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Como gerir capital represado em contas judiciais

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Por Raquel Fontes Nascimento Lourenço
Atualização:
Raquel Fontes Nascimento Lourenço. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

O depósito judicial é um mecanismo utilizado nos processos judiciais que visa a garantir o cumprimento das obrigações financeiras para aquele processo. Conforme exposto pelo CNPJ, "os juízes podem determinar que o valor discutido em um processo seja depositado em uma conta bancária antes mesmo da decisão final da ação. É o que se chama de depósito judicial."

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A Lei Complementar 151/2015 dispõe sobre a obrigatoriedade de realizar os depósitos judiciais em instituição financeira oficial federal, estadual ou distrital. Após a realização do depósito, deve-se aguardar o andamento do processo até que o juiz determine o seu resgate, por meio de um alvará judicial, podendo ser devolvido ao depositante ou concedido à outra parte do processo.

A realização do depósito e seu posterior levantamento através de alvará judicial é uma rotina que faz parte do dia a dia do advogado, ou pelo menos deveria, isso porque o exaurimento do depósito judicial que é o levantamento do valor, não fica no radar dos escritórios de advocacia, principalmente os que atuam com clientes com uma quantidade considerável de processos (contencioso de volume).

O Tribunal Regional do Trabalho da 2º região (TRT-2), através do Projeto Garimpo, identificou cerca de R$ 2 bilhões que estavam abandonados em contas judiciais. A ferramenta utilizada para este trabalho foi desenvolvida pelo TRT da 21º Região, com o objetivo de localizar valores que não foram levantados em processos já arquivados e/ou processos bem antigos ou mesmo àqueles em que as partes mesmo intimadas, deixam de comparecer para levantar o alvará. Após a identificação dos valores, cerca de R$ 183 milhões já foram efetivamente liberados aos beneficiários, conforme divulgado pelo TST em fevereiro de 2020.

A iniciativa dos Tribunais, tendo como exemplo o TRT-2,  em localizar valores e posteriormente identificar os beneficiários é muito positiva, porém será que vale a pena esperar que o tribunal  localize recursos , enquanto a empresa  aguarda, perdendo possível rendimento financeiro, se bem aplicado em outro local que não uma conta judicial.

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Para exemplificar a importância desta atividade, destaco os valores recuperados de uma grande empresa de transportes no ano de 2017, após um trabalho de auditoria em seus processos, quando foram identificados e resgatados cerca de R$ 1,3 milhão . Já outra grande empresa do ramo varejista, também não aguardou o judiciário e no ano de 2019 identificou cerca de 12 milhões de reais, pendentes de resgaste em contas judiciais.

Ora, o CPC/2015 inovou em seu artigo 835, parágrafo 2º, equiparando a dinheiro ao seguro garantia judicial e à carta fiança, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de 30%. Tal avanço na legislação trouxe um grande benefício para as empresas, pois podem dispor de seus ativos financeiros, que não estarão mais imobilizados, para inúmeros investimentos.

Em que pese essa novidade trazida pelo CPC, a apresentação do seguro garantia ainda é pouco utilizada e os depósitos judiciais continuam sendo apresentados em grande volumetria, o que contribui para que milhões de reais fiquem represados nos Tribunais, fadados ao esquecimento.

Assim sendo, podemos notar que a falta de acompanhamento desta atividade, tão importante para a saúde financeira da empresa, pode gerar impactos negativos, como por exemplo a falta de recursos para investir em novas tecnologias e se tornar mais competitiva no mercado, aumentar sua produtividade, contratar novos colaboradores, isso porque grande parte de seu capital pode estar represado nas contas judiciais.

Nota-se a necessidade urgente de haver uma conciliação entre os dados do jurídico e do financeiro das empresas, pois sem essa conciliação fica praticamente impossível controlar o que sai e o que retorna no que tange aos valores, bem como classificar os mesmos, de modo a trazer uma segurança ao fluxo financeiro.

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Especificamente nos processos trabalhistas, grande parte dos valores esquecidos tem como beneficiário, as reclamadas, isso porque, os escritórios que atuam para as empresas normalmente finalizam o processo no seu sistema e não acompanham mais o mesmo, por não estar correndo mais nenhum prazo judicial, diferente do reclamante que tem como objetivo daquela ação, auferir um proveito econômico e tão logo quando cientificado a levantar o valor, o mesmo o faz.

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Importante mencionar também a relevância desse controle financeiro sobre os depósitos judiciais, para fins de negociações em processos de fusão e aquisição, práticas comerciais que têm se tornado frequentes entre grandes empresas. Nos processos de fusão, por exemplo, alguns dos passos para avaliar a compra é a verificação do fluxo de caixa da empresa e a avaliação da projeção de receitas. Caso a empresa analisada não tiver conhecimento dos valores que tem para receber em processos judiciais, bem como dos valores que não vão mais retornar (prejuízo), fatalmente as negociações poderão ser prejudicadas.

Cabe aqui mencionar, a recente decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) proferida em sessão virtual no dia 27 de março de 2020, que em julgamento de mérito, declarou a nulidade dos artigos 7º e 8º. do Ato Conjunto n 1 do TST/CSJT/CGJT, que proibiam a substituição do depósito já realizado pelo seguro garantia. Tal decisão vem ao encontro com a atual crise financeira diagnosticada em nosso país, devido à pandemia do coronavírus, pois permitirá que as empresas recuperem os seus recursos financeiros, através deste procedimento, trazendo um respiro fundamental para o caixa das empresas atingidas pela atual situação econômica do país.

Faz-necessário portanto, uma conscientização do jurídico e dos financeiros das empresas, no que tange a repensar seu fluxo de gestão de depósitos, para que possam em um primeiro momento "correr atrás" dos valores que estão perdidos nos Tribunais, bem como gerir os depósitos futuros de uma forma inteligente, de modo a permitir o acompanhamento do valor que saiu do caixa da empresa até o seu eventual retorno.

*Raquel Fontes Nascimento Lourenço é advogada e sócia da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA)

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