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Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Cidadãos, empresas e infraestrutura sem proteção

Por Ernesto Tzirulnik
Atualização:
Ernesto Tzirulnik. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O Brasil atravessa tempos duros e é preciso otimizar os instrumentos econômicos capazes de contribuir para o bem-estar das pessoas e das empresas. Os seguros privados têm essa função e não podem ser descurados sob pena de aumentarmos os sacrifícios individuais, sociais e empresariais. Hoje, discute-se como os seguros de massa e de vida podem atenuar as perdas causadas pela circunstância de pandemia. As seguradoras de vida, no ano passado, quase todas, reconheceram que a pandemia não constituía uma causa de morte e sim uma condição ou conjuntura em que mais mortes sobreviriam, com aumento suportável de sinistralidade. Apenas algumas seguradoras resistiram aos pagamentos de capitais segurados em sinistros associados à pandemia.

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Hoje o setor discute a possibilidade de voltar a negar pagamentos. Certamente, caso isso aconteça, a confiança no seguro será menor, os conflitos serão multiplicados e a possibilidade de que as seguradoras vejam o Judiciário agasalhando suas recusas é praticamente nula. Isso porque arrecadaram 22 bilhões de reais em prêmios e a sinistralidade total foi de apenas 8,6 bilhões (39%), dos quais 1,2 bilhões (13%) associados à Covid-19. Portanto, a sinistralidade de 34% subiu para 39%. Isso é pouco se lembrarmos das despesas comerciais, que alimentam nababescamente intermediários e empresas criadas pelas próprias seguradoras, como as corretoras de bancos, as quais ficam com 32,5% dos prêmios arrecadados. Um sistema de seguro que paga custos comerciais dessa ordem não pode reclamar de sinistralidade praticamente idêntica.

O seguro não pode ser visto como um contrato que serve para enriquecer estruturas comerciais do setor segurador, em detrimento de servir à sociedade e à comunidade de consumidores. Isso está errado. Se as seguradoras querem aumentar os resultados para seus acionistas, devem cortar da própria carne e não mudar política de indenização que voluntariamente reconheceram ajustada aos seus produtos. Lembre-se que as seguradoras, mesmo ao longo de mais de um ano de pandemia, renovaram os contratos e a pandemia não pode ser, agora, algo com que não contavam, como no início de 2020. O fato de que a Covid-19, originalmente uma doença de miseráveis, agora atinge as classes abastadas, que contratam seguros de maiores valores e, inclusive, os mutuários contratantes de seguros habitacionais, não pode servir de critério para a mudança arbitrária da política de sinistros. Como observou o senador Randolfe Rodrigues na justificativa do PL 890/2020, as mortes associadas à pandemia "não consistem em áleas ou custos extraordinários às seguradoras, ou seja, não fogem às suas previsões de equilíbrios atuariais ordinárias". Oxalá as entidades representativas do setor e a Susep impeçam as mudanças arbitrárias e financistas que estão sendo discutidas neste momento no seio das entidades que reúnem as seguradoras de vida.

O que sucede nos seguros empresariais, notadamente nos que servem às atividades industriais, logísticas, energéticas e, assim, às obras e empreendimentos da infraestrutura brasileira, é também grave. Grupos de mineração, siderurgia e logística, como CSN e Vale, hoje têm seguros "para inglês ver". E os ingleses, que por meio do Lloyd's simbolizam os resseguros, certamente ficam contentes em ver que as apólices de riscos operacionais desses grupos têm franquias da ordem de 300 milhões de dólares, ou seja, nunca serão acionadas, a menos que ocorra uma imensa catástrofe, como raríssimas vezes ocorreu na história. A maioria dos sinistros que ocorrem nos riscos de property, como são chamados esses seguros de grandes riscos, ficam situados dentro das franquias e a sinistralidade baixa serve como um quebra-mar para pacificar as águas e os resultados dos resseguradores, as exuberantes comissões de corretagem etc. Não bastasse isso, esses seguros vitais para a proteção da economia têm conteúdo progressivamente minguante, deixando de cobrir eventos que necessariamente haveriam de estar cobertos.

O Projeto de Lei de Contrato de Seguro (PLC 29/2017), que poderia ajudar muito a proteger os interesses de segurados e seguradoras, com o apoio do Brasilcon, Idec, CNSeg e Fenacor, recebeu voto favorável do relator, o senador Rodrigo Pacheco, mas foi bloqueado pela área econômica do governo, BB Seguridade e Susep. Com a eleição do senador Rodrigo Pacheco para a Presidência do Senado, a relevante iniciativa parlamentar ficou órfã e hoje sequer tem relator, tornando evidente o descaso para com a mínima estruturação dos contratos de seguro. Enquanto isso, a Susep, que chegou a festejar a mortalidade dos idosos como solução para o déficit dos produtos previdenciários, promove normas administrativas altamente lesivas para o sistema com discurso ultraliberal que chega a inventar que o seguro é um contrato paritário, como se as empresas seguradas tivessem o mesmo poder de fogo das resseguradoras internacionais, epifania similar à do prefeito que propôs pulverizar álcool gel para eliminar a ameaça do coronavírus.

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*Ernesto Tzirulnik, presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS); membro consultor da Comissão de Infraestrutura do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; associado fundador do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)

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