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Como o coronavírus pode afetar as relações entre Brasil e China?

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Por Luiz Eduardo Vidal Rodrigues
Atualização:
Luiz Eduardo Vidal Rodrigues. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A descoberta do coronavírus trouxe severas consequências à China, especialmente para a população da Província de Hubei, e a economia global começa a sentir os efeitos. O Brasil, tendo a China como seu maior parceiro comercial, poderá ver suas importações e exportações amargurarem as consequências do COVID-19, prejudicando especialmente o setor agrícola, já que é um grande exportador de commodities e de produtos perecíveis para a China.

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Nesse sentido, demandas judiciais ou arbitragens tendem a ser instauradas para resolução das controvérsias que emergirem das consequências fáticas advindas as medidas de prevenção e combate ao vírus, as quais não necessariamente são passiveis de compensação.

O Governo Chinês tem adotado medidas a nível nacional para contenção e combate ao vírus, as quais são tão severas quanto o vírus em si. A população foi instruída a fazer quarentena voluntária e permanecer nas residências para evitar aglomerações nos centros urbanos e impedir a disseminação do vírus. Como resultado, os números de novos casos infectados estão caindo, mas as ruas, metrô, escritórios, fábricas e o comércio, antes tão vivos e pujantes, nunca estiveram tão vazios.

As pessoas trabalhando de suas casas, apesar de já ser a maior experiência de trabalho remoto do mundo, parece pouco mudar o impacto do vírus no crescimento econômico Chinês deste ano, já que a expectativa é de queda de 5%, segundo especialistas.

Impacto esse, que afetará a cadeia global da indústria no primeiro semestre, considerando que a China, ao mesmo tempo, ser o maior produtor e o país que mais compra no mundo.

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É possível esperar os contratos internacionais sofrerem atrasos no cumprimento de suas obrigações ou até mesmo serem inadimplidos. As exportações e as importações poderão ser afetadas pelo impacto das medidas administrativas no combate ao vírus tanto na cadeia logística, quanto na própria produção. Nas exportações, em função das linhas de produção paralisadas na China ou em ritmo reduzido, a diminuição no estoque de produtos ou sua consequente reposição pode ser insuficiente ao cumprimento futuro dos contratos. E as importações, da mesma forma, pois os insumos já contratados pela indústria Chinesa, se recebidos, serão parcialmente utilizados, ou sequer o serão, e não necessariamente haverá condição de absorve-los no curto prazo.

Contratos correm, assim, risco de serem inadimplidos e as perdas não necessariamente serão compensadas. Cláusulas de Força Maior, comuns em contratos de comércio exterior, visam isentar as partes do inadimplemento de obrigações causado por fatos que estão fora do controle dos contratantes, como desastres naturais, greves e epidemias.

Em certa medida e a depender da legislação aplicada ao contrato e do seu foro de execução há margem significativa para interpretação quanto à aplicação correta deste dispositivo e seu alcance, que pode variar em função das condições específicas do contrato e da situação em que o local de sua execução foi afetado.

Demandas judiciais ou arbitragens deverão surgir das diferentes interpretações quanto à aplicação e extensão das cláusulas de Força Maior. Aplicação e interpretação corretas deste dispositivo ao caso concreto são fundamentais para renegociações e ajustes das condições contratuais, tanto para preservação de valor do contrato quanto da relação entre as partes.

Conhecimento tanto jurídico quanto cultural de ambos os países se tornam imprescindíveis na condução das negociações ou, na impossibilidade desta, no planejamento da disputa.

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Cultural, além da jurídica, se mostra igualmente importante, pois diferentes países possuem distintas características culturais, as quais tem significante influência no racional do processo de tomada de decisão. G.Hofstede, psicólogo Holandês que mapeou diferentes traços culturais, aponta Brasil e China como altamente hierárquicos e com forte orientação de coletivo, mas, em contrapartida, a sociedade brasileira é mais intolerante a incertezas, enquanto os chineses se mostram mais flexíveis as intemperes em função da crença de conhecer e ter uma boa relação com sua contraparte (Guanxi - ??) ser um melhor caminho para resolução de controvérsias que não eram previsíveis quando do estabelecimento do negócio ou da própria relação comercial. Característica esta que está alinhada com a orientação de longo prazo pela qual a sociedade chinesa é sempre lembrada, mas tais diferenças são pontos sensíveis que precisam ser propriamente endereçados para evitar o conflito.

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Na China, em 10/02/2020, o Comitê Legislativo, do Comitê Permanente do Congresso Nacional do Povo confirmou que as ações administrativas adotadas pelo Governo na prevenção e controle do COVID-19 poderão ser tratadas como causa de Força Maior para ilidir a responsabilidade sobre o inadimplemento contratual.

No Brasil, como condições excludentes de responsabilidade os casos fortuitos ou de força maior, são diferenciados pela doutrina em função da natureza do agente (se provocados por fatos humanos ou fenômenos da natureza, respectivamente) tendo, ambas, característica de imprevisibilidade.

Apesar do COVID-19 se tratar de caso de Força Maior cujas graves consequências eram imprevisíveis, sua influência sobre o caso concreto precisa ser provada para fins de excludente de responsabilidade.

A CCPIT (China Council for the Promotion of International Trade) emite certificados informando a hora, local e extensão das medidas administrativas de controle e combate ao coronavírus para fins de aferição se tais medidas seriam capazes de afetar a execução de obrigações contratuais.

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Rediscussão contratual, notificação por inadimplemento ou denunciação do contrato requer, portanto, planejamento estratégico, pois elementos jurídicos, culturais e econômicos precisam ser sopesados cuidadosamente, em especial neste momento em que, ao passo que a indústria brasileira se recupera de uma longa recessão, seu principal parceiro comercial, além de estar focando suas energias para o combate da crise epidêmica, celebrou o acordo com os EUA para fim da Guerra Comercial. Conjuntamente, esses fatores podem representar redução nas aquisições futuras da produção brasileira, vez que a China, ao mesmo tempo que tem seu poder de compra abalado, compromete-se em adquirir maiores quantidades de produtores norte-americanos.

*Luiz Eduardo Vidal Rodrigues, sócio sediado na China do L.O. Baptista Advogados - único escritório brasileiro signatário de um acordo de cooperação entre o Belt and Road Services Connections (BNRSC), o GRI Club e o L.O. Baptista, denominado China-Latam Think Tank

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