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Com apoio de 4,6 mil, professor da Medicina da USP pede inquérito por 'omissão' do CFM na pandemia

Bruno Caramelli argumenta que Conselho Federal de Medicina não exerceu sua competência de fiscalizar a atuação médica em relação a recomendações do Ministério da Saúde

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Por Samuel Costa
Atualização:

Durante a posse do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, o presidente Jair Bolsonaro mostrou uma caixa do remédio Hidroxicloroquina. Foto: Carolina Antunes/PR

Bruno Caramelli, médico cardiologista e professor da Faculdade de Medicina da USP, entregou ao Ministério Público Federal (MPF) uma representação, em que pede a abertura de inquérito civil para apurar a atuação do Conselho Federal de Medicina durante o período em que o Ministério da Saúde incentivou o 'tratamento precoce' contra a Covid-19. Caramelli argumenta que o Conselho não cumpriu com suas obrigações de fiscalizar a atuação médica ao não se posicionar, ou intervir, na propaganda do Governo Federal pelo uso de medicamentos sem eficácia comprovada para o tratamento da doença.

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O professor solicitou que seja verificada qual é 'a responsabilidade civil, administrativa e/ou penal da Diretoria do Conselho Federal de Medicina' no caso, bem como que os representantes da entidade prestem esclarecimentos. Também foi encaminhado abaixo-assinado com 4,6 mil assinaturas, coletadas através da plataforma Change.org, em apoio à medida. A advogada responsável pela representação é Cecilia Mello, sócia do Cecilia Mello Advogados que atuou por 14 anos como juíza federal no Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

O Ministério da Saúde, até o mês de janeiro, indicava o uso de hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina para o tratamento de Covid-19. A pasta não vedava a prescrição dos remédios, sem comprovação de eficácia no combate à doença, por médicos aos seus pacientes e chegou até mesmo a recomendá-los aos usuários do aplicativo TrateCov (atualmente fora do ar). Uma nota técnica do CFM, publicada em abril de 2020, era utilizada como fundamentação para as orientações do Ministério -- mesmo que o Conselho tenha ressaltado no texto que a aplicação dos medicamentos deveria ocorrer apenas em condições 'excepcionais'.

Neste mês de março, com base em estudos científicos que comprovaram a ineficácia da hidroxicloroquina, a Organização Mundial da Saúde publicou parecer em que desaconselhava a aplicação do remédio como 'tratamento precoce'. A OMS destacou que não há nenhum método medicamentoso que tenha se mostrado eficiente no combate ao novo coronavírus. O professor da USP sinaliza esse fato na representação e declara que 'nos últimos meses tornou-se condenável defender e prescrever este tratamento'.

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Caramelli diz que 'não se justifica, portanto, desperdiçar recursos ou desviar o foco de atenção da sociedade para um tratamento de eficácia não comprovada'. Ele ressalta que outros métodos não medicamentosos, como o isolamento social e o uso de máscaras, e a vacinação têm sido ignorados pelo governo federal. Além disso, analisa que o incentivo a um suposto tratamento precoce cria uma 'falsa segurança de saúde'. "Essa falsa crença em um tratamento ocasiona o descumprimento das medidas que comprovadamente impedem o alastramento da covid-19. E o descumprimento das medidas eficazes por uma parte da sociedade expõe à contaminação a população inteira do país", avalia.

O médico questiona a 'não reação' do CFM diante desse quadro. "Configura-se a omissão do Conselho Federal de Medicina em manifestar, publicamente, claro posicionamento científico com vistas a desestimular a propagação de práticas e informações enganosas consubstanciadas na prescrição médica de um suposto tratamento precoce contra a covid-19, que não tem nenhuma comprovação científica de eficácia", afirma no documento.

COM A PALAVRA, O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

Até o momento, o Conselho Federal de Medicina (CFM) não foi notificado sobre o caso.

O CFM não apoia o tratamento precoce, conforme amplamente divulgado, desde o último ano, reiteradas vezes, o que está muito claro no Parecer nº 4/2020.

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Este Parecer delega ao médico assistente, que atende na ponta, juntamente com seu paciente a possibilidade de ambos fazerem o julgamento sobre o tratamento que considerarem adequado, respeitando a autonomia do médico e do paciente que são garantidas na Constituição.