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Combate às fraudes previdenciárias, a importância das informações prestadas pelo Registrador Civil de Pessoas Naturais com celeridade e qualidade de dados e avanços da Lei nº 13.846/2019

Por Rodrigo Bezerra Dowsley e Luiza Cristina Fonseca Frischeisen
Atualização:

Rodrigo Bezerra Dowsley e Luiza Cristina Fonseca Frischeisen. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A Constituição Federal de 1988 previu a possibilidade de ser criado um fundo com o objetivo de assegurar recursos para o pagamento dos benefícios concedidos pelo regime geral de previdência social[1]. Este Fundo do Regime Geral de Previdência Social (FRGPS), por meio da Lei Complementar nº 101/2000[2], restou efetivamente criado.

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A gestão do FRGPS incumbe ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que é a autarquia federal criada pelo Decreto nº 99.350/1990[3]. Na atualidade, são pagos mais de trinta milhões de benefícios previdenciários e acidentários[4], cujo valor médio é de R$ 1.350,16 (um mil, trezentos e cinquenta reais e dezesseis centavos)[5]. Ou seja, ao ano, os gastos superam R$ 520.000.000.000,00 (quinhentos e vinte bilhões de reais).

Se fosse um país, o INSS estaria entre as dez maiores economias da América Latina. Para cumprir o seu mister, dispõe de mais de cinquenta e sete mil cargos de servidores públicos, mas, na prática, conta com apenas pouco mais de vinte e dois mil servidores na ativa.

Como é de se esperar desse gigantismo e dessa defasagem de servidores públicos, as dificuldades operacionais para analisar e conceder os benefícios previdenciários são inevitáveis. O quadro atual de pandemia do COVID-19 agrava ainda mais esta situação. O mais difícil ao INSS, contudo, é evitar o pagamento indevido de benefícios previdenciários, decorrentes de fraudes. Como o INSS pode evitar o pagamento de benefícios previdenciários de pessoas que já faleceram (pós-óbito)?

O artigo 68 da Lei nº 8.212/1991, com a redação dada pela Lei nº 8.870/1994, determinava que os Registradores Civis enviassem a informação do óbito até o décimo dia do mês seguinte. Ou seja, legalmente, o INSS poderia demorar até quarenta dias para ter ciência do óbito e evitar o pagamento indevido. Afora isto, teria que descobrir se determinada pessoa falecida é titular de algum benefício previdenciário. No melhor cenário, é possível que já tivessem sido pagos, infelizmente, dois meses de benefício, com este prazo de até quarenta dias para envio das informações ao INSS.

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No âmbito do Ministério Público Federal e da Polícia Federal os valores relacionados a 3 meses de benefício de pensão por morte, em face da Orientação nº 4 da Câmara Criminal, não são objeto de apuração criminal[6].

As estimativas internas do INSS apontavam que já haviam sido apurados mais de 90.000 (noventa mil) fraudes em processos administrativos de pagamentos indevidos de benefícios pós-óbito, cujos valores ultrapassavam R$ 1.300.000.000,00 (um bilhão e trezentos milhões de reais). O valor recuperado, até então, era inferior a 20% (vinte por cento) deste montante. Isto do que foi possível apurar e recuperar nestes processos administrativos. Quantas outras fraudes não foram apuradas?

Se considerarmos que, ao ano, morrem mais de um milhão de brasileiros e se aproximadamente 80% (oitenta por cento) possuírem algum benefício previdenciário, estaremos falando, num cenário otimista, de mais de R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais) gastos indevidamente pelo INSS, cujo valor deveria ser revertido para toda a sociedade brasileira e poderia reduzir os impactos de uma reforma da previdência.

A Procuradoria Federal Especializada e a Diretoria de Benefícios do INSS identificaram que, para solucionar esta situação, seria necessário que o INSS recebesse a informação do óbito o mais rápido possível e com a maior qualidade de dados, a fim de que se possa identificar rapidamente o falecimento de uma pessoa titular de um benefício e cessá-lo imediatamente, para que não haja nenhum pagamento indevido. Num trabalho de cooperação institucional com as Corregedorias Gerais de Justiça dos Tribunais de Justiça dos Estados, foi apresentada uma sugestão de provimento a ser imposta aos Registradores Civis, para que informassem ao INSS os registros civis em até um dia útil com uma maior gama de dados[7]. Este trabalho contou, também, com o apoio e participação do Conselho Nacional da Justiça e do Centro de Inteligência da Justiça Federal.

A medida apresentou números tão exitosos que o texto deste provimento foi submetido ao Congresso Nacional e, desde junho de 2019, é o novo art. 68 da Lei nº 8.212/1991. Para se ter ideia da importância deste artigo, o Estado do Maranhão, que apresentava o pior tempo médio de envio das informações ao INSS, em poucos meses, melhorou em 96% (nova e seis por cento) esse tempo médio[8]. Se tudo isto já não fosse bom o suficiente para a sociedade brasileira, com estas informações, o INSS pode acelerar a concessão de benefícios previdenciários, como já vem ocorrendo com o salário maternidade. Avanços como este precisam ser preservados.

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O Projeto de Lei nº 2.700/2020, que tramita na Câmara dos Deputados, apresenta sugestões de avanço na comprovação de vida dos idosos perante o INSS. Contudo, a redação proposta para o art. 68 da Lei nº 8.212/1990, contém texto mais retrógrado que o do ano de 1994. Não faz sentido permitir que estas informações sejam repassadas apenas no décimo dia útil do mês seguinte, quando hoje, por meio da rede mundial de computadores, já é possível enviar a informação instantaneamente, como já está ocorrendo.

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Caso vingue a proposta de nova redação do caput do art. 68, todo este exitoso trabalho de cooperação interinstitucional, que já vem evitando anualmente milhares de fraudes previdenciárias e pagamentos indevidos pós-óbito, terá sido em vão. Afora isto, agravaremos a situação de milhões de mães que podem demorar meses para receber o benefício de salário-maternidade, no momento em que mais precisam.

A melhoria na comprovação de vida é algo que deve ocorrer também, mas precisamos avançar na legislação previdenciária e no combate às fraudes sem que haja retrocesso no caput do art. 68 da Lei nº 8.212/1990, mantendo-se a redação dada pela Lei nº 13.846/2019.

*Rodrigo Bezerra Dowsley, procurador federal da Advocacia-Geral da União, coordenador de Assuntos Estratégicos e coordenador-geral de Prevenção de Litígios Substituto

*Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, subprocuradora-geral da República do Ministério Público Federal. Titular de ofício criminal junto ao STJ e membro titular da Câmara Criminal de Coordenação e Revisão do MPF

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[1]Art. 250 da CF/1988.

[2]Art. 68 da LC nº 101/2000.

[3]Mediante fusão do Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (Iapas) com o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS).

[4]http://www.previdencia.gov.br/2020/02/impacto-da-nova-previdencia-sera-sentido-ja-em-2020-afirma-secretario-de-previdencia/

[5] Portaria nº 14.090, de 10 de junho de 2020, do Secretário Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia.

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[6] http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/orientacoes/documentos/Orientacao%20no%204.pdf

[7]Apresentação realizada no 80° Encontro Nacional do Colégio Permanente de Corregedores-Gerais dos Tribunais de Justiça do Brasil (ENCOGE), que foi acolhida na seguinte deliberação: "CRIAR mecanismos de redução do prazo de comunicação de nascimento e óbito pelo serviço do extrajudicial, por todas as Corregedorias Gerais de Justiça em cooperação interinstitucional com o INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, para o combate à fraude previdenciária".

[8]https://imirante.com/sao-luis/noticias/2019/08/19/maranhao-reduz-em-96-o-tempo-medio-de-envio-das-informacoes-de-obitos-ao-inss.shtml

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