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Centrais de Abastecimento: uma função institucional e regulatória

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Por Aline Lícia Klein e Vinicius Diniz
Atualização:
Aline Lícia Klein e Vinicius Diniz. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O iniciar de cada ano é um momento propício à reflexão: os problemas são identificados, elabora-se um plano de ação, estipulam-se metas e se define o que será prioritário no novo ano que chega. No espectro das políticas nacionais - ainda mais com a assunção de um governo recém ingresso - a situação não é diferente: os problemas, identificados há tempos, são catalogados de acordo com uma ordem de prioridade e, a partir desta, definem-se os planos de ação para superá-los. Daí porque consensualmente fala-se em determinados "gargalos" na infraestrutura e logística nacional, cuja superação é necessária à retomada do crescimento econômico, à geração de empregos e à esperada superação da crise.

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De fato, recuperar a economia brasileira passa por um competente e responsável processo destinado ao investimento focado nos problemas da infraestrutura nacional. Mas isso não pode significar, em absoluto, um "fechar de olhos" a outros setores tão importantes quanto e que historicamente sofrem com uma negligência indefensável.

Referimo-nos às Centrais de Abastecimento (Ceasas), responsáveis não apenas pelo abastecimento de alimentos às mais diversas regiões do país, mas também pela concreção de importantíssimos princípios constitucionais, sobretudo o direito constitucional à alimentação.

A finalidade das Ceasas transpassa a mera gestão dos espaços públicos outorgados aos comerciantes que lá se estabelecem. Sua atuação se revela como forte indutora e difusora de políticas públicas, que permeiam os âmbitos social, econômico, educacional e de saúde pública.

Esta vocação (que sempre existiu, mas que nem sempre foi respeitada) reforçou-se com a edição da Portaria n.º 339 de 11 de abril de 2014, que aumentou as atribuições do Prohort da Conab (criado pela Portaria n.º 171 de 29.03.2005) e definiu uma série de metas a serem buscadas em conjunto com as Centrais de Abastecimento (1). Estimular o intercâmbio com Universidades e Centros de pesquisa (para aperfeiçoar, por exemplo, o acondicionamento de mercadorias e reaproveitamento de alimentos), sem prejuízo de promover a ampliação e diversificação na comercialização de produtos, são claros exemplos de como a função de uma Central de Abastecimento é complexa e vai além da simples comercialização. Em síntese, vale dizer: nos dias atuais, as Ceasas detêm uma verdadeira função institucional e importante função regulatória.

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E essa função, ao contrário do que pode parecer, não surge apenas da interpretação da legislação aplicável ao setor. O próprio Tribunal de Contas da União, em paradigmático acórdão em que analisou questões afetas ao Entreposto de São Paulo (2), reconheceu a função regulatória das Centrais de Abastecimento, ao passo que asseverou que a principal função da instituição é a de "formação de preços de mercado para os produtos ali comercializados" e que, para atingir esse objetivo, a Companhia deveria manter regulamentos que garantam a concorrência, com o estabelecimento de limites para a concentração de áreas do entreposto.

Outro ponto levantado pelo TCU, cuja discussão é relevante e merece ser retomada, é o reconhecimento de que a participação dos próprios comerciantes propicia uma gestão mais eficiente e, consequentemente, uma atuação regulatória mais acertada e relacionada às necessidades do Entreposto e da sociedade. Nessa esteira, dentre os pontos relativos aos comerciantes, destacamos dois: (i) a oitiva dos comerciantes para a definição do mix de produtos a ser comercializado em cada Central e a correspondente distribuição dos espaços, e (ii) sua participação nas decisões relacionadas à contratação dos bens e serviços destinados ao uso comum da Central, acompanhando e fiscalizando as despesas.

E não poderia ser de modo diferente. Reconhecer a necessidade da participação dos comerciantes na gestão das Centrais, como forma de aprimorar a eficiência operacional dos mercados atacadistas, para além de ir ao encontro das melhores práticas desde muito utilizadas pelas principais Centrais Atacadistas do mundo, alinha-se a uma tendência já conhecida no direito público, de se valer da expertise das entidades privadas, em prol de uma administração pública democrática e de resultados.

E isso se revela ainda mais força com relação à atividade de abastecimento, sobretudo por sua singularidade e complexidade. A atividade do comerciante estabelecido em uma Ceasa não se resume à simples venda dos hortifrútis na área cuja outorga de utilização detém. O comerciante possui a expertise do negócio e conhecimento de toda a cadeia produtiva, realizando importante atividade de fomento e incentivo aos pequenos e médios produtores rurais, ampliando indiretamente a participação estatal em áreas onde comumente há pouco alcance das políticas e investimentos estatais.

Ademais, esse conhecimento de mercado os torna importantes aliados no cumprimento das diretrizes expostas pela legislação aplicável, sobretudo daquelas definidas pelo Prohort. Afinal, ninguém melhor do que o próprio detentor do conhecimento sobre a cadeia produtiva para auxiliar na ampliação e diversificação dos produtos bem como na organização do setor produtivo rural.

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Contudo, seja pela negligência da atuação estatal, seja por administrações pouco profissionais nas Centrais, a gestão na prática se afasta daqueles objetivos previstos em lei para a atividade de abastecimento e negligencia a salutar participação dos comerciantes na gestão das Centrais.

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Eis o desafio que se alumbra ao novo governo federal: com o auxílio e efetiva participação dos comerciantes - detentores da expertise e do conhecimento sobre a cadeia de produção -, fazer valer as disposições legais e determinações do Tribunal de Contas garantindo a função indutora e difusora de políticas públicas, bem como a função regulatória das Ceasas. Tais medidas serão fortíssimas aliadas na busca por uma atividade de abastecimento cada vez mais completa, diversificada e organizada.

(1) Sem exaurir as metas existentes no programa, as principais se resumem a: (i) ampliar e diversificar a comercialização desenvolvida nas centrais de abastecimento e em outros mercados abastecedores, alinhando-os às necessidades e expectativas de seus clientes (inc. VI da Portaria); (ii) estimular a interação das centrais de abastecimento com as universidades, órgãos de pesquisa e fomento, instituições públicas e privadas, organizações não governamentais e as políticas públicas de abastecimento, de segurança alimentar e nutricional (inc. VII); (iii) observar a organização do setor produtivo (inc. IX); induzir e privilegiar a comercialização de produtos hortigranjeiros, cuja base de produção tenha observado padrões agroecológicos recomendados, em benefício do meio ambiente e da segurança alimentar do consumo (inc. X).

(2) Acórdão n.º 2050/2014 - TCU - Plenário, proferido no Processo n.º TC 012.613/2013-4

*Aline Lícia Klein e Vinicius Diniz, advogados do Porto Lauand

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