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Condenações por não declaração de patrimônio no exterior podem ser revistas

Por Daniel Gerber e Gabriel Freire Talarico
Atualização:
Daniel Gerber e Gabriel Freire Talarico. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O dia 1 de setembro de 2020 acaba de se transformar em uma data simbólica para o Direito Penal. Isso porque o Conselho Monetário Nacional aumentou o valor mínimo para a exigência de declaração de Capitais Brasileiros no Exterior (CBE), regra esta de consequências jurídicas imediatas. Para que se tenha dimensão do que está em jogo, como bem se sabe, o artigo 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, criminaliza como evasão de divisas a manutenção no estrangeiro de depósitos não declarados à repartição federal competente. A não declaração de tais depósitos, portanto, é circunstância fundamental sem a qual não se verifica o crime.

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Por outro lado, a obrigação de declaração dos valores mantidos no estrangeiro é regulamentada por lei diversa, externa ao Direito Penal. É possível dizer, então, que o crime ora analisado constitui norma penal em branco.

No caso do delito aqui analisado, até o dia 31 de agosto deste ano de 2020, o art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, era complementado pela Resolução CMN/Bacen nº 3.854/2010 "sobre a declaração de bens e valores possuídos no exterior por pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no País", que estabelecia a obrigatoriedade de declaração quando o patrimônio no estrangeiro, da pessoa física ou jurídica, totalizasse quantia igual ou superior a US$ 100 mil. Assim, deixar de declarar valores correspondentes ou superiores a tal quantia constituiria, a princípio, o crime previsto no art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86.

No entanto, no dia 1/9/2020 entrou em vigor a Resolução CMN/Bacen nº 4.841/2020, que altera a Resolução nº 3.854, dispondo, agora, que a declaração em voga será obrigatória quando o patrimônio no estrangeiro, da pessoa física ou jurídica, totalizar quantia igual ou superior a US$ 1 milhão. Ou seja, a partir de hoje deixa de ser crime a não declaração de patrimônio mantido no estrangeiro inferior a US$ 1 milhão.

Não bastasse os efeitos presentes e futuros da norma, os efeitos sobre o passado também merecem atenção, pois o atual entendimento legislativo, por ser um "Abolitio Criminis" e retroagir a casos já julgados - na medida em que o Código Penal estabelece que ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando com isso a execução e os efeitos penais da sentença condenatória - afeta uma das maiores operações já realizadas pela Polícia Federal no Brasil: a operação que ficou conhecida como Ouro Verde. Se não bastasse, atinge diretamente inúmeros delatados por doleiros da Lava Jato.

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Em relação a este último exemplo, inclusive, o doleiro Dario Messer firmou acordo de delação premiada que está em ampla repercussão ante o calibre de alguns dos delatados, e, em nome desta cooperação, já obteve, com ninguém menos que o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, a revogação de sua prisão preventiva - que já tinha virado domiciliar - pela liberdade provisória.

Se é por acaso, ou não, que esta norma do Conselho Monetário Nacional surge logo após a delação do rei dos doleiros, nunca se saberá, pois "há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia". Mas, independentemente dos motivos, o fato é que inúmeros empresários irão, agora, se beneficiar com o novo regramento.

Enfim, sejam quais forem os motivos políticos, a não declaração de patrimônio no valor igual ou superior a US$ 100 mil e inferior a 1 milhão deixou de ser crime, circunstância que altera persecuções penais futuras e também produz efeito para condenações e apurações pretéritas.

Dessa forma, devem ser revistas as condenações daqueles que tenham sido punidos pela não declaração de patrimônio mantido no estrangeiro no valor aqui apontado, bem como devem ser questionadas aquelas persecuções penais em curso que abordem o tema.

*Daniel Gerber é advogado criminalista com foco em gestão de crises e compliance político e empresarial, sócio-fundador dos escritórios Daniel Gerber Advogados Associados (Brasília-DF, Porto Alegre -RS) e Gerber & Guimarães Advogados Associados (Palmas -TO); Gabriel Freire Talarico, advogado criminalista, sócio do escritório Freire & Malafaia Advogados

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