Além de todas questões de saúde física e econômica, a covid-19 no Brasil tem desafiado a saúde mental de muitas pessoas, principalmente de profissionais que tiveram seu ritmo e rotina de trabalho totalmente modificados.
Profissionais de serviços essenciais se perceberam, desde o início da pandemia, expostos ao risco de infecção e contaminação de si e de seus familiares. Já outros profissionais que tiveram suas rotinas de trabalho modificada drasticamente, como necessidade de home-office ou lidar com a ausência da escola para as crianças enfrentaram a brusca necessidade de adaptação.
A mente humana possui uma vasta possibilidade de adaptação, mas para que isso ocorra de forma saudável é preciso de tempo e estruturas adequadas, o que tem sido um grande desafio quando mudanças tão repentinas são geradas na vida dos brasileiros.
Fatores como a perda de entes queridos, dificuldades financeiras, isolamento e um futuro incerto afetam drasticamente a saúde mental das pessoas, mas há um grupo que enfrenta um conjunto adicional de desafios intensos como os profissionais da saúde. Eles podem manifestar sentimentos de impotência e culpa diante da alta demanda de trabalho.
Enquanto a maioria das pessoas é aconselhada a ficar em casa, os profissionais de saúde da linha de frente, geralmente, sofrem inúmeras horas no trabalho, colocando o bem-estar dos pacientes à frente dos seus. Para muitos, até as necessidades básicas não são atendidas, como alimentação adequada, sono e exercício físico.
No trabalho, esses profissionais lidam com um estresse adicional como escassez de equipamentos médicos e de proteção, mortes de pacientes, aumentos ou mudanças repentinas de responsabilidades, medo de infecção e estigmatização por suas comunidades como potenciais portadores do vírus.
Já estão sendo revelados os efeitos sobre a saúde mental durante a pandemia de covid-19 nos profissionais de saúde . De acordo com um resumo de políticas das Nações Unidas , os trabalhadores da saúde na China relataram altas taxas de depressão (50%), ansiedade (45%) e insônia (34%).
Tais dados demonstram como essencial a políticas que priorizem a saúde mental dos trabalhadores da linha de frente. É crucial que os sistemas de saúde se estruturem para garantir a capacidade de apoio emocional e entender seus sintomas de burnout, principalmente em trabalhadores do setor de emergência.
Observa-se o risco de uma grande onda de problemas emocionais, principalmente transtornos de estresse pós-traumático, ansiedade e depressão durante e após a pandemia.
Mesmo quando a pandemia estiver sob controle, os profissionais de saúde podem continuar vulneráveis a seus efeitos à medida que processam suas experiências traumáticas, e o apoio à saúde mental deve estar prontamente disponível para eles.
Os empregadores também devem ter um papel ativo, começando por garantir que as necessidades básicas dos profissionais sejam atendidas; por exemplo, oferecendo alimentos e bebidas saudáveis no local de trabalho, garantindo que eles tenham tempo suficiente para descansar, bem como caminhos claros e confidenciais para um aconselhamento de qualidade.
Em todo o mundo, a telemedicina mostra o potencial de facilitar várias intervenções de saúde mental, oferecendo também maior flexibilidade e privacidade. Intervenções que incorporam abordagens sensíveis podem ser especialmente úteis, e as soluções digitais devem ser acessíveis e disponíveis para todos, incluindo as comunidades mais vulneráveis.
A pandemia do covid-19 destaca as lacunas nos cuidados e as fragilidades dos serviços de saude mental. . Agora é o momento de investir nesta área começando pelos mais necessitados, que incluem os profissionais da linha de frente.
O mundo hoje está enfrentando uma pandemia que continuará a ter um impacto na saúde mental pública no futuro. Para criar uma recuperação saudável, precisamos aprender as lições da pandemia - é necessária uma nova abordagem da saúde mental para toda a sociedade que garanta que os cuidados e apoio à saúde mental estejam disponíveis para todos que dela precisem.
*Luan Diego Marques, psiquiatra, especialista em Terapia Interpessoal pelo Serviço de Assistência e Pesquisa em Violência e Estresse Pós Traumático (PROVE) ligado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). É também professor colaborador da Faculdade de Medicina / UnB.