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'Com dinheiro tudo se consegue', relatou denunciante sobre venda de sentenças na Bahia

Genivaldo dos Santos Souza declarou em escritura pública o repasse de R$1,8 milhão em propinas que viria ser a base das investigações que levaram à denúncia de quatro desembargadores e três juízes do Tribunal de Justiça baiano; ele foi morto por um guarda municipal em 2014, que, por sua vez, foi assassinado no ano passado em caso ainda não esclarecido e com indícios de queima de arquivo

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Por Paulo Roberto Netto
Atualização:

Antes da Operação Faroeste, houve um assassinato à queima-roupa e em plena luz do dia. O crime foi procedido de outro homicídio, ainda não esclarecido, mas que serviu de pivô para as investigações que culminaram no afastamento e denúncia de quatro desembargadores e três juízes de primeira instância do Tribunal de Justiça da Bahia por esquema de venda de sentenças em processos de grilagem de terra no oeste do Estado.

 

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A morte do corretor de imóveis Genivaldo dos Santos Souza, denunciante do suposto esquema, levou o Ministério Público Federal a se debruçar sobre o depoimento que prestou e autenticou em escritura pública em 2014. À época, Genivaldo afirmou ter ouvido uma conversa entre um homem chamado Joilson Dias e "Adailton".

O relato de Genivaldo descreve uma situação ocorrida no final de dezembro de 2013. Segundo o denunciante, Joilson e Adailton estavam 'comemorando uma vitória no Tribunal' em uma lanchonete em que ele estava, sem se importar em serem ouvidos.

Joilson Dias é filho de José Valter Dias, borracheiro que se tornou o 'maior latifundiário do oeste baiano' e suposto laranja de Adailton Maturino, que se apresentava como "cônsul" de Guiné-Bissau e idealizador da 'teia de corrupção' que pegou magistrados baianos.

"O Sr. Joilson, o mais empolgado, dizia abertamente que com dinheiro tudo se consegue, que a corrupção rola solta e que com dinheiro, não precisa nem de advogado", relatou Genivaldo. "Escutei o Sr. Joilson falar que havia gastado muita grana para conseguir a posse dos imóveis na coaceral. Disse que para conseguir a decisão, entregou para a desembargadora R$ 800.000,00 para ela comprar um apartamento, além de R$ 1.000.000,00 em dinheiro".

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O repasse de propinas, segundo Genivaldo, dava a certeza que 'o outro pessoal não ia conseguir derrubar a liminar de jeito nenhum'.

 Foto: Estadão

O processo em questão, de acordo com o Ministério Público Federal, é a liminar concedida pela desembargadora Maria da Graça Osório no dia 04 de setembro de 2013 para a abertura de 17 matrículas de compra e posse de imóveis no oeste da Bahia em prol de José Valter Dias. Segundo a procuradoria, a decisão foi 'manifestamente ilegal', visto que a determinação só poderia ter sido tomada após o trânsito em julgado do processo.

"Há evidências de que o móvel que justificou a formação do livre convencimento da Desembargadora Maria da Graça Osório foi o recebimento de vantagem indevida na ordem de R$ 1,8 milhão por Adailton Maturino", aponta o Ministério Público Federal, que cita 54 troca de mensagens entre a magistrada e Maturino e movimentações financeiras suspeitas de R$ 1,798 milhão.

Assassinatos. A denúncia de Genivaldo teria levado ao seu homicídio em 29 de julho de 2014, 'coincidentemente' após a lavratura do depoimento sobre o repasse de propinas à Justiça baiana. O denunciante foi morto com oito tiros em plena luz do dia e em praça pública no centro de Barreiras, município no oeste da Bahia.

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A investigação aponta que a morte do corretor foi encomendada. As investigações identificaram o guarda municipal Otieres Batista Alves como executor do crime e que ele teria sido pago para matar Genivaldo. Em setembro de 2018, o agente foi morto a tiros em Cotegipe, município do extremo oeste baiano, em atentado com características de execução.

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O Ministério Público Federal aponta que os crimes foram conduzidos para 'evitar a identificação dos verdadeiros mandantes' do assassinato de Genivaldo. O caso até hoje não foi esclarecido.

COM A PALAVRA, A DEFESA DE ADAILTON MATURINO DOS SANTOSA defesa técnica nega enfaticamente qualquer envolvimento do seu cliente Adailton Maturino dos Santos e sua esposa nos homicídios de Genivaldo dos Santos Souza, em 29.07.2014, e Otieres Batista Alves, em 08.09.2018.

A imprudente e seríssima referência a tais crimes contra a vida, com conjecturas incertas e descabidas por parte do MPF, no bojo da iminente acusação, chega a ser surpreendente, ainda mais considerando que o órgão ministerial informou, em nota à imprensa, não serem tais fatos objeto da ação proposta.

Mencionar os referidos homicídios no contexto da denúncia, sem qualquer aprofundamento e, até mesmo, de forma alheia às investigações e inquéritos locais, é simplesmente reverberar acusações forjadas pelos verdadeiros grileiros da região, que já fora, inclusive, objeto de retratação pelos principais algozes de José Valter Dias e Joilson Gonçalves Dias, na legítima luta judicial, travada há quase 4 (quatro) décadas, pela tutela dos seus direitos e para resguardar suas propriedades.

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No mérito, todavia, há relevantes curiosidades que descredenciam a acusação; a seguir referenciadas:

1. Genivaldo dos Santos Souza se deslocou a um cartório numa cidade vizinha, na Bahia, para, em abril de 2014, escriturar uma declaração acerca de supostos fatos que teria ouvido em dezembro de 2013 - quer seja, cerca de 5 (cinco) meses antes - dando conta de uma comemoração pública por ocasião de suposta venda de uma decisão judicial;

2. Imperioso destacar que Genivaldo não procurou uma autoridade policial, para realizar boletim de ocorrência, tampouco o Ministério Público ou a Justiça, para denunciar o ocorrido. Agiu de forma privada, para claramente satisfazer interesses do grupo ao qual estava envolvido, sem que ponderassem que tal acusação infundada poderia ter repercussões contrárias a eles próprios;

3. A declaração foi forjada por Genivaldo sem, sequer, citar o nome da Desembargadora Maria da Graça Osório Pimentel em sua grave acusação;

4. Dias depois, em 20.05.2014, a Bom Jesus Agropecuária Ltda, representada por Nelson Vigolo, inaugurou a utilização da dita escritura declaratória com a acusação, agora, sim, vinculando à referida magistrada, numa Reclamação Disciplinar no Conselho Nacional de Justiça, autuada sob n. 0003174-56.2014.2.00.0000, e ao mesmo tempo arguiu suspeição da mencionada Desembargadora, no âmbito do Tribunal de Justiça da Bahia;

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5. Para além de não ser compreensível o motivo de tal declaração ter sido realizada cerca de 5 (cinco) meses após o alegado ocorrido, a decisão supostamente comprada, proferida em 04.09.2013, apenas homologava acordo extrajudicial firmado entre José Valter Dias e Vicente Okamoto - posteriormente descumprido por este;

6. Não obstante, em 27.11.2013 a decisão liminar anterior teve seus efeitos suspensos pela mesma desembargadora que a proferiu, tão logo tomado conhecimento da apresentação de uma ação anulatória relacionada ao referido acordo;

7. Dessa forma, em dezembro de 2013 não haveria sequer o que comemorar, afinal o suposto plano criminoso teria sido frustrado, levando em consideração que a decisão supostamente comprada e proferida em setembro, teria sido suspensa no final de novembro, ambas do mesmo ano;

8. Todo o contexto que envolve a regular atuação da Desembargadora Maria da Graça Osório Pimentel foi objeto de esclarecimentos contundentes no âmbito da arguição de suspeição, no TJBA, e na sobredita Reclamação Disciplinar, no CNJ. Atenção especial seja dada à petição saneadora, simplificada e tecnicamente esclarecedora, apresentada pela magistrada, nos autos administrativos do Conselho Nacional se Justiça, em 26.09.2019 - antes da deflagração da Operação Faroeste;

9. No mesmo ano de 2014, além de se declarar imediatamente suspeita para atuar em quaisquer casos relacionados, diante da grave acusação que sofrera, a magistrada manejou em paralelo uma ação penal privada - queixa-crime - em face de, não só o declarante Genivaldo, como também Nelson Vigolo, proprietário da Bom Jesus Agropecuária, para resguardar sua honra, moral e idoneidade, bem como investigar à fundo a acusação. Atitudes semelhantes foram tomadas por Joilson Gonçalves Dias, também acusado por Genivaldo na escritura declaratória;

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10. Diante disto, é de se ponderar o real motivo do homicídio de Genivaldo, e quais pessoas ou grupo teriam efetivo interesse em o calar, após ser intimado para depor, não só na queixa-crime, como também nos procedimentos administrativos. Descabido conjecturar tratar-se de queima de arquivo promovida por Adailton Maturino dos Santos, enquanto há cabais indícios divergentes;

11. Executado sem que pudesse prestar quaisquer esclarecimentos, a ação penal oferecida pela Desembargadora contra Genivaldo e outros, perdeu seu objeto e foi arquivada. O que fora muito conivente aos verdadeiros responsáveis pelo crime, diga-se de passagem;

12. Participante da execução de Genivaldo, o assassino confesso Otieres Batista Alves era matador conhecido e temido na região, colecionador de inimigos e motivos para ser vingado por tantos outros. É, no mínimo, imprudente, sem qualquer elemento probatório ou fato novo, vincular o assassinato de Otieres - ocorrido em 08.09.2018 -, à execução de Genivaldo, ocorrida há mais de4 (quatro) anos;

13. É de estarrecer como a fabricada declaração de Genivaldo é desmascarada, quando, em petição datada e protocolada no CNJ em 18.09.2019 - também antes da deflagração da Operação Faroeste - a Bom Jesus Agropecuária se retrata das acusações por si formalizadas, e do vínculo que realizara, a seu juízo próprio, com a Desembargadora Maria da Graça Osório Pimentel;

14. Convicta da impunidade, e consolidado seus interesses privados - após ato da Conselheira Maria Tereza Uille Gomes, no âmbito do Pedido de Providências n. 0007396-96.2016.2.00.0000, no Conselho Nacional de Justiça - a Bom Jesus Agropecuária declarou em seu pedido de retratação que "a interpretação dada aos fatos ocorridos anos atrás não foi a mais correta", passando a entender que a Desembargadora "Relatora somente estava agindo conforme o seu convencimento", e que a "Magistrada não foi parcial na condução do processo";

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15. A Bom Jesus surpreende, ainda, ao constar que buscou naquela oportunidade "um modo de revogar a decisão, pois era contrária ao interesse da parte aqui Reclamante". Sobre a declaração pública de Genivaldo, que sequer declinou o nome da magistrada, aduz a empresa que imaginou "poderia ser a Reclamada", mas que percebe agora que tal situação não seria crível;

16. Finaliza a Bom Jesus dizendo que "o tempo, para o presente feito, foi fundamental", e ainda afirmando ter entendido que "eventuais derrotas jurídicas, no citado processo, não eram causadas por fatores externos, mas sim no livre convencimento da magistrada";

17. Mesmo assim e de forma espantosa, a Bom Jesus hoje é uma das principais beneficiadas com a solene convalidação das matrículas fraudulentas (geradas em assentamento de óbito e inventário falsos anulados judicialmente a pedido do Ministério Público) e no verdadeiro processo de grilagem da região Oeste da Bahia, enquanto a Desembargadora Maria da Graça, nosso cliente, Adailton Maturino, e outros, são indevidamente criminalizados e punidos;

18. A Bom Jesus tentou minimizar seus atos criminosos, que não só à época, como hoje, se demonstraram irreversíveis, não só à imagem, à honra, conduta profissional e moral, mas também a ponto de subsidiar procedimento criminal e prisões.

A bem da verdade, a análise desta situação reforça a posição da defesa, quando diz, argumenta e prova, que a investigação criminal em curso está essencialmente invertida, transformando as verdadeiras vítimas em vilões, e criminalizando a atuação regular de magistrados, que decidiram, a partir do seu livre convencimento, em estrito cotejo às instruções probatórias constantes dos autos, princípios básicos norteadores da magistratura.

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Trata-se do último suspiro de grileiros profissionais, na histórica tentativa de convalidar matrículas reconhecidamente fraudulentas, de consolidar audacioso plano de grilagem na região, e impor a terceiros crimes e modus operandi, a si convergentes, e pertinentes.

A defesa técnica tem convicção que, tanto o MPF, quanto o CNJ, o STJ, e o próprio Ministro Relator OG Fernandes, não permitirão ser utilizados, nem mesmo indiretamente, como ferramentas para consolidação de crimes e, com todos os fatos esclarecidos, certamente promoverão a justa justiça, resguardado o devido processo legal, a culminar, sem sombra de dúvidas, no reconhecimento da inocência do nosso cliente, e das demais pessoas envolvidas indevidamente na acusação.

COM A PALAVRA, O CRIMINALISTA  ANDRÉ LUÍS CALLEGARI

O advogado criminalista André Luís Callegari, que defende a desembargadora Maria do Socorro, disse. "A defesa da desembargadora Maria do Socorro está analisando a denúncia oferecida pelo MPF. Porém, todos os esclarecimentos serão prestados por ocasião do contraditório que se estabelecerá com resposta nos termos da Lei 8.038/90. De outro lado, uma vez oferecida a denúncia nada mais justifica a prisão preventiva da acusada porque não subsistem mais os fundamentos da custódia cautelar, sendo desnecessária a medida extrema nesse momento processual", disse o criminalista André Luís Callegari.

COM A PALAVRA, O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA BAHIA

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Quando a Operação Faroeste foi deflagrada, em novembro,o Tribunal de Justiça da Bahia declarou:

"O Tribunal de Justiça da Bahia foi surpreendido com esta ação da Polícia Federal desencadeada na manhã desta terça-feira (19/11/19). Ainda não tivemos acesso ao conteúdo do processo. O Superior Tribunal de Justiça é o mais recomendável neste atual momento para prestar os devidos esclarecimentos. A investigação está em andamento, mas todas as informações dos integrantes do Tribunal de Justiça da Bahia serão prestadas, posteriormente, com base nos princípios constitucionais.

Pelo princípio do contraditório tem-se a proteção ao direito de defesa, de natureza constitucional, conforme consagrado no artigo 5.º, inciso LV: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes."

Ambos são princípios constitucionais e, também, podem ser encontrados sob a ótica dos direitos humanos e fundamentais. Logo, devem sempre ser observados onde devam ser exercidos e, de forma plena, evitando prejuízos a quem, efetivamente, precisa defender-se.

Quanto à vacância temporária do cargo de presidente, o Regimento Interno deste Tribunal traz a solução aplicada ao caso concreto. O 1.º vice presidente, desembargador Augusto de Lima Bispo, é o substituto natural."

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