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Como trazer a aprendizagem para o século 21?

Por Fernando Shayer
Atualização:
Fernando Shayer. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Imagine o seguinte cenário: uma criança vai à escola. Ao invés de carregar nas costas uma mochila pesada cheia de apostilas e cadernos, ela leva na mão apenas um dispositivo digital, como um tablet. Ao chegar lá, ela conecta o aparelho a um ambiente digital e interativo onde estão disponíveis os conteúdos e as atividades que sua professora e ela usarão naquele dia. Ela não vai aprender esse conteúdo quieta, sentada, apenas ouvindo e anotando o que a professora diz. Além do conteúdo, ela vai receber da professora um desafio, um problema da vida real para resolver, por meio de um projeto. E, juntamente com suas colegas, ela vai utilizar os conteúdos e recursos físicos e digitais para construir uma solução criativa para o problema, e apresentá-la à sua turma. A professora a apoia, limitando o número de horas de exposição ao digital de acordo com a sua faixa etária, e instigando sua curiosidade com perguntas orientadoras. Quase sem perceber, ao longo desse percurso, a criança aprende o conteúdo que estava programado para a aula: enquanto se diverte e se motiva, desenvolve habilidades como capacidade de tomar decisões, adaptabilidade, comunicação, criatividade, colaboração, liderança e resolução de conflitos.

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Se você procurou escola para seus filhos recentemente ou tem algum interesse no tema da educação, pode até ser que esse cenário não seja estranho a você. Mas provavelmente você vai associá-lo a um contexto educacional futurista e elitizado, acessível apenas a poucos estudantes, cujas famílias podem pagar altas mensalidades. E se eu lhe disser que não precisa - e que, na verdade, não deveria - ser assim?

Não é exagero afirmar que em pleno século 21 a nossa educação ainda está no século 19. Não faz mais sentido a sala de aula que coloca a professora unicamente como transmissora aos estudantes de conteúdogratuitamente disponibilizado na internet. Em que, desengajados, os estudantes assistem passivamente a professora por horas, enfileirados, como no exército, e envoltos em pilhas de livros e apostilas impressas que, ao final do ano, serão largadas para sempre numa prateleira no fundo da casa.

Essa sala de aula, passiva e analógica, não mais dá conta da missão essencial da escola, que é preparar seus estudantes para os desafios que enfrentarão no presente e no futuro. A criança que entrar na escola em 2021 provavelmente entrará no mercado de trabalho perto de 2041 e sairá dele em 2091. Levando em conta a velocidade em que o mundo está mudando, que há 12 anos não existiam ipads, não é difícil concluir que será exponencialmente maior o nível de digitalização quando, por exemplo, nossas crianças estiverem no auge de suas vidas profissionais, em 2061.

O Fórum Econômico Mundial tem estudado as principais tendências que predominarão no mercado de trabalho do futuro, como computação na nuvem, análise de grandes quantidades de dados, internet das coisas (IoT), segurança de dados e criptografia, inteligência artificial, machine learning, computação quântica e impressão 3D e 4D, temas que, há bem pouco tempo,não existiam.

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O investimento maciço nessas áreas tornará inútil o conhecimento de uma parcela importante do conteúdo excessivo a que as crianças são expostas na sala de aula de hoje. Nesse futuro, os profissionais se diferenciarão naquilo que torna os humanos mais humanos: resolução de problemas complexos junto com outros seres humanos a partir dos dados e informações coletados, organizados e processados pelas máquinas, utilizando-se dessas tecnologias.

Por isso, quantidade de conteúdo importa. Além do conteúdo essencial das principais disciplinas, que são - e continuarão a ser - necessários para a aprendizagem humana, todo o resto do tempo em que as crianças passarem na sala de aula decorando conteúdos excessivos para passar em provas terá sido um enorme desperdício. Ótimos estudantes sob o critério de hoje - saber sempre mais conteúdos - podem ter enorme dificuldade de diferenciação no futuro. As escolas precisam se atualizar.

Os estudantes devem ser preparados para trabalhar com colegas e máquinas, como meio para criar, explorar, questionar, interagir, não para decorar e reproduzir em silêncio. Esse é o papel das máquinas. Máquinas aprendem melhor como máquinas do que seres humanos.

A Ciência da Aprendizagem tem reiteradamente comprovado que estudantes aprendem mais quando estão engajados por um tema que faz sentido a eles. Que aprendem mais quando têm acesso a mais mídias e formatos, como vídeos, áudios, músicas, filmes. Quando se esforçam para organizar e reorganizar o que sabem, aplicando os conteúdos em diferentes cenários, ativamente. Nesse aspecto, a tecnologia é uma parceira da educação: o material digital tem muito mais atributos que facilitam a aprendizagem do que o material impresso.

Por isso, é importante estimular os estudantes a interagir, criar e pensar "fora da caixa" em Matemática, Português, Ciências, História, utilizando-se também de dispositivos digitais e aprendendo a lidar desde cedo com as máquinas, no ritmo ditado pelos professores, porque é isso que os estudantes serão cobrados a fazer no futuro.

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A ideia de que toda escola deveria ser tecnológica, focada em aprendizagem ativa e no desenvolvimento de habilidades pode parecer inviável em um país com os desafios econômicos, sociais e geográficos do Brasil. Porém, o custo de se produzir e distribuir material impresso é altíssimo e substituir todos esses materiais por plataformas digitais disponibilizadas a todos os professores e estudantes, sem prazo de validade e de fácil atualização, representa, na verdade, uma grande economia de recursos para todos, exceto para produtores de papel. Tudo isso, preservando os cadernos em que os estudantes continuem a registrar seus conteúdos e a fazer tarefas.

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Se as pessoas há muito tempo não gastam dinheiro para comprar LPs, fitas cassetes, DVDs, CDs ou fitas VHS, e substituíram esses meios físicos por plataformas digitais como Netflix ou Spotify, que são muito melhores, mais atualizadas, completas e baratas, por que continuam investindo em apostilas impressas? Essa transição do físico para o digital traz um ganho financeiro enorme para escolas e famílias e tem o potencial de democratizar o acesso a um ensino de qualidade a todos os estudantes do Brasil, tanto da rede pública quanto da privada.

Empreendedores e organizações do setor educacional têm uma grande oportunidade de desenvolver soluções digitais de aprendizagem que não sejam apenas elementos acessórios nas escolas, mas, sim, a espinha dorsal de sua atuação pedagógica, que viabilize uma nova maneira de ensinar e aprender, substituindo a decoreba por uma instrução que faça sentido. E os governos têm a obrigação de melhorar a infraestrutura de conectividade das escolas públicas, incentivando práticas educacionais que permitam todos os jovens se diferenciarem no futuro, não apenas aqueles matriculados em escolas com mensalidades altas. O futuro já começou há muito tempo, precisamos nos mexer rapidamente, antes que seja tarde demais.

*Fernando Shayer, mestre em Educação pela Columbia University, fundador da Camino Education e da Cloe

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