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Contágio pelo coronavírus será considerado como doença do trabalho?

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Por Maria Lucia Ciampa Benhame Puglisi
Atualização:
Maria Lucia Ciampa Benhame Puglisi. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A covid-19 é uma doença pandêmica, com estado de calamidade declarada no Brasil pelo Decreto-legislativo 06/2020, e determinações estatais de isolamento e quarentena.

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Após Portaria 356 com regras médicas foi editada a Portaria nº 454, de 20 de março de 2020, que declara, em todo o território nacional, o estado de transmissão comunitária do coronavírus (covid-19).

Essa Portaria traz como regra o isolamento da pessoa com sintomas de doença respiratória mediante atestado médico: Art. 2º Para contenção da transmissibilidade do covid-19, deverá ser adotada como, medida não-farmacológica, o isolamento domiciliar da pessoa com sintomas respiratórios e das pessoas que residam no mesmo endereço, ainda que estejam assintomáticos, devendo permanecer em isolamento pelo período máximo de 14 (quartorze) dias.

Em 27 de março, foi emitida uma orientação a empresas e trabalhadores para contenção da transmissão, o OFÍCIO CIRCULAR SEI nº 1088/2020/ME ORIENTAÇÕES GERAIS AOS TRABALHADORES E EMPREGADORES EM RAZÃO DA PANDEMIA DA COVID-19, que traz a obrigação do SESMT e CIPA, quando existentes, de instituir e divulgar a todos os trabalhadores um plano de ação com políticas e procedimentos de orientação aos trabalhadores.

No mesmo documento encontramos como regras principais, sem prejuízo de outras específicas:

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ü      Criar e divulgar protocolos para identificação e encaminhamento de trabalhadores com suspeita de contaminação pelo novo coronavírus antes de ingressar no ambiente de trabalho.

ü      Orientar todos trabalhadores sobre prevenção de contágio

ü      Instituir mecanismo e procedimentos de report do trabalhador à empresa

ü      Adotar procedimentos contínuos de higienização das mãos,

ü     Evitar tocar a boca, o nariz e o rosto com as mãos;

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ü      Manter distância segura entre os trabalhadores,

ü      Emitir comunicações sobre evitar contatos muito próximos,

ü      Adotar medidas para diminuir a intensidade e a duração do  contato  pessoal entre  trabalhadores  e  entre esses e o público externo;

ü      Priorizar agendamentos de horários e medidas para distribuir a força de trabalho ao longo do dia para evitar aglomeração

ü      Limpar e desinfetar os locais de trabalho e áreas comuns sempre nos turnos e quando houver torca de postos de trabalho

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ü      Reforçar a limpeza de sanitários e vestiários;

ü      Adotar procedimentos para, na medida do possível, evitar tocar superfícies com alta frequência de contato, bem como reforçar a limpeza desses pontos

ü      Privilegiar a ventilação natural nos locais de trabalho. No  caso  de  aparelho  de  ar  condicionado, evite recirculação de ar e verifique a adequação de suas manutenções preventivas e corretivas;

ü      Promover teletrabalho ou trabalho remoto. Evitar deslocamentos de viagens e reuniões presenciais, utilizando recurso de áudio e/ou videoconferência;

Dessa forma, de maneira resumida cabia e cabe ao SESMT E/ou CIPA da EMPRESA criar os protocolos de segurança à saúde dos empregados, e, onde inexistentes à própria gestão das empresas assessoradas pelas empresas prestadoras de serviço médico e de segurança na forma da NR 7 e ao membro nomeado da CIPA.

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 Análise da doença pandêmica como doença do trabalho.

A MP 927 traz o artigo 29, com o seguinte texto, que teve sua vigência suspensa nas ações diretas de inconstitucionalidade abaixo:

ü  PDT - Partido Democrático Trabalhista (6.342)

ü  Rede Sustentabilidade (6.344)

ü  CNTM - Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (6.346)

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ü   PSB - Partido Socialista Brasileiro (6.348)

ü  PCdoB - Partido Comunista do Brasil (6.349)

ü  Solidariedade (6.352)

ü  CNTI - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (6.354)

Diz o citado artigo:

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Art. 29.  Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.       (Vide ADI nº 6342)       (Vide ADI nº 6344)       (Vide ADI nº 6346)       (Vide ADI nº 6352)          (Vide ADI nº 6354)       (Vide ADI nº 6375)

Assim, o artigo, com vigência suspensa, trazia como regra que se um empregado se contaminar, salvo se houver comprovação de nexo causal, a doença não será ocupacional.

Com a suspensão liminar houve entendimento de que a doença seria automaticamente doença ocupacional, cabendo ao empregador comprovar que não haveria nexo.

Na realidade, com tal suspensão, traz-se plena vigência mesmo para o caso do Covid-19 à legislação previdenciária, que ao tratar da doença endêmica, diz:

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

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I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

  • 1º Não são consideradas como doença do trabalho:

  1. a) .....
  2. b) .....
  3. c) .....
  4. d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.

Assim, em sendo a doença pandêmica, viável a aplicação de tal dispositivo legal, nem que seja por analogia e mais, cabendo tal regra ao menos - doença endêmica, e portanto localizada - caberá ao mais - doença pandêmica que atingiu todo o mundo sem controle possível de sua propagação.

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E o nexo será provado por atitude omissiva do empregador,  ao não tomar os cuidados indicados por lei ou por seu serviço de segurança e medicina do trabalho, ou, ainda por atitude comissiva quando, por exemplo, nos moldes acima enviar empregado a trabalhar em local de alta incidência.

Portanto, se o empregador tomar medida que facilite o contágio, ou que não o impeça, numa atitude omissiva, a doença poderá ser considerada como ocupacional.

É o que se verifica dos julgados abaixo quando tratam da doença endêmica:

DOENÇA ENDÊMICA. MALÁRIA. NEXO CAUSAL INEXISTENTE. A constatação de que o obreiro adquiriu doença, por si só, não autoriza o reconhecimento da responsabilidade civil do empregador, sobretudo quando não evidenciado o nexo causal entre o transtorno de saúde identificado e as atividades do obreiro, tendo em vista se tratar de patologia endêmica na região amazônica, motivo pelo qual a maioria da população está passível de contraí-la. (TRT-14 - RO: 271 RO 0000271, Relator: DESEMBARGADORA SOCORRO MIRANDA, Data de Julgamento: 28/10/2011, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DETRT14 n.203, de 03/11/2011)

DOENÇA ENDÊMICA. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. Verificando-se que a trabalhadora foi deslocada, pelo empregador, para laborar em notória zona de doença endêmica (malária), daí emerge sua responsabilidade subjetiva pela lesão. No caso, a responsabilidade decorre do risco sabidamente criado pelo empregador, que, ciente das circunstâncias envolvidas no negócio, ainda assim, para a obtenção de lucro, submeteu os trabalhadores ao risco de contrair a perigosa doença. (TRT-1 - RO: 00106303220145010080 RJ, Relator: RILDO ALBUQUERQUE MOUSINHO DE BRITO, Data de Julgamento: 21/05/2018, Gabinete do Desembargador Rildo Albuquerque Mousinho de Brito, Data de Publicação: 24/05/2018)

As empresas deverão redobrar cuidados em seu estabelecimento e mesmo no estabelecimentos terceiros em que seus empregados eventualmente prestem serviços em contratos de cessão de mão de obra, exigindo deles, contratualmente tais cuidados, com imposição de multas e responsabilidade caso não o façam.

Todas as medidas tomadas em prevenção devem ser extremamente cuidadosas e documentadas, com arquivo de todos os documentos, treinamentos, inclusive com gravação em vídeo dos mesmos. Importante e ainda a punição de empregado que desrespeite tais normas.

O julgamento do STF não alterou o contido na lei previdenciária, e se analisarmos a regra do artigo 29, em sua essência, está seu teor de acordo com a lei previdenciária, ou seja, em havendo nexo comprovado a doença endêmica, neste caso pandêmica, poderá ser considerada doença do trabalho, no entanto, sem tal nexo, não o será.

Portanto, cada caso deverá ser analisado sem presunção prévia seja de ser doença do trabalho seja de não o ser.

*Maria Lucia Ciampa Benhame Puglisi, advogada

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