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Caso Eduardo Bolsonaro: o que prevalece?

Por Vera Chemim
Atualização:
Vera Chemim. FOTO: DIVUGAÇÃO Foto: Estadão

A notícia de que o presidente Bolsonaro quer nomear o seu filho Eduardo para o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos causou impacto nos meios jurídico e político.

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A razão para aquela reação reside fundamentalmente no fato de que determinados cargos públicos não podem ser exercidos por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, da autoridade nomeante.

Trata-se pois do que se entende por nepotismo e o alcance daquele conceito, no que diz respeito aos cargos e/ou funções públicas no âmbito dos Poderes públicos.

Assim, o nepotismo se manifesta quando um "agente público", utiliza a sua posição de poder para nomear ou contratar cônjuge ou parente para cargos públicos.

A questão tornou-se confusa, em razão de previsão constitucional e legal, relativamente à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, notadamente após o julgamento do tema e da edição da Súmula Vinculante n.º 13 (referente ao julgamento da ADC-12), na qual predomina a posição de que cargos políticos não se enquadram na dita súmula e que os princípios elencados no artigo 37, da Constituição Federal de 1988 se aplicam apenas, para os casos de nepotismo correspondentes à nomeação de parentes para cargos "meramente administrativos".

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Nessa direção:

- o RE-579.951, de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski de 2008; - o RE-28.024 AgR, o RE-29.099, ambos de 2018 e a Rcl-17.627 (2014), todos de relatoria do ministro Roberto Barroso; - o RE-825.682 AgR, de relatoria do ministro Zavascki de 2015; - o RE-7.590 de relatoria do ministro Dias Toffoli de 2014; - a Rcl 6.650 MC-AgR da relatoria da Ministra Ellen Gracie de 2008, além de outros julgados da Corte.

É importante explorar o presente tema na atual conjuntura político-institucional em que se discute a constitucionalidade e legalidade da nomeação de parentes para cargos administrativos ou políticos. A esse respeito, o RE-1133118 de repercussão geral reconhecida no Plenário Virtual do STF e cujo mérito ainda não foi julgado deverá ser objeto de debate entre os ministros, no sentido de decidir em caráter definitivo, se a proibição ao nepotismo prevista na Súmula Vinculante n.º 13 alcança a nomeação para cargos políticos.

Portanto, salvo mudança de entendimento daquela Corte, a Súmula Vinculante n.º 13 a princípio, admite o nepotismo apenas para cargos "meramente administrativos" e aparentemente contrasta com a Carta Magna e com a legislação atinente ao tema.

A Súmula Vinculante n.º 13 foi editada e publicada em 2008, após a decisão em plenário do STF, em sede da ADC-12 ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), do Distrito Federal, em razão da Resolução n.º 7/2005, do CNJ - Conselho Nacional de Justiça - que disciplinou a questão do nepotismo com relação aos servidores do Poder Judiciário e que foi declarada constitucional na referida ADC.

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Uma vez publicada a referida Súmula Vinculante, a decisão de vedação do nepotismo estendeu-se para todos os órgãos do Poder Judiciário, como também para a Administração Pública direta e indireta, em todas as esferas de governo: federal, estadual e municipal, conforme previsto no § 2.º, do artigo 102, da Constituição Federal de 1988.

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O pressuposto óbvio do ponto de vista jurídico é o de que o nepotismo é uma prática ilícita nos três Poderes Públicos (executivo, legislativo e judiciário) decorrente da previsão contida no caput do artigo 37, da Constituição Federal de 1988, onde se encontram elencados expressamente os princípios constitucionais que orientam a conduta de todos os membros daqueles Poderes Públicos.

À época (2008), um dos principais fundamentos do pedido do CNJ foi que "a vedação ao "nepotismo" é regra constitucional que decorre dos princípios da impessoalidade, igualdade, da moralidade e eficiência administrativa", conforme exposto em relatório do ministro Carlos Ayres Britto.

Contudo, ainda persiste a discussão sobre a constitucionalidade e legalidade da nomeação de parentes em linha reta para cargos de natureza política, uma vez que a referida Súmula parece enquadrar apenas a vedação ao nepotismo na esfera administrativa e tem gerado dúvidas acerca da interpretação da doutrina, no que se refere à legislação e à jurisprudência.

Nesse diapasão é válido observar que tal função seria "típica" do Poder Legislativo, no sentido de disciplinar a matéria que acabou sendo analisada e decidida pelo Poder Judiciário e provocando inclusive, críticas sobre o seu "ativismo judicial".

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Polêmicas à parte, aquela zona cinzenta necessita ser elucidada por meio de uma análise da leitura cuidadosa da Constituição Federal e da legislação relativamente à posição atual da jurisprudência da mais alta instância do Poder Judiciário.

Em primeiro lugar há que se reconhecer a inconstitucionalidade e consequente ilegalidade da nomeação de parentes não somente para cargos administrativos, como também para cargos de natureza política.

O Capítulo VII da Constituição Federal de 1988 trata exclusivamente da Administração Pública direta e indireta dos três Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, disciplinando a conduta de seus membros, além de estabelecer todos as suas obrigações e respectivos direitos.

Ressalta-se o caput, do artigo 37 que prevê a obediência aos princípios constitucionais (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), além de vários incisos que garantem as suas obrigações e direitos e de modo especial para a presente análise, os incisos I e II que dispõem sobre a forma de ingresso aos cargos públicos e com ênfase, o inciso XI, cuja redação é importante destacar:

"XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional (refere-se às autarquias e fundações públicas), dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos ...(..)".

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Diante dessa previsão é desnecessário repetir que os dispositivos constitucionais são de amplo espectro, não somente quanto aos conceitos de "cargos, funções e empregos públicos", como também, quanto ao conceito de "agente público, incluindo-se aí, os servidores públicos efetivos, contratados e nomeados, bem como os "agentes políticos", cuja função pública é de caráter eletivo e transitório, além dos empregados na administração pública indireta.

É conveniente definir o que se entende por cargo, função e emprego público, todos incluídos no conceito de "agente público" que, por sua vez abrange o "agente político", conforme explicitado no parágrafo anterior.

- o cargo público é ocupado por servidor público; - a função é ocupada por agentes públicos, abrangendo a função temporária e a função de confiança; - o emprego público é ocupado por empregado público que atua na Administração Pública indireta.

De especial relevância, destaca-se o § 4.º, do artigo 37 (norma de eficácia limitada de acordo com a classificação de José Afonso da Silva) que remete à legislação especial, quando se tratar de atos de improbidade administrativa cometidos por agentes públicos em suas múltiplas funções.

Observe-se a redação do dito parágrafo:

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"§ 4.º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível".

Por sua vez, o artigo 39 trata da remuneração dos servidores públicos, destacando-se o § 4.º, cuja redação inclui "o membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os ministros de Estado e Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados...(...)".

Nesse sentido é válido lembrar que a Lei de Improbidade Administrativa a que o § 4.º, do artigo 37 da Carta Magna remete, define em seu artigo 2.º, quem é o chamado "agente público".

"Art. 2.º. Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

Por sua vez, o artigo 1.º mencionado no artigo 2.º prevê que:

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Art. 1º. Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.

Observe-se que o artigo 4.º dispõe, em consonância com o caput do artigo 37, da Carta Magna, que:

"Art. 4.º. Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos".

Portanto, o conceito de "agente público" alcança não apenas o denominado "servidor público" (cujo ingresso deu-se por meio de concurso público), como o servidor público contratado por tempo determinado e o empregado público, além do "agente político" cuja função representativa é de caráter eletivo (voto popular).

Partindo do pressuposto de que todos os dispositivos constitucionais analisados em conjunto com os dispositivos da Lei de Improbidade Administrativa prevista no § 4.º, do artigo 37 da Carta Magna remetem à compreensão da amplitude do conceito de "agente público", o qual inclui o "agente político" é de se deduzir logicamente que os cargos e/ou funções de natureza política estariam inquestionavelmente enquadrados à disciplina da Súmula Vinculante n.º 13.

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Por consequência, o "agente público" (sem olvidar que inclui o "agente político") tem a obrigação de atender aos princípios elencados no caput do artigo 37, da Constituição Federal e no artigo 4.º, da Lei de Improbidade Administrativa invocada no § 4.º, do artigo 37 da Carta Magna.

A esse respeito é útil lembrar que o caso Aécio Neves, enquanto "agente político" teria que atender à previsão constitucional (caput do artigo 37) e legal (artigo 4.º da Lei de Improbidade Administrativa), quanto ao atendimento do Princípio da Moralidade.

A presente análise permite afirmar com segurança, que a nomeação de parentes para cargos políticos caracteriza o nepotismo e por consequência afronta diretamente a Constituição e a Legislação.

O futuro julgamento do Recurso Extraordinário exposto no início do presente artigo será a oportunidade para que o STF possa dirimir incontinenti essa polêmica já exaustivamente explorada na doutrina e agora no ambiente político.

A despeito da necessidade de se preservar a segurança jurídica e de se respeitar especialmente, o princípio de impessoalidade e legalidade, a nomeação do filho do atual presidente da República constituiria um delicado atalho no que se refere à competência e atribuições do corpo diplomático brasileiro e de quebra, um ato normativo na contramão de sua promessa no sentido de privilegiar a capacidade técnica para a nomeação de seus assessores de confiança.

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Nessa direção, o parágrafo único, do artigo 41, da Lei n.º 11.440/2006, que institui o regime jurídico dos servidores do serviço exterior brasileiro prevê que:

"Parágrafo único. Excepcionalmente, poderá ser designado para exercer a função de Chefe de Missão Diplomática Permanente brasileiro nato, não pertencente aos quadros do Ministério das Relações Exteriores, maior de 35 (trinta e cinco) anos, de reconhecido mérito e com relevantes serviços prestados ao País".

A redação in fine do referido parágrafo estabelece por si só as restrições que deverão ser obrigatoriamente atendidas para que se possa almejar o referido cargo.

Tais restrições teriam que ser debatidas no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal. Na hipótese de aprovação, o tema seguiria para o plenário para que pudesse ser definitivamente decidido.

Como se isso tudo não bastasse, o Decreto n.º 7.203/2010, que dispõe sobre o nepotismo na Administração Pública Federal não deixa dúvidas sobre os impedimentos que cerceiam a nomeação de parentes para cargos de natureza administrativa e política, uma vez que tratam do conceito de "agente público".

Seria extremamente oportuno que o presidente Dias Toffoli tomasse a iniciativa de pautar o RE-1133118 no início dos trabalhos daquela Corte visando a eliminação total de qualquer dúvida com relação ao tema, até porque a referida súmula vinculante muito provavelmente será objeto de provocação daquele tribunal, por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade, no sentido de ser revisada ou cancelada, conforme estabelece o § 2.º, do artigo 103-A, da Constituição Federal de 1988.

Por outro lado, o Congresso Nacional precisa refletir sobre...

*Vera Chemim, advogada constitucionalista

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