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Comunidade e poder público: atores essenciais na defesa do patrimônio cultural

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Por Allan Carlos Moreira Magalhães
Atualização:
Allan Carlos Moreira Magalhães. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

A Constituição brasileira de 1988, fruto de um processo constituinte marcado por ampla mobilização da sociedade, reservou uma seção específica para tratar da Cultura (Seção II), ao lado da Educação (Seção I) e do Desporto (Seção III), num Capítulo (III) inserido no Título (VIII) da Ordem Social.

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O objeto deste breve ensaio é o patrimônio cultural, motivo pelo qual há um especial interesse em relação ao §1º do Art. 216 da Constituição que estabelece os atores principais na sua seleção, proteção e definição: o poder público e a comunidade.

A atividade de seleção, promoção e proteção do patrimônio cultural que envolve a apreensão de referências culturais (princípio da referencialidade) não consiste unicamente na mera catalogação. Ela não pode ser um ato unilateral do poder público baseado em esquemas de valores ideais construídos por intelectuais ou por agentes públicos.

Essas atividades demandam uma participação dos sujeitos culturais que são coletivamente denominados pela Constituição de "comunidade", intérprete do seu próprio patrimônio cultural.

A participação popular, conforme consta expressamente na Constituição de 1988, se dá na forma de colaboração da comunidade com o poder público, e envolve as ações de selecionar, promover e proteger o patrimônio cultural.

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Essas ações pressupõem um objeto definido e individualizado, ou seja, patrimonializado. Assim, tomando como exemplo um bem cultural tombado, não há dúvidas, pelo texto constitucional, de que a comunidade tem o direito de colaborar com o poder público para promovê-lo e protegê-lo, ou seja, o direito de participar dessas ações.

Contudo, a participação da comunidade é assegurada pela Constituição em todo o curso do processo de patrimonialização, o que envolve o direito da comunidade de participar de todas as suas fases, e até mesmo antes deste ser formalizado. Ou seja, da elaboração da agenda política, da interpretação das referências culturais e, consequentemente, da seleção dos bens com valor cultural. Portanto, das escolhas daqueles bens que devem ser protegidos e promovidos, assim como daqueles que, consequentemente, serão esquecidos.

O reconhecimento constitucional da diversidade cultural e da noção de democracia cultural faz com que o dirigismo estatal neste campo da política perca o seu sentido, pela superação da ideia de uma única cultura nacional. Assim, a participação popular torna-se ponto central na Constituição de 1988 e à comunidade é conferido um papel de protagonismo sustentado na ideia de referência cultural e de um patrimônio vivo, ressignificado e atualizado, pois construído a partir da interpretação da comunidade.

Logo, a participação da comunidade deve ser assegurada em todas as etapas do processo de patrimonialização, envolvendo além da proteção e promoção, a própria seleção dos bens culturais a ser objeto de um dos instrumentos jurídicos de acautelamento amparada na diversidade cultural, na ideia de democracia cultural, no protagonismo da comunidade na interpretação dos bens culturais e na própria noção de referência cultural.

A expressão "poder público", empregada no Art. 216 da Constituição de 1988, é ampla e abrange os Poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário), inclusive as funções essenciais à Justiça, assim como a projeção desses Poderes nos respectivos entes da federação (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios).

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Com isso, a Constituição de 1988 atribui a todos os Poderes da República e a todos os entes da federação o dever de proteger o patrimônio cultural, mas segundo as competências e atribuições de cada um.

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Desta forma, é imprescindível a atuação colaborativa desses dois atores na proteção do patrimônio cultural em que cabe à comunidade participar do processo de valoração do patrimônio cultural na condição de intérprete da sua própria cultura, o que a coloca num papel de protagonismo, enquanto ao poder público cabe assegurar esse protagonismo comunitário e adotar os meios necessário para efetivar a proteção do patrimônio cultural.

*Allan Carlos Moreira Magalhães, doutor em Direito, professor e pesquisador com estudos no campo dos direitos culturais. Articulista do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult). Autor do livro Patrimônio Cultural, Democracia e Federalismo

REFERÊNCIAS:

MAGALHÃES, Allan Carlos Moreira. Patrimônio cultural, democracia e federalismo: comunidade e poder público na seleção dos bens culturais. Belo Horizonte: Dialética, 2020.

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