil para ele prever quais serão os custos de compliance do seu negócio, gerando insegurança e, por consequência, desincentivo ao desenvolvimento desse tipo de atividade no país.

Em conclusão, estamos diante de mais uma obrigação acessória sem cabimento, que gera custos, sistemas complexos, completamente desnecessários. Portanto passível de questionamento pelas empresas ou, preferencialmente, pelas entidades ou associações representantes do setor.

*Fernando Gomes de Souza Ayres e Giácomo Paro, sócios de Souto Correa Advogados em São Paulo

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