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Cobrança de bagagem prejudica consumidores

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Por Arthur Rollo
Atualização:

Ao editar em 13 de dezembro de 2016 a resolução n° 400, a ANAC, no art. 13, afirmou o caráter acessório do despacho das bagagens, abrindo o caminho para que as empresas aéreas que atuam no Brasil realizassem cobrança autônoma pelo seu despacho. A nova resolução entrou em vigor noventa dias após sua publicação, mas, em 13 de março de 2017, a 22ª Vara Cível da Justiça Federal de São Paulo concedeu liminar proibindo o início das cobranças relativas às bagagens.

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O juiz considerou, na liminar que então concedeu, que o preço do despacho das bagagens já estava embutido no custo dos bilhetes aéreos e que não havia qualquer evidência de que a cobrança autônoma acarretaria redução dos preços e aumento da concorrência.

Até hoje não houve qualquer estudo econômico para demonstrar que o novo modelo de cobrança beneficiaria economicamente os consumidores. Todas as afirmações nesse sentido têm base em experiências de outros países, principalmente da América do Norte e da Europa, que têm mercados absolutamente diversos do mercado brasileiro. Segundo a ANAC, os preços para os passageiros voarem sem bagagens cairiam e esse novo modelo atrairia para o Brasil as empresas de baixo custo, que atuam na Europa e nos Estados Unidos. Mas para a ANAC o mercado brasileiro de aviação é altamente competitivo, como se isso fosse verdade.

Em 24 de abril de 2017, a 10ª Vara Federal do Ceará cassou a liminar da Justiça Federal de São Paulo e permitiu a cobrança das bagagens a partir de 29 de abril. Na ocasião, a ANAC divulgou nota à imprensa dizendo que esse novo modelo adotado permitiria "passagens mais atraentes e adequadas aos interesses dos consumidores". Disse também que haveria maior liberdade na escolha de bilhetes que melhor atendessem às necessidades dos consumidores.

Efetivamente três empresas aéreas: Azul, Gol e Latam passaram a cobrar pelas bagagens em junho de 2017 e a Avianca, por último, no final de setembro. De lá para cá os valores, inicialmente cobrados com moderação, aumentaram diversas vezes, pelo menos em três oportunidades para uma dessas empresas. A empresa Gol chega hoje a cobrar R$100,00 por bagagem, enquanto que o valor cobrado inicialmente foi de R$30,00.

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Passado um ano do início da cobrança, segundo a metodologia utilizada pela própria ANAC e já descontada a inflação do período, o preço dos bilhetes aéreos no Brasil, mesmo com a cobrança apartada da bagagem, aumentou 6%, ao invés de cair conforme o prometido. Mesmo assim, a ANAC não admite o erro, insistindo em afirmar não ter havido tempo hábil para que o mercado se adapte às novas regras e que os efeitos positivos só serão vistos ao longo de cinco anos, período estabelecido na resolução para rever, se for o caso, essa providência.

A ABEAR, entidade que reúne as empresas aéreas, em 21 de setembro de 2017, convocou entrevista coletiva na qual comemorou a queda entre 7% e 30% nos preços dos bilhetes aéreos, após o início da cobrança pelas bagagens. Devido à evidente enganosidade dessa informação, confirmada desde então inúmeras vezes e por diversas fontes, foi instaurado em 19 de outubro de 2017, processo administrativo pelo Ministério da Justiça contra referida entidade bem como contra todas as empresas aéreas, ainda em curso perante o DPDC.

Existem em trâmite, relativamente a essa questão: projeto de resolução já aprovado no Senado, em andamento nas comissões especiais da Câmara dos Deputados, visando derrubar a cobrança das bagagens; ação judicial em trâmite em grau de recurso perante o TRF da 5ª região e processo administrativo sancionatório, 08012.002329?2017-34, em trâmite no DPDC. Enquanto eles não chegam ao fim, muito pouco resta ao consumidor a fazer, além de procurar adequar-se aos dez quilos permitidos como franquia da bagagem de mão.

Como viajantes frequentes têm isenção dos programas de milhagem, consumidores mais abastados compram tarifas que incluem o despacho de bagagem e viajantes executivos costumam fazer bate e volta, a conclusão a que se chega é que foram prejudicados os consumidores que viajam eventualmente, menos favorecidos economicamente e aqueles que mais sofrem com as restrições da malha viária, principalmente das regiões Norte e Nordeste.

O argumento da ANAC de inclusão na aviação dos consumidores mais pobres, portanto, comprovou-se uma falácia. Da mesma forma, nenhuma empresa de baixo custo veio ou manifestou interesse de atuar no Brasil nesse período e os bilhetes, comprovadamente, ficaram mais caros.

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A conclusão é que a implantação dessa medida, mais uma vez, prejudicou os consumidores, porque bagagens continuam sendo danificadas e extraviadas e a cobrança apartada pelo seu despacho sequer acarretou a inclusão de um seguro que facilitasse o ressarcimento dos consumidores nesses casos.

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As empresas aéreas acintosamente desrespeitam a resolução da ANAC ao substituir balanças, porque a franquia estipulada é de dez quilos e não refere tamanho, por gabaritos que são arbitrariamente utilizados por funcionários, algumas vezes mal treinados, que chegam até a colocar consumidores em situações vexatórias.

Não raro, consumidores são obrigados a despachar suas bagagens dentro do padrão estabelecido pelas empresas, por alegação de suposta segurança, porque os compartimentos das aeronaves não são suficientes para armazenar as bagagens de mão de todos os passageiros. Quando há espaço, o passageiro que senta na frente do avião acaba tendo que colocar sua bagagem no fundo, causando transtornos. Tudo isso a troco de que?

Para nós está evidente que a ANAC, que deveria bem regular o mercado e, dessa forma, beneficiar os consumidores, acabou, mais uma vez, por prejudica-los. Mesmo diante de preços bem mais altos e de nenhum impacto concorrencial positivo, insiste-se nessa cobrança inútil.

Como sempre dissemos, além de tudo, configura venda casada, porque o consumidor não pode viajar por uma empresa e despachar as malas por outra.

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*Arthur Rollo, 42, advogado e ex Secretário Nacional do Consumidor.

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