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Cédula de Crédito para Sociedades Limitadas

Se uma sociedade limitada desejar captar recursos fora do sistema bancário, não há título de crédito na legislação brasileira para instrumentalizá-la.

Por Lúcio Feijó Lopes , Nadine Pfeifer , Bruna Gomes , Gustavo Sudatti e João Branchier
Atualização:

Segundo a Serasa Experian, foram constituídas 189 mil limitadas somente em 2018. Usam este tipo societário desde startups de tecnologia e fintechs, a empresas da economia tradicional de pequeno a grande porte. Cada uma com suas próprias necessidades de capital de giro e capex.

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Diferentemente das sociedades anônimas que, para viabilizarem juridicamente suas captações, podem emitir tanto títulos de crédito bancário (como Cédula de Crédito Bancário (CCB) e Cédula de Crédito Industrial (CCI)), quanto títulos não-bancários (como debêntures), às limitadas não é dado tal possibilidade.

Os instrumentos jurídicos de dívida disponíveis às Ltdas. são basicamente de dois tipos: títulos de crédito bancário ou contratos de mútuo/financiamento celebrados com mutuantes em geral.

A legislação brasileira não prevê um título de crédito com características de cartularidade, literalidade, autonomia, abstração e tipicidade, que sociedades limitadas possam emitir para suprir suas necessidades de capital de curto, médio e longo prazos, com exceção dos bancários. Nota promissória poderia servir para esse propósito, mas sua rigidez e limitações de forma, termos e condições estabelecidas na Lei Uniforme de Genebra (Decreto 57.663/66) restringem sua utilização.

Numa linguagem figurativa, seria como se de um lado do rio o tomador estivesse sedento por crédito, na outra margem o financiador estivesse disposto a concedê-lo, mas não há ponte "jurídica" para ligar as partes e documentar o empréstimo.

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É uma lacuna jurídica com impacto econômico negativo gigantesco. Veja-se o setor de tecnologia, onde startups são "cash burn" por longo período até tornarem-se rentáveis (em 2017 existiam 10 mil delas, segundo a Associação Brasileira de Startups). No Brasil, para passarem o conhecido "vale da morte" e tracionarem, precisam realizar vários rounds de captação de dívida e equity com investidores. Como não possuem histórico de crédito ou ativos tangíveis, as fontes de dívida vêm de financiadores não-bancários, que não dispõem de título cambiário para documentar seu mútuo.

A falta de um título não-bancário que startups possam emitir restringe substancialmente a disponibilidade de funding a este setor, a exemplo de todos os outros.

Embora contrato de mútuo possa ser considerado título executivo extrajudicial se observados os requisitos legais, títulos de crédito per si conferem maior segurança jurídica ao credor por suas características cambiárias. Sem contar no fato de que a jurisprudência sobre contratos de mútuo mostra que, dependendo de como forem elaborados, podem sujeitar-se à revisão judicial com certa facilidade.

Para sanar esta lacuna, a solução seria a instituição por lei de um novo título de crédito a ser denominado "Cédula de Crédito".

Moldado na Cédula de Crédito Bancário (CCB) (Lei n.º 10.931/2004), a Cédula de Crédito seria um título de crédito não-bancário emitido por pessoa física ou jurídica em favor de pessoa física ou jurídica, representando promessa de pagamento em dinheiro, decorrente de operação de crédito de qualquer modalidade.

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Ao permitir sua emissão por "pessoa física ou jurídica", a Cédula de Crédito beneficiaria tanto sociedades limitadas quanto outros tipos societários (como EIRELIs, microempresas, empresas de pequeno porte e sociedades anônimas), empresários individuais e microempreendedores individuais.

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O título poderia ser lastreado ou não por garantia real e fidejussória, inclusive com a possibilidade de previsão de conversão do crédito em capital social da emitente pessoa jurídica.

Nele poderiam ser livremente pactuados (i) juros remuneratórios e de mora sobre a dívida, (ii) atualização monetária ou de variação cambial, (iii) incidência de multas e penalidades contratuais, (iv) obrigações da emitente, credor e terceiro garantidor, (v) hipóteses de vencimento antecipado da dívida, e (vi) demais disposições acordadas entre emitente e credor.

Por ser título, a Cédula de Crédito seria transferível mediante endosso em preto, o que seria um avanço relevante frente ao mútuo que, por ser contrato, requer a cessão com interveniência do devedor.

A exemplo das CCBs, somente a via do credor seria negociável, devendo constar nas demais a expressão "não negociável".

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Sua validade e eficácia não dependeriam de registro, e ficaria dispensado o protesto para garantir o direito de cobrança contra endossantes e terceiros garantidores.

Sem dúvida, a criação da Cédula de Crédito seria um divisor de águas na instrumentalização jurídica de captações de recursos por sociedades limitadas. Além disso, viabilizaria o modelo jurídico de inúmeras fintechs e empresas de crowdfunding, que são obrigadas a utilizarem contratos de mútuo (com seus riscos jurídicos e limitações) para operarem seus negócios.

Fazendo um paralelo com o direito comercial dos Estados Unidos, a Cédula de Crédito seria um tipo de "convertible note", que consiste num título de crédito, com possibilidade de conversão da dívida em capital social da empresa emitente, amplamente utilizado por startups para levantar recursos junto a financiadores não-bancários e investidores de equity.

Por todo este contexto, a instituição da Cédula de Crédito na legislação brasileira representaria um grande avanço no ambiente de negócios e econômico do país como instrumento jurídico não-bancário moderno para acesso a funding, especialmente por sociedades limitadas.

*Lúcio Feijó Lopes, sócio, Nadine Pfeifer, Bruna Gomes, Gustavo Sudatti e João Branchier, associados, da área societária do Feijó Lopes Advogados

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