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Contra o arbítrio, o Direito: por que o STF não deveria vetar as nomeações de Bolsonaro

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Por André Portugal
Atualização:
André Portugal. FOTO: DIVULGAÇÃO  

Leio que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar em mandado de segurança impetrado pelo PDT, para impedir a nomeação de Alexandre Ramagem à diretoria-geral da Polícia Federal. Dias antes, li na imprensa que o deputado Marcelo Freixo (PSOL) pretendia ajuizar, no mesmo STF, ação popular para impedir a nomeação de Jorge Oliveira ao Ministério da Justiça, o que apenas não aconteceu porque a nomeação acabou não se concretizando.

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Medidas como essas, evidentemente bem intencionadas, têm sido recebidas com bons olhos pela esfera pública brasileira e encaradas como garantia de alguma moralidade na Administração Pública.

Além disso, elas encontram precedentes recentes no próprio Supremo Tribunal Federal (caso 1: veto judicial à nomeação de Lula para a chefia da Casa Civil, durante o governo Dilma; caso 2: veto judicial à nomeação de Cristiane Brasil para o Ministério do Turismo, quando o governo Temer).

Nada disso, no entanto, retira o seu caráter desatinado e inconstitucional. E apontá-lo é função da ciência do direito, sobretudo para que erros pretéritos não se transformem em regra que põe em risco o arranjo institucional e democrático preconizado pela nossa combalida e maltratada Constituição. É o que pretendo fazer neste breve artigo.

A Constituição atribui ao presidente da República, privativamente, a prerrogativa para nomear seus ministros, e proíbe apenas que ele nomeie pessoas com idade inferior a 21 anos e que não estejam no pleno exercício de seus direitos políticos (art. 81, I, e 87, caput). Em relação à nomeação da diretoria-geral da Polícia Federal, coube à Lei 13.047/14 atribuir essa prerrogativa ao presidente da República.

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Em ambos os casos, essa prerrogativa presidencial tem razão de ser: trata-se de decisão de governo, segundo os critérios de conveniência e oportunidade adotados pelo Chefe do Executivo. As boas intenções de juízes não devem se sobrepor ao arranjo institucional e democrático preconizado pela Constituição. Vivemos sob o governo das instituições, não sob o governo das boas intenções, não obstante, claro, seja de bom grado que ambas caminhem juntas.

É verdade que há evidências, inclusive documentais, de que o ato administrativo de demissão de Maurício Valeixo, então diretor da PF, foi levada a cabo para satisfazer ao desejo presidencial de exercer controle e interferência na instituição. Mas é problemático supor que, por causa disso, o Judiciário deveria tornar Valeixo, que ocupava mero cargo de confiança, indemissível neste momento.

Ao mesmo tempo, o argumento de que a nomeação de Alexandre Ramagem deve ser judicialmente vetada traz consigo a premissa de que, a rigor, qualquer nomeação presidencial deverá submeter-se à aprovação social prévia e, no final das contas, à chancela de um grupo de juízes não eleitos. O argumento não só permite, como pressupõe, que o Judiciário estabeleça uma nova regra para a nomeação a cargos de confiança, então ausente no sistema jurídico brasileiro. Se, em termos democráticos, esse assentimento da sociedade é naturalmente importante e benéfico, a Constituição e a lei não o consideram condição de validade da nomeação. Inexiste, além disso, proibição legal à nomeação de pessoas próximas do presidente para o preenchimento desses cargos, de modo que a condição objetiva, a saber, a relação de proximidade entre Bolsonaro e Ramagem, que tem sido alegada como razão do desvio de finalidade, por si só, é juridicamente insuficiente para tanto.

Um erro - ou dois, no caso, já que dois são os precedentes - não deve ser argumento para justificar outro e, assim, eternizar jurisprudência pouco ou nada deferente à separação dos Poderes.

Isso significa que o enredo bolsonarista para as demissões no Ministério da Justiça e na Polícia Federal, tal como narrado pelo então ministro Sérgio Moro, foi escrito pela pena e sob o manto da legalidade?  Mais, significa que o sistema jurídico brasileiro admite que o presidente da República, sob o pretexto de usar uma prerrogativa constitucional, cometa atos de improbidade administrativa? Que seu arranjo institucional não previu nenhum remédio contra presidentes notadamente irresponsáveis, cuja principal característica se resume ao desprezo confesso pelas instituições da República? A resposta a todas essas perguntas é uma só: naturalmente que não.

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Atos de improbidade cometidos pelo presidente da República são constitucionalmente classificados como crimes de responsabilidade, e apurados segundo o procedimento específico previsto para tanto (art. 85, CF, art. 9º, da Lei 1079/50). Dentre as sanções, está a perda do mandato.

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O caminho para coibir os atos irresponsáveis e ímprobos do presidente, portanto, é um só: o impeachment.

Seus requisitos materiais e jurídico propriamente ditos - a saber, a configuração de crime de responsabilidade - estão, todos eles, preenchidos, e por uma sucessão de atos ilegais do presidente Jair Bolsonaro.

A requisição para que lhe fosse concedido acesso irrestrito às investigações contra a sua família, ao que se seguiram requisições para a troca do comando da Polícia Federal por causa do avanço dessas mesmas investigações, ao que, por sua vez, se seguiram as demissões anunciadas na última sexta-feira, são apenas parte do recital de atos espúrios do presidente, todos eles aptos a configurarem crime de responsabilidade. A redação do art. 9º, 4, da Lei 1079/50, afinal, é clara: é crime de responsabilidade contra a probidade da Administração "expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição".

Mas a aferição desse crime de responsabilidade pelo presidente Jair Bolsonaro caberá, no mérito, ao Senado Federal, uma vez aprovada a sua admissibilidade pela Câmara dos Deputados. Eis a razão para se afirmar que o impeachment, como a experiência recente tem nos demonstrado, é processo marcado por um componente também político.

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A alternativa sistêmica aos trejeitos tresloucados, autoritários e antirrepublicanos de Jair Bolsonaro está aí, pronta para uso. Não é necessário, tampouco recomendável, apostar em remendos institucionais e em reconfigurações pouco democráticas dos Poderes.

Ao contrário, a mensagem do sistema jurídico brasileiro é clara: estes momentos devem ser respondidos com mais, não menos democracia. É tempo de ação do Parlamento, não dos juízes.

*André Portugal é advogado, sócio do Klein Portugal Advogados Associados, mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra e professor de Teoria da Decisão Judicial no programa Law Experience do FAE Centro Universitário

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