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Contribuinte ganha, mas não leva: nova discussão sobre ICMS-ST

Por Marina Pires Bernardes
Atualização:
Marina Pires Bernardes. FOTO: DIVULGAÇÃO  

Em uma interpretação casuística (e indevida) dos novos contornos que a discussão ganhou no Supremo Tribunal Federal, recentemente, diversos Estados começaram a incluir em seus ordenamentos disposições autorizando e regulamentando a cobrança da diferença do ICMS recolhido a menor no regime de substituição tributária (ICMS-ST), normas estas que passarão a vigorar a partir deste ano (2019).

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Recordamos que, com fundamento no artigo 150, §7º da Constituição Federal (CRFB/1988), a Lei Complementar n.º 87/1996 (Lei Kandir) instituiu o regime de substituição tributária progressiva, que consiste na cobrança do imposto devido em operações subsequentes antes da ocorrência do fato gerador. Ou seja, antes de uma posterior saída ou circularização de mercadoria, o imposto correspondente deve ser recolhido.

Do ponto de vista do Fisco Estadual, a substituição tributária é um método de arrecadação extremamente eficaz para garantir a arrecadação estadual, pois implica na antecipação do pagamento do tributo devido por toda a cadeia de consumo, auxiliando, ainda, no combate da sonegação fiscal, ao mesmo tempo que, ao centralizar a cobrança em um único contribuinte substituto, reduz drasticamente os gastos estatais com as atividades de fiscalização.

Por outro lado, sob o enfoque do contribuinte, trata-se de um regime de apuração obrigatório, com preços presumidos de venda ao consumidor final fixados pelo Estado através da margem de valor agregado (MVA) ou por outas formas de apuração de base, como por exemplo, PMC - Preço Máximo a Consumidor Final, cuja tributação incide antecipada e independentemente do valor da operação de venda ao consumidor final ser menor ou mesmo da inocorrência do fato gerador.

De modo a mitigar os efeitos negativos para os contribuintes, o artigo 150, §7.º da Constituição Federal (CRFB/1988) prevê que, no caso da substituição tributária, deve ser assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.

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Considerando essa disposição, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 1.581, o Supremo Tribunal Federal concluiu que o fato gerador presumido do ICMS-ST era definitivo, razão pela qual os contribuintes somente teriam direito a restituição do imposto pago caso não tivesse ocorrido a venda ao consumidor final (ausência de fato gerador).

Contudo, mais recentemente (2016), o STF alterou seu entendimento originário ao julgar o Recurso Extraordinário n.º 593.849, oportunidade em que os Ministros entenderam, em sede de repercussão geral, que os contribuintes têm direito à restituição do imposto pago em regime de substituição tributária na hipótese de não ocorrência do fato gerador, seja em decorrência da venda efetiva se dar em valor inferior à base de cálculo presumida do imposto.

Ocorre que, ao interpretar o referido acórdão que reconheceu a provisoriedade do fato presumido do ICMS-ST, os Estados entenderam que o STF declarou não só o direito do contribuinte receber a restituição do tributo pago a maior, mas também o direito dos Governos Estaduais receberem a diferença do ICMS-ST pago a menor.

Partindo dessa premissa, no final do ano de 2018, com o intuito de regulamentar a restituição do ICMS-ST pago a maior, os Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Minas Gerais alteraram os seus Regulamentos do ICMS para autorizar a cobrança da complementação do ICMS-ST recolhido a menor, hipótese esta que, se mantida, implicará em evidente majoração da carga tributária de inúmeros setores enquadrados na substituição tributária, tais como os de material de construção, automotivo, bebidas, combustíveis, brinquedos e farmacêutico.

Entretanto, uma breve análise do sistema tributário brasileiro permite concluir que a cobrança do complemento do ICMS-ST pelos Estados é absolutamente indevida. Em primeiro lugar, não há fundamento constitucional para a criação da nova cobrança, uma vez que o artigo 150, §7º da CRFB autoriza apenas a restituição do valor pago a maior ao contribuinte, não havendo margem para a incidência da complementação do imposto.

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Em segundo lugar, o aumento da carga tributária dos substitutos em decorrência da complementação do ICMS-ST deverá ser suportado integralmente pelo substituído, o qual não poderá repassar o ônus ao consumidor final, uma vez que a cobrança é sempre posterior a concretização da operação, em manifesta violação ao princípio da capacidade contributiva.

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Por fim, a instituição da complementação do ICMS-ST mediante Decreto Estadual viola tanto o princípio da legalidade, o qual determina que é vedada a instituição ou majoração de tributos sem lei que a estabeleça, quanto às disposições contidas na Lei Complementar n.º 87/96 (Lei Kandir), a qual também não prevê qualquer hipótese de complementação do ICMS-ST, mas sim dispõe, apenas e tão somente, acerca da restituição do valor presumido não concretizado.

No mais, a cobrança do complemento do ICMS-ST recolhido a menor pelo Estado, aliado ao direito dos contribuintes pleitearem a restituição do valor recolhido a maior implicará na absoluta descaracterização da sistemática de apuração do ICMS-ST, aproximando-a do regime normal de apuração de créditos e débitos do ICMS na não cumulatividade, o que nunca foi a pretensão dos entes públicos.

Diante desse cenário, na contramão do entendimento do Supremo Tribunal Federal, que visava conferir segurança jurídica nas relações ao autorizar a restituição do ICMS-ST cobrado indevidamente, os Estados pretendem aumentar sua carga tributária mediante a exigência de suposto complemento de ICMS-ST recolhido a menor, cobrança esta que se encontra eivada de inconstitucionalidades e ilegalidades e, portanto, mitiga qualquer segurança jurídica obtida com o julgado anterior, ensejando um novo contencioso por parte das empresas.

*Marina Pires Bernardes é advogada tributarista do CSA - Chamon Santana Advogados

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