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Contribuição sindical compulsória: 'pitadas de psicopatia'

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Por Denise Fincato
Atualização:
Denise Fincato. FOTO: SOUTO CORREA/DIV. Foto: Estadão

Evidentemente contrários ao novo padrão legal de facultatividade da contribuição sindical (artigo 578, CLT), os sindicatos profissionais extrapolaram em criatividade nos últimos dias. Quer por assembleias vazias ou equivocadas ações judiciais, o inconformismo sindical ganhou "pitadas de psicopatia" e se materializou em manobras próximas à antissindicalidade.

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Agarrados a um passado que lhes foi confortável, muitos entes sindicais promoveram atos nos quais meia dúzia de pessoas decidiu pelo desconto salarial em desfavor de milhares.

Esclareça-se que a interpretação conjunta dos artigos 579 e 611-B inciso XXVI da CLT inverte o raciocínio anterior e impõe aos que quiserem contribuir que, prévia, expressa e individualmente assim o declarem, não sendo adequado sequer que os empregadores consultem aos empregados acerca de seu desejo (ou não) de contribuir.

Não satisfeitos, os sindicatos profissionais ainda demandaram contra os empregadores, buscando decisões judiciais que os obrigasse a descontar dos salários de março valores que os empregados só pagariam se quisessem.

Verdadeiras heresias processuais (pois os empregadores são meros instrumentos facilitadores de uma relação que se dá exclusivamente entre o sindicato e seus representados) nas quais 'A' demanda em face de 'B' para que 'C' seja obrigado a pagar a 'A', algo que, por lei, não está mais obrigado.

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Liminarmente, alguns magistrados extinguiram tais ações por ilegitimidade passiva ou determinaram que o sindicato 'emendasse' o pedido, para fazer constar os legítimos réus do processo (todos os trabalhadores a serem atingidos).

A completar o caos, a Justiça do Trabalho alçou-se a apreciar matéria fora de sua competência, por vezes posta como fundo aos questionamentos judiciais que pugnavam pelo controle difuso de constitucionalidade: a suposta natureza tributária da contribuição sindical (que imporia lei complementar para eventual alteração).

Em razão do contido no artigo 114, III da CF/88, é cristalino que não compete à Justiça do Trabalho apreciar e julgar demandas que pugnem por esta tutela judicial.

Ainda, de acordo com o artigo 7.º do CTN, dada a indelegabilidade tributária, à Justiça do Trabalho incumbiria apenas cobrar a contribuição sindical na forma da lei (e não perquirir da (in)constitucionalidade de suas alterações normativas, como já ocorre com as contribuições previdenciárias e fiscais incidentes sobre as relações de trabalho).

Igualmente, o argumento é frágil, uma vez que a lei ordinária n. 11648/2008, que destinou parte da verba decorrente das contribuições sindicais para as então criadas Centrais Sindicais, não foi declarada inconstitucional, o que denota a regularidade do mecanismo legal de alteração das contribuições.

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Não bastasse toda esta balbúrdia, a Federação Interestadual dos Trabalhadores Hoteleiros, formulou consulta à Secretaria das Relações do Trabalho do M.T.E., que em resposta emitiu desastrosa e desarrazoada nota técnica (NT n. 2/2018), na qual o Secretário (hoje exonerado) respondeu que, no seu entender, a anuência prévia e expressa à contribuição sindical poderia ser prestada de forma coletiva, calcando-se no artigo 8.º III da CF/88 que diz caber ao sindicato a defesa dos interesses da categoria.

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Pois, justamente tomando em conta o resultado de dita autorização coletiva que, por violar a lei, lesa o patrimônio subjetivo de cada trabalhador, não está o sindicato defendendo os interesses de seus representados ao assim proceder.

Dada a proteção destinada ao salário dos trabalhadores, descontos salariais fora das hipóteses e formas legalmente previstas são nulos (artigo 462, CLT), pelo que se conclui que os empregadores que cederem às iniciativas sindicais ou à própria ordem judicial, poderão ser compelidos a devolver tais valores aos empregados, envolvendo-se em hercúlea repetições de indébito junto ao sistema sindical (pois a contribuição sindical possui diversos beneficiários).

Não há, sequer, incoerência na facultatividade da contribuição e no incremento do protagonismo sindical, advindos da Reforma Trabalhista: exatamente com isto, os sindicatos ganham grande oportunidade para demonstrar seu valor frente aos representados, conquistando-os como contribuintes voluntários.

É importante deixar o registro de que este texto não nega a importância dos sindicatos (e de seu custeio) na história e na realidade das relações de trabalho.

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Mas é impossível não notar que os atos testemunhados são nada mais que a concretização do medo da emancipação e revelam o apego doentio a um passado no qual fez-se vista grossa à falsa autonomia emprestada aos entes de classe que, como o filho custeado por mesada paterna, cederam parte de sua liberdade ao comodismo do sustento certo e sem encargos.

*Professora titular de direito do trabalho da PUC do Rio Grande do Sul, sócia de Souto Correa Advogados, pós-doutora em direito do trabalho pela Universidade de Burgos, na Espanha

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