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Como reagir ao novo abuso do governo na Petrobras?

Por Joaquim Simões Barbosa
Atualização:
Joaquim Simões Barbosa. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Como amplamente noticiado na imprensa, após uma sequência de aumentos nos preços dos derivados do petróleo (os quais, por sua vez, apenas refletiram os aumentos que também ocorreram na cotação internacional dessa comodity, além de uma acentuada e continua desvalorização da moeda brasileira), o Presidente Bolsonaro veio a público anunciar, sem os cuidados que a regulamentação da CVM exige para a divulgação de um fato dessa relevância, a intenção de substituir o presidente da Petrobras.

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Ficou claro para todos que a substituição do executivo fazia parte de uma decisão do governo de passar a interferir na formulação da política de preços da empresa. Segundo as notícias da época, Bolsonaro teria sido motivado para a tomada dessas decisões por seu desagrado com a elevação no custo dos combustíveis, que ele teria considerado excessiva. Na verdade, o consenso entre os analistas é de que a real motivação do Presidente foi seu desejo de oferecer uma resposta contundente ao descontentamento dos caminhoneiros, categoria que o apoia politicamente.

Na esteira dessas declarações, a cotação das ações da Petrobrás sofreu rápida e aguda desvalorização nas bolsas de todo o mundo. Os mercados demonstraram ter muito presente os imensos prejuízos sofridos pela empresa em episódios anteriores de interferência política na definição de seus preços, os quais foram, inclusive, muito maiores do que aqueles causados pela devastadora corrupção do chamado Petrolão.

Assim, os investidores viram seus ativos serem, de uma hora para a outra, fortemente desvalorizados e a empresa colocada por sua controladora sob a ameaça de ter que passar a vender seus produtos por preços artificialmente depreciados. É natural, portanto, que os milhares de acionistas privados da Petrobrás estejam se perguntando o que podem fazer para reagir a mais esse grave abuso.

Sobre isso, a primeira observação que deve ser feita é que o Estatuto Social da Petrobrás contém cláusula de arbitragem, fato que, em princípio, afasta a competência da Justiça estatal para processar qualquer litígio societário envolvendo a sociedade. Por esse motivo, qualquer disputa que seja iniciada a respeito desse assunto terá que ser submetida a arbitragem perante a Câmara do Mercado, sendo decidida por árbitros privados, a serem escolhidos na forma do regulamento daquela entidade. Uma arbitragem como essa tem poucos precedentes e oferece muitos desafios aos seus participantes.

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Por outro lado, duas questões fundamentais devem ser consideradas. Primeiro, é preciso saber se o prejuízo já se consumou ou se ele constitui ainda apenas uma ameaça. Danos meramente hipotéticos não são indenizáveis. Em segundo lugar, deve-se determinar quem sofreu, de forma direta, o prejuízo, já que o acionista atingido apenas reflexamente não tem direito a ser indenizado por um prejuízo sofrido primordialmente pela companhia.

No episódio aqui discutido é possível vislumbrar a prática de diferentes ilícitos que comportam diferentes respostas para essas questões. Por exemplo, a forma com que a troca do comando e a interferência na política de preços da companhia aberta Petrobras foram anunciadas, sem respeito às normas da CVM que regem o assunto, é, claramente, um ilícito. Os investidores que adquiriram ações da Petrobrás sem se dar conta do que estava ocorrendo, quando a informação já era do conhecimento de parte do mercado, e que viram o valor dessas ações cair drasticamente nos dias subsequentes sofreram de forma direta um prejuízo efetivo. Esses investidores podem pretender receber uma indenização da União Federal. Mas o universo de pessoas que têm à sua disposição esse caminho é muito restrito, pois é preciso que as ações tenham sido adquiridas logo após as declarações iniciais do Presidente Bolsonaro terem sido feitas.

A situação é bem diferente quando se analisam os efeitos do abuso do poder de controle praticado pela União Federal, através do seu representante maior, o chefe do Poder Executivo. A Lei das Sociedades Anônimas proíbe o acionista controlador de usar o seu poder para adotar políticas contrárias aos interesses da sociedade, em benefício próprio ou de terceiros, algo que parece estar em curso no presente caso.

Não há, por outro lado, como enquadrar a atitude do governo na exceção que a lei concede às companhias estatais, que estão autorizadas a adotar políticas orientadas à satisfação do interesse público que justificou a sua criação. O interesse público que justificou a criação da Petrobras foi o desenvolvimento da indústria do petróleo, não o combate à carestia. Há um interesse público envolvido na prática de atos que possam favorecer a redução do custo de vida dos brasileiros, mas ele não pode ser perseguido às custas do patrimônio de uma empresa que tem acionistas privados. Ainda que fosse possível o enquadramento do caso nessa exceção (o que, como visto, não é), teria que ter havido respeito às disposições que sobre isso constam da Lei das Estatais e do art. 3º do Estatuto Social da Petrobrás, algo que não ocorreu.

Parece claro que orientar a sociedade a adotar uma política de preços contrária aos seus interesses constitui abuso de poder de controle e é um ato ilícito. Mas é preciso reconhecer que o prejuízo ainda é hipotético, pois ele somente ocorrerá se a política de preços vier a ser de fato alterada, passando a sociedade a postergar aumentos que sejam recomendados por suas esferas ordinárias de governança, algo que ainda não ocorreu.

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Ao contrário do primeiro caso acima analisado, do investidor que adquiriu ações com base em informações deficientes por culpa da acionista controladora, o prejuízo com a queda da cotação da ação em bolsa não pode ser diretamente atribuído ao abuso do controlador. A ação cai porque o mercado antecipa que a mudança de política trará um prejuízo para a sociedade. Portanto, a causa primeira é o prejuízo sofrido pela sociedade. Quem sofre o prejuízo é a sociedade e só indiretamente o acionista é atingido.

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Por esse motivo, nesse caso, quem tem a ação é a sociedade. Mas como o legislador reconhece que ela dificilmente acionaria seu próprio acionista controlador, a Lei das Sociedades Anônimas, no art. 246, dá aos acionistas minoritários, cumpridos certos requisitos, legitimação extraordinária para propor a ação em nome próprio, mas no interesse da sociedade (isto é, a indenização, caso deferida, deverá ser paga à sociedade e não ao acionista autor da ação, que tem direito, porém, ao recebimento de um prêmio correspondente a 5% do valor da indenização).

Essa é a ação (procedimento arbitral, a rigor) que melhor responde às características do caso, ainda que seja um tipo que oferece alguns complicadores de monta. Para poder propor a medida o acionista ou grupo de acionistas, caso não seja proprietário de ações que representem ao menos 5% do capital da empresa (o que, no caso da Petrobrás, é muito difícil de se alcançar), terá que prestar caução pelas custas e honorários de advogados devidos no caso de improcedência (que, em princípio, podem corresponder a até 20% do valor da indenização pretendida). Os riscos da sucumbência a que o acionista minoritário se expõe podem ser muito significativos e são desproporcionais ao seu interesse particular no resultado da causa, pois, afinal, somente uma fração muito pequena da indenização pretendida o beneficiará efetivamente. Ou seja, a reação é possível e os mecanismos existem, ainda que não se trate de uma tarefa simples.

*Joaquim Simões Barbosa é sócio do BSBC Advogados, especialista em contencioso societário, LLM pela Universidade de Illinois

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