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Cide-Digital no Brasil: um tiro no pé

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Por Lisa Worcman e Ariane Guimarães
Atualização:
Lisa Worcman e Ariane Guimarães. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

É no meio da pandemia que surge o Projeto de Lei nº 2.358/2020 (PL), que busca instituir Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre a receita bruta de serviços digitais prestados pelas grandes empresas de tecnologia (CIDE-Digital). Essa proposta surge no contexto de discussão internacional para a negociação de um acordo global de tributação dos novos negócios digitais no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

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Apesar de o Brasil não fazer parte da OCDE e o próprio organismo internacional não ter chegado a nenhuma definição acerca do tratamento tributário "adequado" do mercado digital, o projeto de lei é apresentado.

Nos termos do PL, a CIDE-Digital seria devida com o recebimento, pela pessoa jurídica, de receita em três casos: na exibição de publicidade em plataforma digital para usuários localizados no Brasil; na disponibilização de uma plataforma digital que permite aos usuários interação entre si, para venda de mercadorias ou de prestação de serviços diretamente entre esses usuários, desde que um deles esteja localizado no Brasil; e na transmissão de dados de usuários localizados no Brasil, coletados durante o uso de uma plataforma digital ou gerados por esses usuários.

As alíquotas sugeridas variam de 1% a 5% sobre a receita, o que será somado, portanto, à toda a carga tributária já incidente sobre a receita, como PIS/COFINS e ISS.

Segundo o parlamento, há "preocupação com a não tributação ou a taxação insuficiente da economia digital" e "o Brasil não pode ficar fora desse movimento", como se não houvesse tributação do setor no país, o que é um erro. Os operadores da tecnologia se sujeitam a uma infinidade de tributos brasileiros, como IRPJ, CSL, PIS/COFINS, ISS, entre outros, sendo, portanto, uma inverdade a premissa do PL, de que este setor não paga tributo no país.

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Além disso, a tributação pretendida trará encarecimento das atividades do setor. Isso significa novo tributo sobre negócios já estabelecidos considerando carga tributária já bastante elevada no Brasil.

Outro ponto de inconsistência do projeto de lei diz respeito à própria conveniência de novo tributo no contexto justamente de Reforma Tributária. É certo que um dos propósitos da Reforma é justamente trazer uniformidade da tributação sobre o consumo, considerando bens e serviços, de modo que a análise de um PL com o objetivo da instituição de um novo tributo setorial não faz sentido se as próprias bases de tributação serão potencialmente alteradas.

Outro olhar importante sobre o assunto é o impacto no ambiente de negócios que este novo tributo pode causar. Ao tributar pessoa jurídica, como definido no PL, domiciliada no Brasil ou no exterior - que aufira receita bruta global superior a R$ 3 bilhões e receita bruta superior a R$ 100 milhões no Brasil, busca-se, notadamente, onerar os "gigantes" da tecnologia que vieram ao Brasil e colaboraram com a nossa inserção no cenário tecnológico mundial. Essa inserção não se dá tão somente às funcionalidades oferecidas a todos nós brasileiros, mas também ao desenvolvimento social e o engajamento promovido por essas plataformas. Ou seja, deve ser considerado o potencial impacto sobre a própria continuidade dos negócios, caso esse incremento tributário venha a ocorrer, o que evidencia a prudência de análise do aumento da arrecadação com os respectivos efeitos econômicos e o próprio abastecimento do mercado com os novos produtos oferecidos.

Vale notar que a referida receita bruta global e nacional, mencionada acima é a do ano anterior! Em um ano onde todas as empresas estão ameaçadas sob uma forte crise mundial, tributar as empresas com base nas receitas de 2019 não seria só insensato como incompatível com a Constituição Federal, em especial a irretroatividade.

Além disso, a CIDE-digital tem a intenção de incidir sobre a receita de "pessoa jurídica, domiciliada no Brasil ou no exterior". A CIDE, contribuição de intervenção no domínio econômico, é um tributo brasileiro, que necessariamente deve observar a referibilidade, de tal forma que os contribuintes sujeitos a esse tributo devam ser diretamente beneficiados pelo produto de sua arrecadação. Ou seja, como poderia uma pessoa jurídica estrangeira ser beneficiada pela intervenção do governo no segmento econômico brasileiro? Não há, notadamente, a dita referibilidade presente nesta CIDE.

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Nesse sentido, é importante compreender o cenário em que os países instituíram o digital services tax. Por exemplo, França e Itália o instituíram justamente para coibir que empresas digitais explorassem seus mercados sem se instituírem formalmente naquelas localidades, situações estas absolutamente distintas das hipóteses que estão sendo endereçadas no PL da CIDE-Digital.

Ou seja, a intenção do PL de se "igualar" e "acompanhar" o movimento internacional de tributação dos serviços digitais claramente não condiz com a realidade política e econômica do nosso país.

*Lisa Worcman e Ariane Guimarães são sócias do escritório Mattos Filho

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