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Compartilhar fake news pode ser crime?

Por André Lozano Andrade e Fernanda Peron Geraldini
Atualização:
Fernanda Peron Geraldini e André Lozano Andrade. Foto: Acervo Pessoal

A divulgação de rumores via redes sociais pode gerar consequências nem sempre antecipadas por quem os propaga.

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Nos últimos meses, segundo autoridades indianas, ao menos 22 pessoas foram assassinadas por linchamento naquele país em razão de boatos espalhados via WhatsApp, segundo os quais haveria um grupo de traficantes de pessoas sequestrando crianças na região.

O caso exemplifica o potencial destruidor decorrente da propagação de notícias falsas. Com a pressão do governo indiano, a empresa WhatsApp decidiu alterar o padrão de redirecionamento de mensagens no mundo todo, reduzindo a velocidade de disseminação de mensagens falsas e possivelmente nocivas.

O avanço está inserido em uma série de mudanças anunciadas pela empresa Facebook, proprietária do aplicativo de mensagens, que iniciou uma empreitada mundial contra as fake news, especialmente em razão de interferências nas eleições presidenciais nos Estados Unidos, em 2016.

Com 60% da população conectada à Internet e mais de um smartphone por pessoa, o Brasil também está sujeito aos riscos dessa prática cotidiana. Além de possíveis preocupações eleitorais, que já renderam comentários do ministro Luiz Fux e de políticos, a sociedade deve se atentar para as consequências pessoais da disseminação de boatos e notícias falsas.

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Com o alcance amplo das redes sociais, fica mais difícil verificar a autenticidade das informações recebidas pelo leitor. Se por um lado isso significa maior acesso das pessoas à informação, também gera como efeito colateral a maior exposição a boatos divulgados como verdade, sem qualquer avaliação ou checagem. Por isso, além das providências adotadas por governos e organizações, é fundamental que os próprios usuários das redes atentem para sua responsabilidade no compartilhamento de notícias, evitando, inclusive, incidir em condutas criminosas passíveis de punição pelo Estado.

De fato, a responsabilização dos autores desses delitos encontra barreiras técnicas relativas à privacidade dos serviços e à rapidez da disseminação das mensagens. Para tentar estabelecer um controle da atividade, ainda que mínimo, há diversos projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado, estipulando penas que variam desde multa até prisão para quem cria ou compartilha fake news.

Porém, existem normas já em vigor tutelando a matéria, que devem ser consideradas pelo usuário antes de compartilhar.

Fake News e crime

Nem toda publicação de informação falsa será penalmente relevante, dependendo, para a caracterização de crime, que haja intenção de violar a honra de alguém. Esta forma de dolo pode ser verificada pelo conteúdo e contexto da mensagem, bem como pelo meio de propagação.

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Em geral, a divulgação de boato constituirá crime quando contiver informações caluniosas, difamatórias ou injuriosas contra alguém, com consequências mais ou menos graves de acordo com cada uma das hipóteses, definidas nos artigos 138 a 140 do Código Penal.

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Estará sujeito às penas do crime de calúnia quem imputar falsamente fato criminoso a alguém, compartilhando, por exemplo, um áudio de WhatsApp no qual alguém é acusado de cometer um crime. Neste caso, existe a hipótese de exceção da verdade, ou seja, não haverá crime se o divulgador puder provar a alegação feita.

Da mesma forma, cometerá difamação a pessoa que atribuir fato ofensivo a terceiro, que não constitua crime, mas vise a macular sua reputação, como a afirmação de que determinada pessoa participa de orgias. A injúria ocorrerá quando a alegação buscar destruir a dignidade da pessoa, acusando-a, por exemplo, de ser corrupta. Por disposição legal, a pena será aumentada caso a ofensa seja divulgada em meio que facilite sua propagação, como é o caso das mídias sociais.

É preciso distinguir também a disseminação de fake news da manifestação de pensamento, que é livre e assegurada pela Constituição Federal. Também não se confunde com a crítica nem, tampouco, com o trabalho jornalístico, que constitui a principal arma contra as notícias falsas. A diferença está justamente no dolo, ou seja, na vontade de prejudicar a honra ou reputação de alguém, em oposição à simples intenção de informar ou criticar fato sabidamente verdadeiro.

Em março deste ano, após seu cruel assassinato no Rio, a vereadora Marielle Franco ainda foi vítima de fake news divulgadas em redes sociais, compartilhadas até mesmo por autoridades. Marielle foi acusada de envolvimento com tráfico de entorpecentes por meio de áudios e fotografias forjados, os quais alegavam que ela teria sido eleita com dinheiro do Comando Vermelho e que teria um filho com um traficante. Tudo falso.

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Este caso mostra a grave discrepância entre fake news e manifestação de opinião, crítica ou atividade jornalística, ficando evidente a intenção difamatória não apenas de quem produziu o conteúdo, mas também de quem o propagou.

Mas, e quem compartilha a notícia? É possível ao divulgador alegar que desconhecia a falsidade da informação?

A pessoa que compartilha também pode responder pelos crimes, mesmo que sua conduta não tenha passado de um sorrateiro clique. Isso porque o Código Penal define que aquele que pratica uma conduta assumindo o risco do resultado também é autor do delito.

Ao receber uma notícia ou informação por redes sociais, o usuário deve ter cautela antes de compartilhar. É preciso desconfiar de seu conteúdo, checar sua fonte, verificar se veículos com credibilidade também a reproduziram. Existem diversos manuais na internet com dicas para não cair em fake news. Com tanta informação, será difícil alegar mero desconhecimento quando sua conduta gerar lesão à honra de alguém.

A pessoa que compartilha notícia sem qualquer preocupação em verificar sua autenticidade está assumindo o risco de colaborar com a propagação de uma informação falsa que pode acabar prejudicando a reputação de terceiro. Por isso, a simples checagem dos fatos, feita em poucos minutos ou até segundos, pode salvar o divulgador de responder por um crime, caso a vítima ou seus familiares decidam recorrer à Justiça.

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Por isso, caso haja dúvidas sobre a veracidade da notícia, é melhor resistir à tentação e não compartilhar. Em geral, rumores são rapidamente apurados e não perduram, e os fofoqueiros de plantão precisarão conviver não apenas com a consciência de terem prejudicado alguém injustamente, mas também com eventuais consequências penais.

A pessoa que for vítima de fake news divulgadas por redes sociais deverá buscar auxílio jurídico para apresentar uma queixa-crime, por se tratar de ação penal de natureza privada. Caso tenha falecido ou seja menor de 18 anos, a ação poderá ser proposta por familiares.

Além disso, o Marco Civil da Internet prevê que a pessoa prejudicada com alguma informação publicada na rede poderá solicitar a retirada do conteúdo, bem como ingressar com processo buscando a condenação de todos os responsáveis na esfera cível, podendo exigir o pagamento de indenização por danos morais.

*André Lozano Andrade, advogado, mestrando em Direito penal pela PUC-SP e especialista em direito e processo penal pelo Mackenzie. 

*Fernanda Peron Geraldini, advogada criminalista

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