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Contratações públicas como instrumento de combate à corrupção

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Por Felipe Noronha Ferenzini
Atualização:
Felipe Ferenzini Foto: Estadão

A corrupção nas contratações públicas tem sido tema dominante nos noticiários e nas conversas do povo brasileiro. Decorrência natural da quantidade de escândalos e valores envolvidos.

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Segundo estudo de 2013 da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), no mundo se gasta em média de 13% a 20% do PIB em licitações públicas. Desse valor, estima-se que 20 a 25% seja perdido em corrupção, o que totalizaria 2 trilhões de dólares.

No Brasil os números também são alarmantes. Segundo estimativas do governo brasileiro, o Estado despende entre 10% a 15% do PIB em licitações. Aplicando-se a margem mais agressiva da OCDE sobre o PIB do Brasil em 2015 (R$ 5,9 trilhões), já que em matéria de corrupção o Brasil não tem sido nada conservador, calcula-se que tenhamos perdido apenas em 2015 entre R$ 147 a 221 bilhões em corrupção.

Para se ter em perspectiva, a média daqueles valores equivale à aproximadamente o dobro do orçamento do Governo Federal em 2016 para a área da saúde, que está se esfacelando, por sinal.

Diante desse cenário, como podemos combater a corrupção, se as leis que proíbem e punem a fraude em licitações e a corrupção não têm sido efetivas?

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Uma ferramenta lógica seria a devida aplicação das leis. Felizmente, as autoridades brasileiras têm avançado nessa frente, com a efetiva aplicação de penalidades. Contudo, esse viés punitivo pode não ser suficiente, dada a magnitude do problema.

Propõe-se, neste artigo, uma ferramenta adicional: a utilização da licitação como instrumento de incentivo ao combate à corrupção.

O Governo, na sua posição de cliente, poderia passar a adotar uma posição ativa como fomentador da integridade e do combate a corrupção, estabelecendo condições para as empresas que desejem participar de licitações. Algumas exigências que já vem sendo implementadas timidamente e poderiam ser expandidas são: (i) possuir programa de compliance efetivo, conforme previsto na Lei Anticorrupção (Lei 12846/2013); e (ii) indicar os nomes dos sócios da empresa licitante, evitando a contratação de empresas relacionadas à funcionários públicos (conflito de interesse).

Em relação aos funcionários públicos envolvidos em licitações, o Governo poderia (i) conceder recompensas (bônus ou melhor avaliação de desempenho) aos que detectarem práticas anticompetitivas ou corrupção; (ii) exigir que apresentem declarações de que não possuem conflito de interesse e não fornecerão informações confidenciais às licitantes, e (iii) exigir que sejam treinados sobre regras de licitações e combate à corrupção.

Existem ferramentas utilizadas internacionalmente, como os Pactos de Integridade e a participação da sociedade civil como fiscal das licitações, que também poderiam ser usadas no Brasil.

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Os Pactos de Integridade são usualmente implementados em licitações de alto valor. São acordos firmados pelo Governo e licitantes, nos quais: (i) o Governo declara que agentes públicos não solicitarão ou aceitarão propina e benefícios indevidos, (ii) a licitante declara que seus funcionários não oferecerão propina; (iii) a licitante declara que indicará os pagamentos feitos à terceiros em relação ao contrato (iv) auditor independente monitorará a licitação e (iv) penas serão aplicadas por descumprimento. Segundo a Transparência Internacional, tais Pactos têm sido usados com sucesso na Coreia, México, Alemanha, Índia e outros países, com redução de custos de até 15%.

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A fiscalização pela sociedade civil acontece no México, por exemplo, por meio do programa de Testemunha Social. As testemunhas sociais (que pode ser pessoa física especializada ou ONG) participam como observadoras da licitação, emitem parecer final com observações e podem denunciar irregularidades às autoridades.

Não pretendo, neste artigo, esgotar um assunto tão complexo como a corrupção, mas sim propor a aplicação instrumental das contratações públicas como mecanismo indutor de integridade. Acredito que a corrupção possa ser reduzida com a aplicação de tais medidas, o que propicia a melhor aplicação de recursos públicos em benefício dos brasileiros.

* Felipe Noronha Ferenzini é especialista em Direito Regulatório Econômico pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e advogado associado à Trench, Rossi e Watanabe.

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