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Concessionárias de gás com a faca estatal no pescoço

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Por Adrianno Farias Lorenzon
Atualização:
Adrianno Farias Lorenzon. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O processo de retomada da economia no país não tem um dia de paz. O novo revés se apresenta como ameaça, mas palpável. O preço do gás pode disparar em 2022. Informações que circulam no mercado sinalizam que a Petrobras está apresentando propostas comerciais às distribuidoras de gás que estão descontratadas, vinculando o valor do gás natural ao preço spot do GNL no mercado internacional, precisamente ao marcador JKM.

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O vencimento dos contratos ocorre num momento peculiar do mercado de gás brasileiro e também internacional. De um lado, observamos um movimento inicial de competição em que alguns produtores e comercializadores lançaram propostas vencedoras nas chamadas públicas organizadas pelas distribuidoras, essencialmente no Nordeste. De outro lado, observa-se um aumento nas importações de GNL para atender a alta demanda do setor elétrico, em um cenário de estresse para os preços de GNL no mercado spot internacional, que vem apresentando valores recordes decorrentes da baixa oferta, em um contexto de demanda também aquecida.

A proposta da Petrobras altera a forma de paridade internacional até então praticada pela estatal. Historicamente, a Petrobras precifica o gás natural brasileiro com base nas fórmulas adotadas pelo mercado internacional para contratos de longo prazo, sendo vinculados ao petróleo (ou a derivados de petróleo). Os contratos atuais variam entre 11,6% a 12% do Brent, resultando em um preço praticado hoje de aproximadamente US$ 9/MMBTU. A precificação avalia, dessa forma, o custo de oportunidade que um consumidor (ou distribuidora) teria para adquirir gás natural de fornecimento firme no mercado internacional. Faz sentido.

O modelo proposto na renovação implica na majoração em percentuais escorchantes que variam entre 100% a 300%, a depender do prazo do contrato. Esse cenário é ainda mais preocupante quando as propostas trariam condições de manutenção dos montantes por até 4 anos, travando uma possível abertura do mercado, já que a migração de consumidores ao mercado livre deixaria distribuidoras sobre contratadas. Caso a Petrobras insista na imposição da nova precificação com base no JKM, o impacto na tarifa de gás paga pelas indústrias será catastrófico. Em setembro a média do JKM foi de US$ 23/MMBTU, já no mês passado foi de US$ 33/MMBTU.

Mas porque o consumo firme da indústria, comércio, residência e veicular deve ser precificado com base no mercado spot de GNL? No Brasil, a importação de GNL foi desenvolvida essencialmente para atender a demanda térmica, que exige a flexibilidade (despachos não previsíveis) que só mercado spot de GNL atenderia. Dessa forma, não cabe, especialmente em um momento de abertura de mercado, que o agente incumbente altere a lógica, numa manobra oportunista para repassar custos ao seu mercado (quase) cativo. Nota-se ainda que, quando o preço spot internacional de GNL mostrava-se mais competitivo do que aquele de longo prazo (imposto pela Petrobras), não havia a prerrogativa de escolha.

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Atenta a esse cenário impactante e de apreensão, a Associação dos Grandes Consumidores de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) avalia as alternativas e caminhos viáveis com vistas a proteger os consumidores desses aumentos, especialmente considerando a posição da estatal no mercado. Hoje a Petrobras é a única empresa que comercializa gás natural para as distribuidoras estaduais. De acordo com os contratos disponibilizados pela ANP, o total contratado pelas concessionárias é de 37,3 milhões m³/dia. Tal volume atende, basicamente, os consumidores cativos industriais (aprox. 30 milhões m³/dia). Boa parte dos contratos (23,8 milhões m³/dia, ou 63% do volume total) se encerra este ano.

Considerando a condição de monopólio da Petrobras e a incipiente abertura do mercado, é imperioso que a empresa oferte a todas distribuidoras e consumidores livres a prorrogação, por mais 1 ano, das condições comerciais dos contratos que vencerão em 31/dez. O mercado quer negociar. E a Petrobras?

*Adrianno Farias Lorenzon, diretor de Gás Natural da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres

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