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Como avançar na democracia em um país que não se importa com a política?

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Por Paulo Loiola
Atualização:
Paulo Loiola. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Mesmo em um momento histórico onde somos bombardeados o tempo inteiro com crises reais e imaginárias, corrupção, desleixo de governos e flertes com o autoritarismo, grande parte da população pouco se importa com política.

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Segundo levantamento da CNT feito em outubro de 2020, cerca de 50% dos brasileiros têm pouco ou nenhum interesse em política, levando em conta que no momento da pesquisa já estávamos em pandemia há ao menos 6 meses e já notando os efeitos da falta de coordenação do governo na condução da crise.

Em 2020, também influenciados pela pandemia, tivemos a maior taxa de abstenção em eleições da história. Em algumas cidades como o Rio de Janeiro, as abstenções superaram o número de votos concedidos ao vencedor Eduardo Paes e ao segundo lugar Marcelo Crivella juntos no primeiro turno.

O relatório do instituto Variações da Democracia (V-Dem), ligado à Universidade de Gotemburgo, na Suécia, indicou que o Brasil foi o país que mais se afastou da democracia em 2020. De acordo com o índice, no qual 0 representa um regime ditatorial completo e 1 a democracia plena, o Brasil hoje registra pontuação de 0,51, uma queda de 0,28 em relação à de 2010, que ficou em 0,79.

Polônia, Hungria e Turquia acompanham o Brasil e já podem ser consideradas autocracias. Em comum entre eles, presidentes associados à extrema direita que chegaram ao poder nos últimos anos, um dano que pode custar muito caro.

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O resultado de cada país vem de 450 indicadores diferentes, que medem aspectos como o grau de liberdade do Judiciário e do Legislativo, liberdade de expressão, a disseminação de informações falsas por fontes oficiais, repressão a manifestações da sociedade civil, liberdade e independência de imprensa e a liberdade de oposição política. No G-20 somente Brasil, Turquia e Índia regrediram no índice.

Questionamentos ao sistema político, necessário para manter líderes com tendências autocráticas no poder, são utilizados em demasia pelo atual governo brasileiro, alinhado com as piores práticas mundiais. Esse sentimento de enfrentamento do sistema e da criação de um inimigo, muitas vezes imaginário, é essencial para manter as hordas motivadas para o próximo ataque a quem ousar discordar do grande líder.

No início de 2020, 62% dos brasileiros diziam que democracia é sempre a melhor forma de governo, esse índice caiu 7 pontos desde outubro de 2018. Para 12%, ditadura é preferível em certas circunstâncias, e 22% acham que tanto faz, números alarmantes para uma jovem democracia que não tem tido dias fáceis.

A população tem uma visão pragmática da política e a comunicação exerce um papel essencial nessa percepção. Falhar no processo de comunicação das vantagens da democracia é abrir caminhos para que autocratas como Bolsonaro ocupem espaço político e liderem o país.

Por isso é cada vez mais necessário, cada vez mais comunicar os benefícios, diminuir a tensão entre os atores do campo democrático e modificar nossas leis visando fortalecer a independência das instituições e dos funcionários públicos. Essa comunicação é essencial para que políticas de Estado sejam permanentes e, como pôde ser visto recentemente na CPI da pandemia, essenciais para denunciar descalabros com o dinheiro público.

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Não foram poucos os esforços nos últimos anos para minar a democracia até chegarmos até aqui. Certamente ainda há tempo para uma resposta madura das instituições vilipendiadas pela extrema direita. Esse efeito de descrédito da política acabou trazendo para o sistema político muitos perfis que possivelmente não sejam os mais adequados à democracia, não será pequeno o esforço envidado para retirá-los, e certamente serão muitos anos para superar totalmente os estragos causados.

Será necessário passar a limpo o Brasil, apontar nitidamente os culpados por enganar a população e refundar a nação frente aos ataques sofridos. Que nossos políticos tenham coragem, que a população pressione, que os partidos não sejam covardes frente ao enorme desafio que está colocado, nossa democracia está no canto do ringue, mas ainda pode vencer.

*Paulo Loiola é administrador e mestre em gestão pública pela FGV, sócio-fundador da BaseLab, trabalha com planejamento no setor público há 13 anos, e atuou em mais de uma centena de campanhas políticas

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