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Combate à violência doméstica como prática ESG

Por João Daniel Rassi , Eloisa Yang e Beatriz Massetto Trevisan
Atualização:
João Daniel Rassi. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O isolamento social e o cenário de crise econômica em razão da pandemia do coronavírus resultaram em aumento nas denúncias de violência doméstica. Segundo a Agência Brasil, o mês de abril de 2020 registrou um aumento de 35,9% nas denúncias do "Ligue 180" em relação ao mesmo período do ano anterior; ao longo da pandemia, foram registrados em média mais de 60 boletins de ocorrência por dia somente no Estado de São Paulo.

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O reconhecimento da seriedade do tema tem levado empresas a implementar políticas de conscientização e amparo às vítimas. Chamaram atenção as ações recentes da Magazine Luiza e da Uber, que criaram canais para denúncia e orientação pelos seus aplicativos ou pelo Whatsapp voltados ao público geral.

A postura proativa por parte das empresas na adoção de medidas voltadas à responsabilidade social tem atingido novas proporções com a importância atual dada aos fatores ESG (enviromental, social and governance - termos em inglês para meio ambiente, sociedade e governança).

A sigla se refere a ativos que levam em consideração não somente aspectos financeiros na sua tomada de decisões, mas também impactos ambientais, sociais e de governança corporativa. É uma métrica para avaliar o desempenho das companhias nesse sentido. Sua relevância fica evidente com a criação de índices próprios de investimento como o recente S&P/B3 Brasil ESG: empresas que demonstram capacidade de geração de lucro com propósito tenderão a ocupar posição de destaque em relação aos concorrentes que não o façam.

Muitas são as políticas que podem ser adotadas com base nesses pilares. Especificamente em termos de responsabilidade social para o enfrentamento da violência doméstica, uma política interna que tem sido adotada por empresas é um programa de amparo jurídico a funcionárias vítimas, na forma de um canal interno de denúncias. Esse apoio pode ser feito por meio da equipe jurídica da empresa, que pode passar por treinamentos específicos, ou junto a escritório de advocacia externo.

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Em termos práticos, tomada a decisão institucional de prestar auxílio, é importante definir qual será o alcance da atuação para que se adeque à capacidade da companhia em absorver o atendimento, inclusive para que se decida qual será o posicionamento no caso de eventual desligamento da vítima. Assim, pode-se decidir pelo apoio jurídico limitado ao momento de comunicação da ocorrência às autoridades e eventual pedido de medidas restritivas ao agressor, pelo acompanhamento apenas até o fim da investigação policial ou, ainda, pelo acompanhamento de todo o processo.

Por outro lado, é preciso definir a estratégia caso a vítima utilize do canal de denúncia interno, mas por qualquer motivo opte por não dar continuidade ao registro da ocorrência posteriormente. Nesse caso, é importante oferecer também um suporte psicológico à mulher, como meio de criar um ambiente verdadeiramente acolhedor, que retrate a real intenção da empresa em implementar uma política institucional de combate à violência doméstica.

Em acréscimo e sempre com vistas ao objetivo maior de criar um espaço de acolhimento e segurança, são sempre bem-vindas as campanhas internas para conscientização sobre os tipos de violência e seus sinais - que podem não ser físicos -, os ciclos de violência e os meios dos quais a vítima dispõe para tentar se desvencilhar da situação abusiva.

No mesmo sentido, não se pode esquecer que a denúncia pode ser contra um colaborador da própria empresa, inclusive pela prática de assédio sexual, situação em que o interesse da companhia em resolver a questão se torna ainda maior para que se mantenha em linha com seus valores no que toca à desigualdade de gênero.

Seja como for, o apoio da empresa é ferramenta valiosa para o enfrentamento da violência doméstica: um canal interno pode vir a ser o único meio de denúncia de que a vítima dispõe, seja por desconhecimento das demais possibilidades de comunicação do crime ou mesmo por receio das consequências sociais, físicas e patrimoniais que isso pode ter.

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De mais a mais, como qualquer prática ESG, a implementação deve levar em conta a capacidade e limitações da própria empresa, para além do alinhamento de valores. Isso, porém, não deve ser entendido como obstáculo à efetivação de um programa como esse. A iniciativa de prestar apoio às colaboradoras que porventura sofram alguma forma de violência doméstica é louvável e necessária, e a criação de um ambiente verdadeiramente acolhedor e que enderece as desigualdades é essencial para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

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Se implementado adequadamente, um programa de amparo a vítimas de violência doméstica traz claras vantagens. Por um lado, há benefícios para a empresa na medida em que a sua responsabilidade com o seu capital humano e social e o bem-estar de seus funcionários se reverte em maior estabilidade e preparo para lidar com cenários de crise. Por outro, e mais importante, contribui para a proteção de mulheres que, sem um programa como esse, talvez nunca tivessem o amparo necessário para sair de uma situação de risco.

*João Daniel Rassi é sócio de capital na SiqueiraCastro e head da área Penal Empresarial do escritório. Mestre em Direito Penal (2006), Doutor em Direito Penal (2012) e Doutor em Direito Processual Penal (2017), todos pela USP. Especialista em Direito Penal pela Universidad de Salamanca (USal), além de associado efetivo do Instituto dos Advogados de São Paulo e professor visitante no curso de pós-graduação em Direito Penal Econômico da Faculdade Getúlio Vargas (FGV)

*Eloisa Yang é advogada associada no setor Penal Empresarial da SiqueiraCastro. Graduada (2018) e mestranda em Direito Penal na Universidade de São Paulo, além de especialista em Crime Organizado, Corrupção e Terrorismo pela Universidad de Salamanca (USal)

*Beatriz Massetto Trevisan é advogada associada no setor Penal Empresarial da SiqueiraCastro. Graduada (2017) pela Universidade de São Paulo

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