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Clubes de futebol e possibilidade de recuperação judicial -- o 'case Figueirense': inaceitável ativismo judicial

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Por Fernando Lima e Vitor Lopes
Atualização:
Fernando Lima e Vitor Lopes. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Por recente decisão proferida nos autos da apelação n.º 5024222-97.2021.8.24.0023, o Desembargador Torres Marques do Tribunal de Justiça de Santa Catarina reformou monocraticamente a sentença de extinção do processo cautelar preparatório ao pedido de recuperação judicial do Figueirense FC.

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Na decisão, o ilustre julgador afirmou que a Lei n.º 11.101/05 não vedaria expressamente as associações civis de pleitearem pedido de recuperação judicial - apesar da redação expressa constante no art. 1º da Lei 11.101/05 que limita expressamente tal possibilidade a sociedades empresárias -, bem como a Lei n.º 9.615/98 (Lei Pelé) teria equiparado as associações civis das atividades de desportos praticamente a sociedades empresárias.

Dessa forma, destaque-se que a decisão mencionada acabou por conceder novo tratamento à disciplina dos legitimados ativos para requererem pedido de recuperação judicial, possibilitando que associações sem fins lucrativos, desde que exercentes de atividade econômica, possam utilizar essa via concursal na reorganização de suas finanças.

Essa decisão impacta sobremaneira e de maneira surpreendente importante setor da economia nacional que é aquele relacionado à operação do futebol.

Assim se afirma primeiramente porque a decisão em tela prejudica o cenário de segurança jurídica tão necessário para a adequada proteção do crédito e do investimento privado nessa importante área da economia nacional.

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Isso fica mais evidente quando se observa que a decisão em tela vulnera as escolhas legislativas e políticas públicas adotadas pelo Congresso Nacional até o momento, retirando do Poder Legislativo tal prerrogativa, em inaceitável ativismo judicial.

Para que se tenha uma exata noção disso, há em curso nesse momento no Congresso Nacional o projeto de Lei n.º 5.082/2016, cujos textos iniciais foram apresentados pelos deputados Otavio Leite (PSDB/RJ) e Domingos Sávio (PSDB/MG), tendo sido aprovado na Câmara o Substitutivo de autoria do deputado Pedro Paulo (DEM/RJ), que cria a figura do clube-empresa, com regime de tributação especial para a quitação de tais débitos, bem como a possibilidade do requerimento da medida de recuperação judicial regida pela Lei n.º 11.101/05.

À luz do inciso II do art. 1º do projeto de Lei 5.082/2016, é considerado clube-empresa a entidade de prática desportiva profissional de futebol constituída regularmente em sociedade empresária, segundo um dos tipos regrados nos arts. 1.039 a 1.092 do Código Civil[1].

O clube-empresa terá a possibilidade de solicitar o pedido da recuperação judicial, extrajudicial ou falência conforme os termos da Lei 11.101/05, estando sujeitos todos os créditos sucedidos até a data do pedido, não se aplicando a comprovação do exercício regular de suas atividades há mais de 2 (dois) anos.

Atualmente o projeto, após devida aprovação na Câmara dos Deputados em votação ocorrida em 27/11/2019, fora remetido em 03/12/2019 para apreciação do Senado Federal e posterior votação de seu texto.

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Some-se a isso que também se encontra em curso, o projeto de Lei n.º 5.516/2019, de autoria do Senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG) que cria o Sistema do Futebol Brasileiro, através da tipificação da Sociedade Anônima do Futebol ("SAF"), com regras de governança, controle, transparência, além de instituir meios de financiamento e de um sistema tributário transitório para os clubes de futebol.

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Segundo esse projeto de lei, o clube de futebol ou as entidades que explorem as atividades elencadas em seu §2º do art. 1º poderão se transformar em Sociedade Anônima do Futebol ("SAF") seguindo, inclusive, as próprias regras da Lei n.º 6404/76, almejando os seguintes benefícios: (i) Regime tributário facultativo e transitório, com a previsão de recolhimento único de 5% (cinco por cento) da receita mensal para pagamento do IRPJ, PIS, CSLL, COFINS e contribuições previdenciárias; (ii)  Emissão de debêntures para financiamento da atividade futebolística; (iii) previsão obrigatória de emissão de ações ordinárias da classe A para subscrição exclusiva do Clube que a constitui, a fim de deter poder de veto em matérias sensíveis como reorganização societária e pedidos de recuperação judicial ou falência.

Ainda segundo esse projeto de lei, para a SAF possa requerer seu pedido de recuperação judicial, é necessário o voto afirmativo do seu titular em assembleia geral para a deliberação do pedido de recuperação judicial ou de falência enquanto as ações ordinárias da classe A corresponderem a pelo menos 10% (dez por cento) do capital social votante ou total.

Desde a data de 10/12/2019 o projeto acima mencionado aguarda documentação complementar a ser encaminhada pelo Ministério da Economia a respeito do impacto orçamentário e financeiro advindos de suas regras, posto que ainda é incerto o número de clubes que optariam por sua transformação em SAF.

Como se não bastasse, destaque-se ainda o Projeto de Lei nº 4.458, de 2020 (nº 6.229/05 na Câmara dos Deputados) que foi recentemente aprovado pelo Congresso Nacional tendo se convertido na Lei 14.112/20.

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Essa reforma foi fruto de diversos projetos de alteração legislativa que tramitaram ao longo de 15 anos no Congresso Nacional e, como se sabe, alterou substancialmente diversas normas da nossa atual Lei sobre recuperação judicial e falência, não tendo trazido, ainda assim, qualquer inovação nessa matéria. Isso tudo leva a crer que o legislador optou por deixar essa questão para maiores debates e aprofundamentos nos referidos projetos de Lei, a fim de analisar a conveniência e oportunidade dessa política pública.

Por tais razões, considera-se que a decisão em comento do TJ-SC vulnerou as prerrogativas do Poder Legislativo que, analisando o tema, e certamente tendo ouvido e já estando em debate com diversos atores desse importante setor da economia nacional, ainda não se convenceu do acerto e conveniência de adoção dessa política pública.

É preciso que em assuntos afetos à política econômica, proteção ao crédito e atração de investimentos privados, o Poder Judiciário seja mais deferente às opções políticas legitimamente exercidas pelo Poder executivo e Legislativo. A necessidade de maior proteção a direitos fundamentais, onde se postula e até se clama por um maior ativismo judicial, definitivamente não constitui hipótese de fundamentação para o caso de associações desportivas poderem ou não vir a postular pelo benefício da recuperação judicial.

*Fernando Lima e Vitor Lopes, sócios do escritório Villemor Amaral

[1] Sociedade em nome coletivo (art. 1.039), sociedade em comandita simples (art. 1.045), sociedade limitada (art. 1.052) e sociedade anônima (art. 1.088).

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