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Chamas do Museu Nacional e o calor das paixões políticas

Por Alexandre Pereira da Rocha
Atualização:
Incêndio no Museu Nacional, no Rio. Foto: Marcos Arcoverde/Estadão

A tragédia com o Museu Nacional tem motivado debates acalorados. Há opinião para todo gosto, sobretudo as de viés político. Com efeito, essa tragédia serviu para revelar culpados: de um lado, alguns argumentam que o responsável é o governo Temer, por ter reduzido os investimentos públicos; de outro lado, alguns alegam que a culpa é dos últimos governos de esquerda, os quais desvirtuaram os recursos da cultura. As chamas que consumiram o Museu Nacional têm servido para atiçar as paixões políticas, portanto.

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Nesse sentido, o reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), responsável pela manutenção do Museu Nacional, Roberto Leher, então filiado ao PSOL, tem sido acusado como o responsável pela tragédia. Há alegações que o PSOL, por pertencer à esquerda política, promovia o atraso na gestão do Museu, inclusive recusando propostas inovadoras de governança e recursos privados. Com efeito, a esquerda com sua visão retrograda de mundo, teria sido incompetente para gerir o valioso patrimônio público que foi consumido pelas chamas.

É interessante analisar essa hipótese no momento atual, no qual os partidos de esquerda estão desmoralizados e predomina a radicalização política. Talvez, se o reitor da UFRJ não fosse filiado a partido político, poderia se avaliar essa tragédia com olhares menos politizados e se chegasse a constatação de que o Museu Nacional era desvalorizado e desconhecido pela maioria da sociedade brasileira. Era quase algo restrito ao mundo acadêmico e não da sociedade em geral.

Não obstante, Leher é filiado ao PSOL, de uma ala radical da esquerda. Pronto. Aí está o motivo da tragédia. Mas será que o real motivo disso era pertença dele a partido de esquerda com sua suposta incapacidade de gerir a UFRJ e o Museu? No mundo das conjecturas, nada assegura que se ele não tivesse partido ou fosse de um partido de direita as coisas teriam sido diferentes. Então, Leher é só um pretexto a mais para atacar partidos de esquerda como instituições legitimas para atuar na política.

Ora, no rateio dos postos públicos operado a cada novo governo, empresas estatais, autarquias, ministérios são disputados avidamente pelos partidos políticos. Geralmente os partidos buscam as pastas com maiores orçamentos e visibilidade, o que acaba sendo destinado aos dominantes. Nessa disputa, dificilmente entra no páreo o controle de um Museu Nacional, visto que recebia parcos recursos e não gera lucros. O Museu não entrava no jogo político. Isso até o dia em que ele pegou fogo.

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É demagogia apontar Leher, pelo simples fato de ser membro do PSOL, como responsável pela destruição do Museu. Se ele tem responsabilidade não é por ser de partido de esquerda, mas por não ter tido competência administrativa. Todavia, é preciso ficar claro que isso não importava para quase ninguém. Se o Museu Nacional ainda estive entre nós, pouco seria considerado se era administrado por um gestor mais à esquerda. Aliás, até as chamas que consumiram o acervo do Museu, poucos sabiam de sua existência e que era vinculado à UFRJ.

Culpados pela tragédia do Museu Nacional há muitos, mas é provável que poucos sejam responsabilizados. Contudo, o estrangulamento de investimentos nas universidades públicas, como a UFRJ mantenedora do Museu, decerto, é uma das principais causas. Esse modelo de vinculação museu à universidade pode até ser criticado, todavia, é justamente ele que tem mantido muitos museus e parques nacionais pelo Brasil afora em atuação. Isso por que a lógica de mercado para tais instituições nem sempre é viável, pois o investimento é alto e atrai poucos interessados.

É fato. O Museu Nacional era considerado despesa e não patrimônio. Assim, governos sucessivos aportaram o mínimo de recursos para que ele subsistisse, enquanto setores privados não viam nele sustentabilidade e chances de lucro. O preço a pagar por essa visão tacanha sobre a arte, a ciência, a cultura, a historiografia foi a destruição do Museu. Mas isso não serviu de lição, pois sobre as cinzas dele tem fumegado as paixões políticas polarizadas e odientas que só ofuscam os reais motivos dessa tragédia.

O Museu Nacional, destarte, é um mártir que aponta para o descaso com o patrimônio público brasileiro. Seus escombros e, talvez, restauração, devem servir como marcos para registrar a irresponsabilidade pública e privada com os acervos históricos do Brasil. Nessa seara, as paixões políticas deveriam abrir alas para a razão e a prudência, caso contrário, outras tragédias análogas ocorrerão e as chamas do Museu Nacional foram em vão.

*Alexandre Pereira da Rocha, cientista Político. Doutor em Ciências Sociais - UNB

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