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Clamor deve ser por Justiça e não vingança

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Por Jacqueline Valles
Atualização:
Jacqueline Valles. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Na noite de terça-feira, uma decisão do ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal, causou espanto em muitos operadores do Direito. O presidente do STF suspendeu o habeas corpus concedido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul aos quatro condenados pela tragédia da boate Kiss e determinou que eles cumpram imediatamente as penas impostas pelo Tribunal do Júri no último dia 10.

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Os sócios da boate Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann e os integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão foram condenados por homicídio e tentativa de homicídio simples por dolo eventual pelo incêndio que resultou numa das maiores tragédias brasileiras.

Quando uma tragédia como essa acontece, há um grande clamor popular por Justiça, mas as decisões do Judiciário devem se nortear pelas leis vigentes no nosso país, não pela sede de vingança. É natural que a população queira ver a prisão dos responsáveis, mas aos operadores do Direito não cabe a sede de vingança, e sim o cumprimento das leis, a Justiça.

A decisão de Fux, no entanto, é um claro exemplo de ação de caráter midiático e populista. A suspensão do habeas corpus contraria o artigo 5º da Constituição Federal, que versa sobre o direito à ampla defesa e prevê a prisão quando se encerram as possibilidades de recursos.

Contraria também o artigo 312 do Código de Processo Penal, que prevê a prisão preventiva antes do trânsito em julgado deve obedecer a alguns critérios, como perigo à sociedade e risco de fuga, por exemplo. No caso dos condenados pela tragédia da Kiss, nenhum dos quesitos previstos no 312 se aplica. Vejamos: os réus aguardam o andamento do processo em liberdade há 8 anos e nunca fugiram, têm residência fixa e não representaram ameaça à sociedade nesse período.

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Curiosamente, o próprio STF já havia definido anteriormente que a prisão antes do trânsito em julgado tem que ser definida com base no artigo 312 do CPP. A decisão de Fux, portanto, é totalmente descabida de embasamento jurídico, já que o habeas corpus concedido pelo TJ-RS seguiu os critérios previstos na lei e na Constituição.

O que aconteceu em Santa Maria foi uma das maiores tragédias brasileiras e o sofrimento causado às vítimas, familiares, amigos e toda comunidade não deve ser minimizado, mas enquanto o Brasil viver uma democracia regida por uma Constituição e com uma ampla legislação, é preciso fazer Justiça com base nas leis e não com o objetivo de vingança.

*Jacqueline Valles é mestre em Direito Penal, jurista e sócia do escritório Valles & Valles

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