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Como a pandemia afetou as relações entre os países

Por Cássio Faeddo
Atualização:
Cássio Faeddo. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

É importante, inicialmente, analisar como se encontrava o ambiente global nas relações internacionais um pouco antes da pandemia.

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Certos compromissos internacionais firmados pelos EUA foram abandonados no mandato do presidente Trump, e de certa forma, em prejuízo de acordos internacionais, como o de Paris, por exemplo. Concessões de Trump à indústria poluente nos EUA demonstraram-se bem-sucedidas no que se refere ao crescimento econômico e empregos.

Até o início da pandemia o governo Trump era havido como virtualmente reeleito. A taxa de desemprego era de 3,5% no final de 2019; em dezembro de 2020, já com a pandemia e milhares de mortes, a taxa projetava-se entre 6,8% e 6,9%, ou seja, praticamente o dobro.

Já a China, em 2019, alcançava um PIB de 6,1%, e, em 2020, como um dos poucos países com crescimento de 2,3%, o pior em 44 anos.

A Europa estava às voltas com a saída do Reino Unido da União Europeia e lidava com questões relacionadas à extrema direita, refugiados, imigração e manutenção do status quo europeu dentro de padrões europeus de qualidade de vida.

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Havia, ainda, a preocupação europeia com questões ambientais, estando Greta Thumberg em forte evidência em 2019, representando a preocupação de uma nova geração.

As transformações provocadas pela pandemia Estados nacionais estão ainda em curso. Todavia, a pandemia não é a única razão destas transformações; aliás, possivelmente, funcionou mais como agente acelerador destas transformações.

A busca pela vacina e o início da vacinação, descortinou o abismo intelectual, econômico e científico que separam os países entre desenvolvidos e subdesenvolvidos. Cremos que esse é um ponto importante.

Problemas globais relacionados à globalização, ultraliberalismo, questões identitárias e extremismo religioso já existiam.

Ilustramos: o conflito entre a identidade do norte americano médio, branco, cristão contra os outros (incluímos pretos, latinos, LGBTQ+ etc) já existia e está distante de uma solução, aliás, o conflito ganhou apenas maior visibilidade.

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Devemos salientar que um dos cânones do direito norte-americano é o direito de propriedade, sendo este um dos princípios da república que vem desde a colonização. Logo, estamos nos referindo a propriedade material, imaterial e da cultura defendida pelo homem branco desde a conquista da terra. Não é tarefa fácil mudar costumes e princípios, mas é fácil alterar a lei, que, necessariamente, nem sempre é cumprida. Lembramos que falamos de um ambiente de precedentes, e estes são rígidos na forma.

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Aí está uma das razões que fazem dos EUA um país em conflito, mesmo com Biden, que certamente atrapalhará um melhor posicionamento externo, especialmente em relação a China, uma vez que esta caminha a passos largos para liderança global.

A China, sob a vara do regime de partido único, ampliará sua teia comercial global, em especial na Eurásia e África, pulverizando um mais com outros parceiros sua dependência por commodities, sendo certo que a pandemia fragilizou os demais países. Por isso, possivelmente despertou-se uma reflexão sobre processos industriais globais e a dependência em face da China. Porém, ainda por um longo tempo, os países que se relacionam comercialmente com a China estarão dependentes dela.

Programas de desenvolvimento científico e tecnológico, bem como militar, estarão cada vez na pauta chinesa, evitando o risco de ameaças e derrotas como reveses sofridos em face do poder militar inglês nos séculos passados, em especial pela fraqueza da marinha chinesa. A China deverá reforçar suas posições visando garantir seus negócios e interesses. Não se tratará, como não se tratava, de alcançar posições de domínio militar fora de sua zona de interesse, mas de domínio econômico.

O conflito com a Inglaterra foi de fundo comercial; a China fez concessões à época, e não deve estar disposta a sofrer com a repetição de erro histórico. A China não se preocupava historicamente em agir muito além de sua vizinha no que se refere ao poderio militar.

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Por seu turno, não cremos em um conflito entre EUA e China, mas uma acomodação realista nos moldes de suportarem-se mutuamente.

O Brasil teve pequena amostra decorrente de sua política externa desvairada nos episódios da importação de insumos para a vacina com Índia e China.  Há necessidade de retomada do equilíbrio e das tradições diplomáticas para futuro breve.

A dependência e pobreza do terceiro mundo se acentuará, com a possibilidade de um maior recrudescimento da intolerância religiosa e étnica. Muito possivelmente, os EUA concorrerão com o Brasil mais fortemente por venda de soja para a China, além de proteger seu mercado.

Países pobres com base em economia agrária e de commodities tendem a aprofundar sua dependência destes ativos nas relações entre os países. Isto porque o dinheiro escasso no momento imediato ao coronavírus fará com que os países façam primeiramente a gestão econômica e administrem seus próprios problemas. Isso não afasta investimentos fugazes em face de maior liquidez no mercado e juros pouco atraentes no mundo financeiro, mas não a ponto de impulsionar significativamente a economia de países pobres.

A pandemia reforçou também o modelo "teia de aranha" de poder, e muitas vozes não estatais defendem pautas diversas, afetando as decisões dos Estados de forma multilateral. O mundo tem e terá o poder mais dividido, porém a pauta da soberania e importância do Estado na pandemia aplacou muito o ânimo de Estado mínimo.

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Considere-se que a ascensão de Reagan, Thatcher e Khomeini, embora com vieses diferentes no final da década de 70 do século passado, e, logo depois, a queda do muro de Berlim, "perestroika" soviética, dentre outros aspectos, foram duros golpes para os jovens terceiro mundistas que se uniam em prol de valores identitários socialistas e comunistas.

Esses valores foram solapados pelo neoliberalismo e, consequentemente, pela desesperança de uma sonhada igualdade idealizada pelo socialismo, mas que na prática não ocorreu. Esse é um dos muitos fatores que conduziram jovens para movimentos radicais de cunho racista ou religioso; a desesperança com os valores proporcionados pela política neoliberal.

Ainda, sob uma leitura mais realista, cremos em criação de mecanismos de acomodação dessas pautas de oportunidades e de igualdade, bem como ambiental, visando prorrogação do status quo nos pós pandemia.

Todavia, trata-se de uma visão otimista, tendo em vista as imprevisíveis consequências da ampliação da miséria, combustível para a violência e extremismo.

*Cássio Faeddo, advogado. Mestre em Direito. MBA Relações Internacionais - FGV/SP

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