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Celso de Mello alega questões médicas e decide antecipar a aposentadoria para 13 de outubro

'Razões estritas de ordem médica tornaram necessário, mais do que meramente recomendável, que eu antecipasse a minha aposentadoria', disse o ministro ao Estadão. Saída do decano abre primeira vaga no STF para indicação de Bolsonaro

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Por Rafael Moraes Moura/ BRASÍLIA
Atualização:

Ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal. Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, informou à Corte que vai deixar o tribunal no dia 13 de outubro. Na prática, a decisão do ministro antecipa o seu desligamento em três semanas, abrindo a primeira vaga no STF para indicação de Jair Bolsonaro. Hoje, o favorito para a cadeira do decano é o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira. A articulação pela aprovação do nome de Oliveira já vem sendo feita nos bastidores do Senado.

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"Razões estritas (e supervenientes) de ordem médica tornaram necessário, mais do que meramente recomendável, que eu antecipasse a minha aposentadoria, que requeri, formalmente, no dia 22/09/2020", disse Celso de Mello ao Estadão.

O decano rechaçou as especulações levantadas nas redes sociais de militantes bolsonaristas, que atribuíram a antecipação da aposentadoria a uma tentativa de se livrar do imposto de renda. "NÃO foi por invalidez!!! Foi uma simples e voluntária aposentadoria, eis que possuo pouco mais de 52 anos de serviço público (Ministério Público paulista + Supremo Tribunal Federal)", frisou Celso.

Relator do inquérito que investiga se o presidente tentou interferir politicamente na Polícia Federal, conforme acusação de Sérgio Moro, Celso de Mello completa 75 anos em 1º de novembro, quando se aposentaria de forma compulsória. "Espero poder julgar, na medida do possível, os casos de que sou relator", afirmou Celso, que determinou que o chefe do Executivo prestasse depoimento presencialmente.

A decisão do decano acabou afastada pelo ministro Marco Aurélio Mello, que analisou um recurso de Bolsonaro durante a licença médica do colega. A discussão está marcada para começar no dia 2 de outubro no plenário virtual, mas integrantes da Corte articulam nos bastidores tirar o caso da ferramenta digital e colocá-lo nas tradicionais sessões transmitidas pela TV Justiça.

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A antecipação da aposentadoria de Celso de Mello não apenas acelerou as articulações em torno da definição do seu sucessor como reacendeu na Corte a discussão sobre quem deve assumir a relatoria do inquérito que investiga Bolsonaro. Segundo o Estadão apurou, integrantes do STF se dividem sobre o tema.

"Ante a urgência de todo e qualquer inquérito, de todo e qualquer processo-crime, há de ser distribuído (a outro ministro). Não aceito simplesmente herdar", disse no último domingo Marco Aurélio Mello ao Estadão, ao defender um sorteio eletrônico para definir o novo relator do caso, após a saída de Celso de Mello. "Sou substituto do ministro Celso de Mello, não pelo patronímico Mello, mas por antiguidade, enquanto ele integrar o tribunal. E não aceito designação a dedo. Mas, como os tempos são estranhos, tudo é possível."

Coube a Marco Aurélio decidir sobre o recurso de Bolsonaro para suspender o depoimento presencial por conta da licença médica do decano.

O regimento interno do STF prevê que, em caso de aposentadoria do relator, o processo é herdado pelo ministro que assume a vaga. Dessa forma, o nome que vier a ser escolhido por Bolsonaro deve assumir o acervo de processos de Celso de Mello - o que abre margem para a insólita situação de um ministro indicado pelo chefe do Executivo assumir a relatoria de um inquérito que investiga o próprio presidente da República.

"Seria muito ruim que o presidente estivesse na posição de nomear o ministro ou ministra que assumiria a relatoria de um inquérito contra ele. Se essa situação acontecer, espero que o Senado questione o indicado ou indicada sobre isso e, idealmente, perguntaria se ele ou ela se comprometeria em se declarar sua suspeição e pedir a redistribuição caso isso ocorresse", avaliou o professor Thomaz Pereira, da FGV Direito Rio.

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"Mas o melhor seria que o inquérito fosse redistribuído antes disso, para esse debate não dominar a conversa em torno da nomeação, ofuscando outros temas de grande importância."

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Desgastes. Para o Palácio do Planalto, Celso de Mello se converteu em um militante político contra o governo. Desde que Bolsonaro assumiu a Presidência da República, o decano se tornou um dos principais contrapontos do chefe do Executivo no STF, com manifestações contundentes de repúdio ao que considera excessos cometidos pelo presidente - e de defesa da democracia.

Celso já disse que Bolsonaro "degrada" o Parlamento e "minimiza perigosamente" a importância da Constituição, e criticou a fala do presidente de indicar um nome "terrivelmente evangélico" para a Corte.

Bolsonaro pretende dar uma "guinada conservadora" na escolha das duas vagas de ministros do STF que serão abertas no seu mandato - depois de Celso, o próximo a se aposentar é o ministro Marco Aurélio Mello, em julho de 2021. O chefe do Executivo já disse que pretende escolher para a Corte um nome "terrivelmente evangélico" para a Corte e que "tome cerveja" com ele.

Entre as decisões do STF que contrariaram o Planalto ao longo dos últimos meses, estão a suspensão da nomeação de Alexandre Ramagem para a chefia da PF, a autonomia para Estados e municípios tomarem medidas para enfrentar a pandemia, a criminalização da homofobia, a manutenção da demarcação de terras indígenas com a Funai e a proibição de extinguir conselhos criados por lei. Ainda aguardam julgamento na Corte ações caras à pauta de costumes, como a descriminalização da maconha (julgamento marcado para o ano passado, mas adiado sem definição) e do aborto, além da reforma da Previdência.

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No cálculo político feito pelos aliados do presidente, é considerada decisiva na definição dos nomes a posição contrária dos postulantes ao cargo à chamada "pauta de costumes", como a descriminalização das drogas e do aborto. Para o Palácio do Planalto, o STF possui atualmente um perfil "progressista", o que pode ser mudado agora.

Amigo do presidente da República, Jorge Oliveira possui uma relação íntima com Bolsonaro e é visto como um nome que defenderia o seu legado, evitando frustrações que outros ex-presidentes tiveram com suas escolhas para a Corte.  O ex-presidente Luiz Inácio Lula, por exemplo, se decepcionou com a indicação de Joaquim Barbosa, considerado algoz do PT no julgamento do mensalão.

Celso de Mello retornou ao trabalho nesta sexta-feira, após uma licença médica.  O afastamento inicialmente estava previsto até este sábado, 26, mas foi encerrado na quinta, 24.

Fatura. A saída do decano do STF antecipa outros movimentos políticos importantes. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), tem agora uma carta na manga para aprovar sua recondução ao cargo e pode cobrar a fatura. Motivo: é Alcolumbre quem define o calendário para a sabatina do novo ministro do Supremo. A indicação é de Bolsonaro, mas precisa passar pelo crivo do Senado.

Alcolumbre tenta aval do Supremo para disputar novo mandato, já que a Constituição proíbe a recondução de presidentes da Câmara e do Senado ao cargo na mesma legislatura. O assunto foi discutido em recente jantar na casa do senador Weverton Rocha (MA), líder do PDT.

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O nome do ministro do STF precisa ser sabatinado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), votado no colegiado e depois no plenário. O escolhido só é aprovado com o voto favorável de no mínimo 41 dos 81 senadores.

A presidente da CCJ, Simone Tebet (MDB-MS), destacou que o rito será seguido. "Só depende do Executivo indicar e a Mesa Diretora (do Senado) encaminhar para a comissão", disse a parlamentar.

Os últimos três ministros que chegaram ao STF foram aprovados pela Casa em menos de um mês após a indicação.

"Tenho convicção de que o presidente Bolsonaro escolherá uma pessoa conservadora nos costumes e que vai praticar a retidão da Justiça estabelecida na nossa Constituição", disse o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), da bancada evangélica, uma das bases de sustentação do presidente no Congresso. Nos bastidores, o nome do juiz federal William Douglas, de Niterói, é visto com bons olhos por parte dos evangélicos, mas ele divide a torcida com o ministro da Justiça, André Mendonça, que é presbiteriano. Não há um consenso entre os parlamentares./ COLABORARAM VERA ROSA, DANIEL WETERMAN E CAMILA TURTELLI

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