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Comparato diz que herdeiros de Ustra podem responder por danos morais

Jurista representa famílias de dois militantes de esquerda mortos nos anos de chumbo no DOI-CODI em São Paulo sob comando de coronel que morreu na quinta, 15

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Por Fausto Macedo
Atualização:

 

O advogado e jurista Fábio Konder Comparato disse que a ação por danos morais movida por familiares de Luiz Eduardo da Rocha Merlino - torturado e morto nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo - pode prosseguir contra os herdeiros do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. O militar morreu na quinta-feira, 15, vítima de câncer e complicações cardíacas.

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O processo da família de Merlino foi aberto na Justiça de São Paulo, mas está parado por decisão do Tribunal de Justiça do Estado, segundo Comparato.

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Merlino, jornalista e militante do Partido Operário Comunista (POC), foi preso ilegalmente em Santos e levado para o DOI-CODI, no famoso endereço da rua Totoia, em São Paulo. Na época, a versão oficial do Exército é que o militante tinha se suicidado, atirando-se debaixo de um carro na rodovia Régis Bittencourt, região do município de Jacupiranga (Vale do Ribeira).

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Fábio Comparato. Foto: Evelson de Freitas/Estadão

Ustra comandou o DOI-CODI, núcleo mais radical da repressão política nos anos de chumbo, entre 1971 e 1974. Nesse período, dezenas de militantes desapareceram. Nos últimos anos, procuradores da República vinham tentando processar o coronel da ditadura, mas juízes federais rejeitavam as denúncias invocando a Lei da Anistia.

"Como a responsabilidade penal é estritamente pessoal, as ações criminais intentadas contra o coronel são automaticamente arquivadas", ressalta Fábio Konder Comparato. " Mas a ação de danos morais, contra ele movida pelos familiares de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, morto sob tortura no DOI-CODI, pode prosseguir contra os herdeiros do coronel."

O jurista faz uma ponderação. "É bem verdade que aqui, no Tribunal de Justiça, o desembargador Salles Rossi, relator da apelação interposta da sentença condenatória em primeira instância, teve recentemente a curiosa ideia de desconsiderar o princípio jurídico de que a responsabilidade civil é independente da criminal. Ele simplesmente suspendeu o processo da ação cível de danos morais, alegando que o Supremo Tribunal Federal ainda não havia decidido, em última instância, se a Lei de Anistia de 1979 aplica-se aos agentes estatais que cometeram crimes contra opositores políticos durante o regime militar."

Comparato também representa a família Teles em açao declaratória movida contra Ustra em 2003. "Só agora, graças à excepcional celeridade da Justiça brasileira, (a ação) chegou à fase final no Supremo Tribunal Federal e fica extinta de pleno direito. Vale dizer: o Poder Judiciário reconheceu que o coronel cometeu atos de tortura contra presos políticos."

Segundo o jurista, 'quanto às ações cíveis, é preciso distinguir as meramente declaratórias das condenatórias'. "Somente no processo destas últimas é que os herdeiros da parte falecida podem se habilitar a sucedê-lo."

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"De se lembrar que, embora o Supremo Tribunal Federal tenha considerado válida, em 2010, a anistia de crimes de homicídio, tortura, estupro, desaparecimento forçado e ocultação de cadáver, cometidos por agentes estatais contra presos e opositores políticos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, naquele mesmo ano, julgou que tal decisão representava flagrante violação da Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil", adverte Fábio Konder Comparato.

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Ele aponta para a Lei de Anistia, de 1979. "Em 2012, o Supremo Tribunal Federal suspendeu por uma sessão o julgamento dos embargos de declaração contra aquele acórdão, embargos esses nos quais o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil questionava o fato de que, sendo os crimes de desaparecimento forçado e ocultação de cadáver declarados permanentes pelo Código Penal, até que a pessoa sequestrada ou o cadáver sejam localizados - o que não ocorreu até hoje com as mais de 100 vítimas de tais crimes, segundo relatório da Comissão Nacional da Verdade - a Lei de Anistia de 1979 declarou que ela somente abrangia os crimes cometidos até 15 de agosto daquele ano. Pois bem, até hoje o relator dos embargos declaratórios, ministro Luiz Fux, não retomou o julgamento dos embargos. E, infelizmente, não há autoridade alguma que possa obrigá-lo a tanto."

"Como se vê, o Brasil é realmente um Estado de Direito, como declara nossa Constituição logo em seu artigo 1º...", anota o jurista. "Para concluir essa triste história, podemos repetir, como no poema de Manoel Bandeira, que 'agora só nos resta tocar um tango argentino'. De fato, no país vizinho a anistia aos autores de crimes contra a humanidade, cometidos durante o regime militar, foi anulada e já houve mais de uma centena de condenações, inclusive de dois ex-Chefes de Estado."

O criminalista Paulo Esteves, defensor de Ustra, disse que o coronel 'morreu sem nunca ter sido condenado'.

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