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Contra a censura do STF, a proteção do Sistema Internacional de Direitos Humanos

Por Luiz Afonso Costa de Medeiros
Atualização:
Luiz Afonso Costa de Medeiros. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A censura como o ato de violência contra a liberdade de expressão assombra os brasileiros nestes dias. Ao longo das últimas três décadas, a vida democrática tem se estabilizado no país, com o fortalecimento da cidadania, graças à inserção de um maior número de indivíduos em ambiente de livre informação e de circulação de ideias. Sem dúvida, a inserção digital e o advento das redes sociais são fatores preponderantes nesta última fase de consolidação do ambiente democrático.

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A sensação de liberdade e democracia é interrompida, no entanto, quando notícias dão conta de que partem do Supremo Tribunal Federal (STF) decisões de cunho autoritário, sem respaldo jurídico. Perplexa, a nação vê censurada matéria da revista Crusoé e do site jornalístico O Antagonista, que trata de declaração do empreiteiro Marcelo Odebrecht, a pedido da Polícia Federal, que queria saber a identidade de um personagem citado por ele em um e-mail como "amigo do amigo de meu pai". Não menos perplexa, a nação brasileira assiste a busca e apreensão em residências de cidadãos comuns e intimações para depor na Polícia Federal. Todos indiciados, no contexto de um inconstitucional inquérito aberto pelo STF.

Ora, o consagrado direito à liberdade de expressão é um direito fundamental, corolário da dignidade da pessoa humana, representando fundamento necessário à preservação do Estado Democrático de Direito. A restrição ao direito de se expressar livremente se nos apresenta como um exercício de barbárie e terrorismo, por parte de quem promove a censura, quer prévia ou à posteriori, seja o Estado ou o próximo, tendo em vista que viola a abrangência holística da dignidade da pessoa humana, pois a liberdade de expressão propugna pela autorrealização do indivíduo, enquanto sujeito de direitos e obrigações. Por essa razão, o direito à liberdade de expressão é consubstanciado na universalidade dos instrumentos jurídicos, sejam nacionais, sejam internacionais.

Na Constituição Federal da República Federativa do Brasil (CF/88), que implanta um Estado Constitucional Democrático de Direito, todas as normas constitucionais são dotadas de supremacia jurídica, providas que são de eficácia jurídica, notadamente, as normas definidoras de direito, de aplicação imediata Dentre os instrumentos internacionais dos quais o Brasil faz parte na condição de Estado-membro, e que foram recepcionados pelo direito interno, materializando-se, então, como lei infra ou supraconstitucional, a depender de entendimentos diversos, vale a pena citar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948.

Também relevantes para a compreensão da gravidade dos atos perpetrados, são a Declaração Americana Sobre Direitos Humanos, de 1969, intitulada Pacto de São José da Costa Rica e a Declaração Internacional de Chapultepec, de 1993, redigida a pedido da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP).

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É relevante mencionar que os acordos acima citados, todos sob a égide da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, têm força de lei, pois cumpriram com os ritos procedimentais constitucionais internos, tendo sido, portanto, recepcionadas pelo direito pátrio.

Se por um lado, a CF/88 consolida a liberdade de expressão como um direito essencial, por outro, reafirma a obrigatoriedade dos tratados internacionais, em consonância com a Convenção de Viena, em cujos textos se consolidam, igualmente, a liberdade de expressão, como um direito inerente ao ser humano.

Ao considerar-se a relevância intrínseca da liberdade de expressão, como um direito essencial do ponto de vista do direito interno, e como um direito humano inalienável e irrefutável da ótica do Direito Internacional, a sua violação atinge uma dimensão extraordinária e inusitada, já que não se circunscreve à instância meramente doméstica, mas também à instância internacional, ao ofender e degradar a humanidade em seu conjunto. Tendo em vista que a ordem interna, em matéria de liberdade de expressão, foi aviltada pelo STF que, em tese, deveria ser o guardião da Constituição Federal, e que nada garante que esse esgarçamento seja reconstituído face à realidade vigente, nada mais óbvio do que se lançar mão de instância internacional para se garantir o resgate da normalidade normativa, em arranjo minimamente capaz de gerar ordem e segurança jurídica e social, interna e externa, e um estudo de caso exemplar, na prática, para outras situações de arroubos autoritários judiciais, ainda em voga em alguns países latino-americanos.

Diante das incertezas que geram insegurança de toda ordem, com reflexos negativos na sociedade, na política e na economia, denunciar a violação do direito à liberdade de expressão no Sistema Interamericano de Direitos Humanos deve ser considerada como medida jurídica pertinente e eficaz para que se possa reconduzir à ordem todo esse processo de equívocos, abuso de poder, e terrorismo de Estado praticado por membros do STF.

O Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) tem como propósito garantir as liberdades fundamentais, dentre as quais avulta a liberdade de expressão. No Brasil, tanto os dispositivos da CF/88, como dos Tratados Internacionais mencionados, dos quais o país é parte, estabelecem ampla, geral e irrestrita liberdade de expressão e de imprensa. É inacreditável que um direito tão amplamente protegido seja objeto de violação pela Suprema Corte do país mediante inquérito ilegal, que poderia ainda ensejar a arguição de garantias judiciais, penais e cíveis, no contexto dos diretos humanos, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

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*Luiz Afonso Costa de Medeiros, presidente do Fórum Brasileiro de Direitos Humanos (FBDH)

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