Os efeitos da pandemia do novo Coronavírus foram desastrosos em muitos países do mundo. Das pequenas nações às maiores potências mundiais, foram sentidos os efeitos de uma crise sanitária, econômica e político-social. Neste sentido, a realidade de um mundo pré-pandemia não mais existe e quiçá nunca mais voltará a existir nos mesmos moldes. A experiência agora vivenciada por todos é outra e, com ela, novos problemas se fazem presentes.
No âmbito das contratações públicas e privadas, os prejuízos foram especialmente desastrosos e os temores quanto ao rumo dos contratos no direito brasileiro faz-se cada vez mais palpável. A inadimplência dos contratos é uma realidade e, frente a isso, é certo que os antigos modos para a manutenção desses instrumentos não se mostram adequados para a superação da crise atual. Por isso a busca por outros métodos é, neste momento, imprescindível.
Cabe então o questionamento: "o que podemos fazer para melhorar os contratos ao mesmo tempo em que tentamos mantê-los em vigência?".
Crise
Essa pergunta é importante sob dois pontos de vista. Em primeiro lugar, é inegável que os contratos brasileiros, público e privados, não estavam preparados para a crise que nos assola. Assim, em que pese alguns contratos previssem de antemão cláusulas de caso fortuito ou de força maior, a maioria dos contratantes não estavam prontos e nem mesmo sabiam como usá-las na prática. Em segundo lugar, é certa a máxima que rege o direito contratual brasileiro, "os contratos nascem para serem cumpridos". Assim, a extinção de um contrato é medida excepcionalíssima e a manutenção dos contratos a regra a ser seguida.
Quanto às medidas imprescindíveis para melhorarmos os contratos em vigência e impactados pelo novo vírus, a primeira alternativa é o fornecimento de auxílios financeiros. O fornecimento de maior flexibilidade quanto às obrigações inicialmente pactuadas também é boa medida a ser adotada tanto pelos contratantes privados quanto públicos. Tudo para evitar essa crise de inadimplência que nos ameaça.
Previsibilidade
Outra medida importante a ser implementada, tanto nos antigos contratos quanto nos novos, é a construção de metodologias bases que facilitem a compreensão do próprio contrato e dos impactos futuros. Essa medida auxiliará a calcular financeiramente os impactos em uma etapa posterior, tornando o procedimento de ajustes nos contratos mais simples e eficiente em comparação com os mecanismos que existem atualmente.
Esses apontamentos, contudo, em que pese sejam medidas importantíssimas de serem adotadas, talvez, por si só, não sejam capazes de frear a situação extremamente problemática em que os contratos se encontram atualmente. De modo que, antes da implementação dessas medidas ou em conjunto com essas, a renegociação dos contratos atuais é o grande norte a pautar os próximos passos dos envolvidos em alguma relação contratual, a fim de se preservar os contratos em condições mais adequadas para todos os envolvidos.
Renegociação contratual
A renegociação não é tema estranho aos contratos brasileiros. Ao longo dos últimos anos, foram inúmeras as crises vivenciadas no país. Por isso mesmo, os contratantes estão acostumados com a necessidade de renegociação e revisão dos contratos. Essa necessidade não pode nos fugir aos olhos nesse delicado momento. Assim sendo, se os contratos nascem para ser cumpridos, a renegociação destes instrumentos mostra-se como ferramenta adequada e capaz de permitir sua manutenção e, por isso mesmo, deve ser incentivada e aplicada na prática contratual.
Essa renegociação dos contratos diretamente impactados pela pandemia deverá levar em conta: a situação atual dos contratos em comparação com a realidade pré-pandemia, os ônus impostos às partes ali envolvidas, assim como os impactos que alteraram a execução do objeto pactuado, e, por fim, deverá considerar as especificidades de cada setor.
Neste sentido, no âmbito dos contratos privados, é importante que a renegociação considere as regras gerais e os princípios basilares neste ramo do direito, bem como aqueles estabelecidos pelo Código Civil. A razoabilidade e a boa-fé devem ser importantes fatores a serem considerados quando as partes se sentarem à mesa para renegociar.
Contratos públicos
Já sobre as contratações públicas, é preciso considerar que os mecanismos clássicos de reequilíbrio dos contratos talvez não mais caibam na lógica atual imposta pela pandemia. Assim, nesse setor, é necessário elaborar mecanismos que permitam uma renegociação adequada e também eficaz dos contratos. Questões referentes a balanços econômico-financeiros e demais pontos de execução do objeto contratado devem ser repactuados o mais breve possível e em estrita observância aos interesses do Poder Público contratante e do privado contratado.
No meio de tanta incerteza, o momento pede cautela e atenção por parte dos envolvidos. A colaboração se torna a palavra da vez para que uma boa renegociação possa ser alcançada..
Outras ferramentas
No entanto, a renegociação, em que pese seja a peça chave para a manutenção dos contratos, não é a única saída para o setor público e privado. Em alguns casos, apenas a renegociação não será suficiente. E é nesse momento que outras ferramentas devem entrar em ação.
A exemplo do que vem sendo adotado em países como a Índia, o uso de comitês de resolução e prevenção de disputas (os famosos dispute boards) pode ser um bom mecanismo a ser usado e incentivado, uma vez que permitem a resolução célere do conflito previamente à jurisdição estatal ou arbitral. Outra alternativa válida, para a manutenção dos contratos impactados pela pandemia, é a previsão de mecanismos que possam prover uma maior liquidez. Desse modo, algumas recomendações já disponibilizadas pelos bancos de investimento europeus serviriam aqui como bons parâmetros para o manejo da atual e de futuras crises.
Conclusão
Nesse momento, há mais dúvidas e questionamentos do que respostas sobre o direito contratual brasileiro. Seu futuro ainda é incerto e não há de se esperar que todas as questões possam ser resolvidas com as recomendações citadas. Na verdade, há muito para acontecer, tanto no durante quanto no pós-pandemia. Por isso mesmo, as medidas apontadas, como a renegociação, a implementação de mecanismos de liquidez e a revisão dos métodos tradicionais de repactuação dos contratos são direcionamentos que pretendem não só a manutenção dos contratos diretamente impactados pela pandemia, mas também sua viabilidade a longo prazo.
Essas medidas, então, constituem-se como um ponto de luz em meio à escuridão e às incertezas atuais, servindo como um verdadeiro bote salva-vidas pronto a garantir a viabilidade e o futuro do direito contratual brasileiro.
*Ane Elisa Perez, mestranda em Direito Constitucional pela PUC-SP. Especialista em Direito Administrativo pela FGV-SP.