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'É importante que o Congresso acelere projetos de controle do mercado de criptoativos', defende presidente do Instituto de Combate à Lavagem

Economista Bernardo Mota, presidente do IPLD, avalia que 'não há nenhum risco' de o Brasil ser excluído do Gafi, Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo que, na próxima semana, desembarca em São Paulo em meio a expectativas sobre a avaliação do desempenho brasileiro no setor; leia a entrevista ao 'Estadão'

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Por Rayssa Motta
Atualização:

O presidente do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi), o alemão Marcus Pleyer, virá ao Brasil na próxima semana para participar de um congresso em São Paulo.

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A visita ocorre em meio às expectativas para a próxima avaliação do desempenho brasileiro na prevenção e no enfrentamento à lavagem de dinheiro e ao terrorismo. O Brasil é um dos 39 membros do Gafi e a permanência na organização internacional depende de rodadas periódicas de qualificação. A próxima análise deve ocorrer ainda neste ano.

O Estadão conversou com o economista Bernardo Mota, presidente do Instituto de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (IPLD), para quem o momento atual é "positivo" para o Brasil. Em 2018, o País se viu sob risco de ser removido do grupo, mas segundo o especialista o cenário naquele ano foi "isolado".

"As instituições brasileiras funcionam e têm conseguido resultados positivos. O nosso gargalo ainda está na falta de um sistema que possa apresentar de forma detalhada as estatísticas desses resultados alcançados", explica.

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Bernardo Mota: "Nosso gargalo ainda está na falta de um sistema que possa apresentar de forma detalhada as estatísticas". Foto: Divulgação

Para Mota, os principais avanços nas últimas duas décadas envolvem a Lei de Lavagem de Dinheiro e legislações que impuseram penas mais duras ao terrorismo e aceleraram o congelamento dos bens de membros de organizações terroristas.

"O Brasil dispõe de leis eficientes e aderentes aos padrões internacionais. Além disso, as instituições são sólidas, com autonomia para executar o seu trabalho, para trabalharem e cumprir suas atribuições", defende.

Na avaliação do presidente do IPLD, as sucessivas transferências do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ao longo do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) não devem afetar a análise do Gafi. O Coaf é um órgão central no sistema de combate à lavagem de dinheiro.

"Eu entendo que o Coaf tem essa autonomia operacional para funcionar e exercer suas funções e atribuições legais, independentemente de estar no Ministério da Economia, Ministério da Justiça ou Ministério da Fazenda, órgãos aos quais já foi vinculado, ou estando no Banco Central", afirma.

Um dos movimentos bem-vindos, segundo projeta o economista, seria o Congresso "acelerar" a regulamentação do mercado de criptoativos para diminuir os riscos de fraudes financeiras. Recentemente o Gafi fez uma revisão na lista de recomendações aos países membros só para incluir o tema.

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"Ter projeto de lei no Congresso ajuda bastante, mas o fato é que seria importante que, até a avaliação, já tivesse sido aprovado, porque o Gafi não considera projeto de lei como solução, o que ele considera é a lei aprovada e já em vigor. É importante que o Brasil acelere esse processo", defende.

O IPLD organiza o 4° Congresso de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo e Proliferação de Armas de Destruição em Massa, que começou nesta terça-feira, 10, e vai até o próximo dia 19.

O evento terá painéis com especialistas para debater temas como criptoativos, lavagem de dinheiro, proliferação de armas de destruição em massa, jornalismo investigativo e crimes ambientais.

Leia a entrevista completa com o presidente do IPLD:

ESTADÃO: O Brasil está em dia com as recomendações do Gafi ou ainda há pontos para melhorar?

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Bernardo Mota: Sim, o Brasil está em dia com as recomendações do Gafi. Se nós formos fazer uma avaliação de recomendação, realmente houve avanço desde o começo desse processo de avaliação, quando o Brasil se tornou membro nos anos 2000. A nossa força está no nosso arcabouço jurídico e institucional. Dispomos de lei e regulamentos.

Nós temos boas leis e regulamentos que são modernos, temos boas estruturas institucionais, como o Coaf, Ministério Público, Polícias, órgãos de supervisão e Justiça. Do ponto de vista jurídico, legal, legislativo, normativo e institucional, nós estamos bem. Sempre há pontos a melhorar, claro, em um processo como esse, não só o Brasil, como qualquer outro país.

Eu diria que o ponto a ser aprimorado é ter estatísticas mais precisas, mais consistentes de todo um sistema. O Brasil não tem ainda estatísticas sistematizadas, mais orgânicas de todo o sistema, desde a questão preventiva até a questão repressiva. É possível levantar informações de boas ações  implementadas e dos resultados positivos alcançados, mas não há ainda um sistema consolidado, que possa demonstrar o funcionamento efetivo das ações.

ESTADÃO: Na opinião do Sr., o que podemos esperar da próxima avaliação do Gafi? Há risco do País ser removido do grupo, como foi aventado em 2018, ou a expectativa é positiva?

Bernardo Mota: O processo é dinâmico e a expectativa é positiva. O Brasil tem um sistema e um arcabouço jurídico institucional robustos, com leis modernas e aderentes aos padrões internacionais. Importante ressaltar que as instituições brasileiras funcionam e têm conseguido resultados positivos. O nosso gargalo ainda está na falta de um sistema que possa apresentar de forma detalhada as estatísticas desses resultados alcançados.

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Tivemos muitas dificuldades como todos os outros países, mas não há o risco do Brasil ser excluído do Gafi. Em 2018, houve um contexto totalmente isolado por causa do compromisso que havíamos assumido de aprovar a Lei de congelamento de bens vinculados a terroristas. Havia um prazo, e por isso o Gafi pressionou. Na época o cenário político estava bastante intenso, porque ia mudar a legislatura no Congresso (2018-2019). Por causa do momento foi difícil dar a garantia ao Gafi da aprovação da lei. Mas em fevereiro de 2019, houve a aprovação da referida norma.

Então, eu diria que para a próxima rodada de avaliações não haverá risco nenhum de o Brasil ser excluído, muito pelo contrário, eles vão reconhecer que muita coisa foi realizada ao longo desses 20 anos de Lei de Lavagem. Com os seus aprimoramentos, as leis de terrorismo, de financiamento ao terrorismo, de congelamento de bens vinculados a terroristas também são boas. Isso tudo foi resultado de um trabalho intenso, a Lei de Corrupção, a Lei de Crime Organizado. Há uma série de peças legislativas em que conseguimos demonstrar evolução no Brasil, fora os resultados em si de cada instituição que atua no sistema.

Cabe destacar que não basta ter uma boa lei, é preciso garantir que essa lei esteja sendo aplicada. Essa é a forma que o Gafi olhará para esse processo de avaliação. Nós chamamos isso de avaliação da efetividade. Então, sempre isso é um ponto de atenção, é preciso demonstrar de uma forma muito clara esses resultados.  O sistema brasileiro é efetivo, basta que a gente consiga demonstrar de uma forma bastante clara, transparente e detalhada.

Bernardo Mota é presidente do IPLD. Foto: Divulgação

ESTADÃO: Quais os principais avanços recentes alcançados pelo Brasil no combate à lavagem de dinheiro?

Bernardo Mota: Os principais avanços são avanços normativos, legislativos e institucionais. O Brasil dispõe de leis eficientes e aderentes aos padrões internacionais. Além disso, as instituições são sólidas, com autonomia para executar o seu trabalho, para trabalharem e cumprir suas atribuições, isso é importante.

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O Brasil é um país cooperativo com outros países, então existem casos de sucesso de intercâmbio de informações e de ações conjuntas, com participação intensa em organismos internacionais. Pontos positivos que o Brasil tem contra a lavagem de dinheiro.

Ainda não houve no Brasil nenhum caso concreto que pudesse ser usado para medir a nossa eficiência no combate ao financiamento terrorismo, por exemplo. Se houvesse, certamente, com a estrutura normativa e institucional que temos, seria um caso de sucesso.

ESTADÃO: Na avaliação do Sr., o fim da Operação Lava Jato prejudica o enfrentamento à lavagem?

Bernardo Mota: O processo de avaliação do Gafi não leva em consideração somente um caso concreto. O Gafi observa questões como, por exemplo, no sistema preventivo e repressivo. Preventivo com as informações financeiras que circulam pelas instituições e são comunicadas ao Coaf, e integram os relatórios enviados à polícia ou ao Ministério Público, que vão investigar, fazer a denúncia, abrir ação penal a ser julgada, condenando ou absolvendo, em instâncias diferentes.

O Brasil apresenta muitas condenações em primeira instância e esse é um parâmetro de avaliação importante do GAFI, que faz um comparativo entre a primeira instância e a última instância para avaliar, por exemplo, se há uma discrepância de dados, ou seja, se existem muitas condenações na primeira instância e poucas nas últimas instâncias, que são as definitivas.

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Assim, podem medir se as decisões foram corretas, se foram reajustadas, coerentes, e se foram ou não confirmadas. Isso é um parâmetro de comparação. O Gafi não olha a operação em si, mas o contexto do processo de decisão.

ESTADÃO: O Congresso espera aprovar em breve a regulamentação do mercado de criptoativos, central para combate a fraudes financeiras. Esse é um tema em que o Brasil está atrasado?

Bernardo Mota: O tema de criptomoedas, ou ativos virtuais, como o Gafi coloca na sua recomendação 15, é um ponto de observação pelos países. O Gafi fez uma revisão especial só para incluir essa temática. A partir disso, o órgão vai observar se os países estão ou não implementando medidas de monitoramento, de identificação e controle desse tipo de produto ou serviço.

Então, ter projeto de lei no Congresso ajuda bastante, mas o fato é que seria importante que, até a avaliação, já tivesse sido aprovado, porque o Gafi não considera projeto de lei como solução, o que ele considera é a lei aprovada e já em vigor. É importante que o Brasil acelere esse processo de aprovação desses projetos que estão tramitando no Congresso para ter a definição, controle, monitoramento e a supervisão desse mercado de ativos virtuais ou de criptoativos. Assim, será possível demonstrar que temos um arcabouço efetivo e aderente aos padrões internacionais.

Enquanto estamos somente no âmbito do projeto de lei, para fins de avaliação do GAFI, isso não é considerado como sendo efetivo. A efetividade será demonstrada a partir do momento que nós tivermos uma lei aprovada, que os órgãos já estiverem estruturados para controlar e autorizar esse mercado e que isso esteja em vigor e obviamente funcionando para se demonstrar com os números e com as estatísticas a efetividade do controle desse tipo de produto financeiro.

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ESTADÃO: Como o Sr. vê as transferências do Coaf no governo atual?

Bernardo Mota: Uma das recomendações do Gafi é a 29, que prevê que os países devem ter uma unidade de inteligência financeira com atribuição de receber, analisar, disseminar informações e ter estrutura, capacidade e autonomia operacional para exercer suas atribuições, algo que o Coaf tem.

Então o fato de o Coaf estar vinculado a esse ou aquele órgão não afeta o ponto de vista conceitual pelo que o Gafi vai observar. O que o Gafi observa é: se trabalham com autonomia e com independência operacional e demonstram que conseguem fazer isso. O Gafi não coloca como exigência o órgão ao qual está ligado a unidade de inteligência financeira.

Eu entendo que o Coaf tem essa autonomia operacional para funcionar e exercer suas funções e atribuições legais, independentemente de estar no Ministério da Economia, Ministério da Justiça ou Ministério da Fazenda, órgãos aos quais já foi vinculado, ou estando no Banco Central.

ESTADÃO: O setor bancário tem se esforçado suficientemente para cumprir a legislação e garantir a idoneidade do sistema?

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Bernardo Mota: O sistema bancário eu diria que é o mais moderno, mais sofisticado, o mais robusto e com mais capacidade de implementar as medidas anti-lavagens de dinheiro e contra o financiamento terrorismo. Se nós olharmos as primeiras normas e as primeiras regras de monitoramento, de 'devida diligência' ou 'conheça seu cliente', todas essas medidas preventivas antilavagem e de combate ao financiamento ao terrorismo começaram nas instituições bancárias, no setor financeiro.

Então há de se supor que o setor financeiro está mais experimentado com relação a essas medidas de PLDFT. Eu entendo que sim, o setor bancário, o sistema financeiro como um todo, cumpre bem e tem, com idoneidade, aplicado boas medidas de prevenção a lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo.

A lei 9.613 estabelece no seu artigo 9° que todos os setores, são setores obrigados a aplicar as medidas preventivas contra lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, para além do sistema financeiro ou do sistema bancário. Então nós temos que olhar com cuidado para esses outros setores se eles estão indo na mesma rota, na mesma velocidade que o sistema bancário implementou. Eu não diria que o problema maior seria nas instituições financeiras, muito pelo contrário, elas são as que realmente têm implementado boas práticas nesse quesito. Deveríamos então olhar pra ver se os outros setores se estão também colocando, implementando medidas para de prevenção e combate à lavagem e ao financiamento terrorismo.

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