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Caso concreto de 'aberratio ictus'

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Por Rogério Tadeu Romano
Atualização:
Rogério Tadeu Romano. FOTO: ARQUIVO PESSOAL  Foto: Estadão

Se alguém comete um homicídio com arma de fogo e, além do resultado intencional, atinge outra pessoa por erro de pontaria, o segundo crime - mesmo não sendo uma consequência pretendida - também deve ser tratado como doloso.

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Com esse entendimento, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que, ao analisar o caso de um homem acusado de matar alguém intencionalmente e atingir outra pessoa de forma não fatal, desclassificou para lesão corporal culposa a conduta relativa ao resultado não pretendido.

No recurso apresentado ao STJ, o Ministério Público sustentou que o TJRS contrariou o Código Penal ao desclassificar a imputação relativa ao segundo fato - apontado na denúncia e na sentença de pronúncia como homicídio qualificado tentado, cuja vítima foi atingida por erro no uso dos meios de execução.

Segundo o relator do caso, ministro Nefi Cordeiro, existem duas modalidades de erro na execução, de acordo com o artigo 73 do Código Penal: aberratio ictus com resultado único, unidade simples; e aberratio ictus com resultado duplo, unidade complexa.

O ministro afirmou que, de acordo com os autos, além da vítima originalmente visada, outra pessoa foi atingida pelos tiros desferidos pelo acusado, incidindo a regra do concurso formal de crimes.

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"Nesses casos, o elemento subjetivo da primeira conduta, o dolo, projeta-se também à segunda, não intencional, ainda que o erro de pontaria decorra de negligência, imprudência ou imperícia do agente", afirmou.

A matéria foi objeto de discussão no REsp 1853219.

Também chamada "desvio do golpe", ou "aberração no ataque", a aberratio ictus, ou erro na execução, ocorre quando o agente, por inabilidade ou acidente, acerta não a vítima visada, mas outra que se encontra próxima daquela. Tal figura penal é diversa do erro sobre a pessoa, previsto no artigo 20, § 3º, do Código Penal, onde há a constatação de um engano com relação a representação, quando o agente crê tratar-se de outra pessoa. Por sua vez, na aberratio ictus, o agente, visando atingir determinada pessoa, involuntariamente, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, acaba atingindo outra. Na aberratio ictus (artigo 73 do CP) como no erro quanto a pessoa do artigo 20, § 3º, do CP, o agente responde como se tivesse praticado o crime contra a pessoa visada ou pretendida.

O Código Penal determina que não há dois delitos (o consumado e o tentado), mas um crime único. No entanto, se a pessoa originalmente visada for ainda lesada, aplica-se o concurso formal que é previsto no artigo 70 do Código Penal. É certo que, na doutrina, tem-se a lição, no regime do Código anterior, de Costa e Silva (Código penal, 1930, pág. 171 a 172) que dizia: "A melhor doutrina, em nosso entender, é a que reconhece, na aberratio ictus, a possibilidade de uma ocorrência ideal de crimes: uma tentativa, quanto a pessoa almejada, e um delito culposo, quanto à pessoa atingida...". Dizia ele que "a analise das figuras do error in obieto e da aberratio ictus evidencia que elas são muitíssimo diversas entre si. Na primeira, não há como descobrir uma tentativa criminosa contra a pessoa ou coisa que o agente tinha em vista e que nenhum ataque veio a sofrer; na segunda, a tentativa existe perfeitamente caracterizada por um começo de execução. Esta diferença basta para justificar a diversidade de soluções". Esta a doutrina que dominou na Alemanha, com Hippel, Mezger, dentre outros. Repita-se que o direito brasileiro resolve a hipótese como no modelo anterior, reconhecendo a ocorrência de um resultado único, um só resultado criminoso. Na solução de Carrara, se A dispara o seu revólver contra B, mas a bala, em vez de atingir a este, vai matar C, que está próximo, há um resultado único: um homicídio doloso consumado. A solução reúne as duas realidades de B e C numa figura única - um ser humano, que foi na realidade alvejado e que foi na realidade atingido, tomando em consideração o dolo de homicídio que animou o agente, e o resultado de homicídio em que aquele dolo se realizou e concluindo por um só fato de homicídio doloso.

Firma-se, desta forma, que na aberratio ictus há erro proveniente de inabilidade do agente (RT 491/254).

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É certo que há, no direito penal, casos de divergência entre o representado - desejado e causado em que o agente responde, como sustentam Ranieri, pela consequência não querida, a título de responsabilidade objetiva, onde se tem o chamado delito preterintencional. Assim o resultado se prenderia ao comportamento do agente pelo simples nexo de causalidade, o que torna a responsabilidade somente através de um evento causal típico (Manuale, pág. 275), como informou Aníbal Bruno (Direito penal, parte geral, 1967, pág. 78). Aliás, como ainda informou Aníbal Bruno (obra citada), o § 226 do Código que se ocupa da lesão corporal com resultado da morte, é interpretado geralmente como hipótese de responsabilidade objetiva, como se lê de Mezger, Sauer, dentre outros. Mas não se pode esquecer que vinga a ideia de que vincula-se o segundo resultado mais grave, a responsabilidade do agente a titulo de culpa, interpretação que, no direito penal, vem de Binding e de Carrara. É o que se vê da leitura do artigo 19 do Código Penal onde se diz que pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente.

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Na matéria, há de se seguir as lições de Paulo José da Costa Jr. (Comentários ao código Penal, volume I, 2ª edição, pág. 373), quando disse que não são poucos aqueles que entendem (Frosali, Rende, Zuccalà, em seu Il delictto preterintenzionale, pág. 58) que subsista uma identidade estrutural de tipo entre a aludida categoria dogmática da preterintencionalidade e os crimes de duplo evento, isto é aqueles com respeito aos quais se estabeleça um aumento de pena sempre que se verifique um ulterior evento além daquele necessário à consumação. Outros, como se lê das lições de Antolisei (Manuale de diritto penale, Milano, 1963, parte geral, pág. 393), após sustentarem que o único delito de crime preterintencional é o homicídio preterintencional ou preterdoloso, destacam-no da categoria dos delitos agravados pelo evento.

Casos existem ainda de divergência entre o idealizado e o produzido, previstos pela norma, pelos quais se responde objetivamente pela consequência não desejada. No artigo 73 do Código Penal, repita-se, em sua primeira parte, o evento causado apresenta algo de diverso, sendo a pessoa visada uma e outra atingida, apesar da homogeneidade e consequente fungibilidade do bem ofendido. Como disse Paulo José da Costa Jr. (obra citada, pág. 375), "a consequência não querida apresenta o mesmo quid de divergência com relação à pessoa pretendida e um plus , visto que, afora a pessoa visada, foi igualmente golpeada uma outra. Finalmente, no art. 74, produz-se evento qualitativamente diverso e juridicamente relevante, mudando consequentemente o nomen iuris do delito realizado".

Pelo artigo 74 do Código Penal, em hipótese sob a rubrica "resultado diverso do pretendido", a aberratio criminis, quando, por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo. No exemplo sempre trazido, quando o agente tenta quebrar uma vidraça, mas por erro de pontaria, atinge uma pessoa, causando-lhe lesão corporal, responderá pelo crime de lesão corporal culposa (artigo 129, § 6º do CP) e não por tentativa de dano. Caso ocorra o inverso, pretendendo o agente ferir uma pessoa e a pedra, vindo a atingir a vidraça, não se punindo o dano culposo, dever-se-á reconhecer uma tentativa de delito de lesão corporal.

A aberratio ictus está prevista no artigo 73 do Código Penal, e a aberratio delicti é prevista no artigo 74 do mesmo diploma legal, compondo o que a doutrina convencionou chamar de crime aberrante, como se vê da lição de Bettiol (Sul reato aberrante , in Scritti giuridice in memoria di Massari, Nápoles, 1938, pág. 199), anotada por Paulo José da Costa Jr. (obra citada, pág. 373). De toda sorte, inspira-se o Código Penal, com a redação que lhe foi dada pela Lei 7.209/84, à parte geral, no chamado código zanaderlianno, afastando-se do chamado Código Rocco, de 1930, que, em seu artigo 52, fazia referência ao erro ou a outro acidente. O Código Penal brasileiro afora o erro executivo só admitiu o fortuito como causa de desvio do golpe. Nada além. Não admitiu o chamado erro de percepção, ao lado da aberratio e do fortuito, como se lia do Projeto Hungria para o Código Penal de 1969, que foi revogado.

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Necessário apontar os pontos de contato entre os dois institutos, aberratio ictus e a aberratio delicti, citados por Paulo José da Costa (obra citada, pág. 377):

  1. Discordância entre o desejado e o realizado;
  2. A discordância entre o desejado e o realizado deve-se a um acidente ou erro no uso dos meios de execução do crime;
  3. Na categoria em foco existe sempre uma divergência entre o evento idealizado-desejado e a consequência obtida, mas não querida. Assim trata-se ou de uma consequência não desejada da mesma espécie daquela prevista e desejada, sem que venha a mudar o título do delito, embora o efeito da conduta venha a recair sobre pessoa diversa daquela contra a qual a agressão era endereçada (artigo 73, primeira parte: pretender-se ofender Fulano e, ao invés, Beltrano foi atingido). Ou irá se tratar de consequência diversa da idealizada e desejada pelo agente (art. 74, primeira parte: o agente propôs-se a danificar a vitrina de Fulano e, ao contrário, ofendeu a integridade física de Fulano ou de Beltrano);
  4. A divergência entre o pretendido e o realizado é devida a um erro que se verifica não na fase do juízo, mas do mecanismo da ação.

Como o erro tem lugar na fase executiva do crime, não se poderá falar em erro de pessoa, que se constitui em subespécie do error in obiecto, que se origina de uma falsa representação da realidade (erro de percepção), que vem a intervir no processo de formação do dolo. Por sua vez, a aberratio deriva de um erro executivo , que surge em um momento posterior à ideação e à volição. Sendo assim, no erro in persona , o agente vem a atingir pessoa diversa daquela que tinha intenção de ofender, por se haver equivocado a respeito da identidade do objeto, trocando uma pessoa por outra.

Já na aberratio, por sua vez, o agente individualiza, de modo preciso, o sujeito que tencionava ofender e, contra ele, desenvolve sua conduta, sem obter o resultado que tinha em mira pela aparição de uma causa desviadora. A aberratio surge não mais no processo de formação da vontade, mas no estágio em que a vontade se realiza no plano dinâmico. A interferência da causa aberrante impede que o acontecido venha a corresponder ao desejado. Haveria uma inabilidade ocorrida na fase executiva do delito. Mas a presença da inabilidade, como causa de mudança involuntária do resultado, não constitui um elemento necessário do crime aberrante, que tem como característica essencial e única , a defasagem no resultado produzido.

Fala-se que na aberratio ictus (em sentido estrito) por erro na execução a pessoa pretendida está presente no local dos fatos, mas não é atingida. O agente (que quer matar "A" e acaba matando "B") responde pelo crime normalmente, porque a pessoa pretendida equivale à pessoa pretendida (teoria da equivalência). Fala-se em aberratio ictus em sentido amplo quando também é atingida a pessoa que o agente pretendia ofender. Ele atinge quem queria ("A") e, além disso, também um terceiro ("B") (ou terceiros). Esse terceiro (ou ainda terceiros) é (ou são atingidos) por erro na execução ou por acidente. O agente, com uma só conduta, atinge duas pessoas: uma ele queria alcançar ("A"), a outra ("B") foi atingida por acidente ou por erro na execução. A isso a doutrina, com Luiz Flávio Gomes chama de aberratio ictus em sentido amplo ou com resultado duplo.

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Mister observar as hipóteses de divergência da aberratio.

Distingue-se a aberratio ictus da aberratio delicti porque, na primeira, o desvio recai sobre a pessoa-objeto material do crime, que é diversa daquela desejada. Já na aberratio delicti, a modificação diz respeito ao objeto jurídico do crime.

Na aberratio ictus, a ofensa, mesmo recaindo sobre sujeito passivo diverso do visado, permanece idêntica na espécie, embora possa haver uma mudança de gravidade, quanto às circunstâncias. Na aberratio delicti, tem-se um evento de natureza diversa da do idealizado e, assim, uma lesão heterogênea com respeito àquela desejada. Isso porque um resultado diverso significa crime diverso, porque no evento está a essência do crime, tendo-se uma mudança no titulo do crime. Luiz Flávio Gomes (Aberratio ictus por acidente ou por erro na execução) adverte que "na aberratio ictus (qualquer que seja a hipótese) há sempre uma relação pessoa-pessoa (leia-se o agente pretendia atacar uma pessoa e por acidente ou por erro na execução atinge pessoa diversa, ou atinge a pessoa que queria assim como uma terceira). A relação se dá entre seres humanos. Quando se trata da relação coisa-pessoa o instituto muda de nome, chama-se de aberratio criminis (art. 74 do CP)."

Fala-se em aberratio ictus por acidente. É ainda Luiz Flávio Gomes que traz a lição (obra citada): "O exemplo mais marcante de aberratio ictus por acidente talvez seja o da mulher que queria matar o marido, um lavrador, e colocou veneno em sua marmita. No dia dos fatos ele resolveu não trabalhar e foi para a cidade. Os dois filhos do casal ingeriram a comida e morreram. Pessoa pretendida: o marido. Pessoas atingidas por acidente: os filhos. Com uma conduta só, duas mortes. Concurso formal de crimes. Para efeito de pena, é como se tivesse matado o marido. Nesse caso devemos admitir a existência de uma aberratio ictus por acidente, não o error in personae, porque não houve má representação da realidade. Por puro acidente os dois filhos do casal acabaram morrendo. De outro lado, não se trata de uma aberratio ictus por erro na execução. Não houve um erro inabilidade, sim, um acidente."

Para Paulo José da Costa Jr. (obra citada, pág. 382), a tentativa escapa ao âmbito do artigo 73 do Código Penal. Para ele, trata-se de impossibilidade de realização da tentativa, por faltar uma sua componente essencial: o dolo, utilizado para integrar a ofensa de pessoa diversa daquela pretendida. A tentativa (da pessoa pretendida) não poderá coexistir com o crime consumado (da pessoa diversa), em matéria de aberratio. Ou será absorvida ou anulada pelo crime consumado.

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Por outro lado, Paulo José da Costa Jr. (obra citada, pág. 392) leciona que o dolo, de qualquer espécie, deve endereçar-se à pessoa visada (ou ao fato-objeto pretendido) e somente em direção a ela. Exclui-se, desta forma, a possibilidade do dolo investir a pessoa diversa. Isso porque o plus previsto no artigo 73 do Código Penal não é atribuído ao agente mesmo que não desejado, mas somente se não desejado. Isso porque não se poderá conceber um comportamento doloso qualquer com respeito à pessoa atingida e não visada.

Se, por erro de execução, o agente atingiu não só a pessoa visada, mas também terceira pessoa, aplica-se o concurso formal (RT 598/420).

Celso Delmanto, Roberto Delmanto e outros (Código penal comentado, 6ª edição, pág. 148) expõem alguns exemplos:

"Suponha-se que o agente tomado do propósito homicida, deseja matar Ana, que está ao lado de Lúcia. Por "desvio do golpe" (CP, artigo 73) pode só acertar involuntariamente, Lúcia (resultado único) ou atingir ambas (resultado duplo). Resultado único (incide a primeira parte do art. 73).

  1. Se Lúcia morre, há um só crime a punir: o de homicídio consumado;
  2. Se Lúcia é ferida, o crime único será o de tentativa de homicídio;
  3. Se Ana era mulher do agente, aplica-se a agravante do artigo 61, II, e ainda que sua amiga Lúcia tenha sido a única atingida;
  4. Se Lúcia era mulher do agente, não cabe a mesma agravante, pois não foi ela a pessoa a quem o agente quis atingir.

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Resultado duplo (aplica-se a parte final do artigo 73):

  1. Se Ana e Lucia morrem, há homicídio doloso consumado, mas com a pena aumentada de um sexto até metade, pelo concurso formal;
  2. Se uma delas morre e a outra fica ferida (Ana ou Lúcia, indiferentemente) pune-se só o homicídio doloso consumado, com o aumento da pena pelo concurso formal;
  3. Se ambas são feridas (Ana e Lúcia), há tentativa de homicídio, com a pena aumentada pelo concurso formal.

Dolo eventual. Se o agente atuou com dolo eventual com relação a Lúcia (que estava junto à pessoa visada), continuará havendo concurso formal, mas aplicando-se as penas cumulativamente, na forma descrita pela parte final do art. 70 (concurso formal imperfeito), entendendo-se que há desígnios autônomos.

Dolo direto. Se o agente propositalmente quis atingir ambas para matar (ou ferir) as duas, ou para matar ou ferir as duas, ou para matar uma e ferir a outra, é inaplicável este art. 73, pois não houve "desvio do golpe".

Interessante é o exemplo oferecido por Luiz Flávio Gomes (obra citada) se o agente queria matar Antônio, errou e matou João. Disparou novamente contra Antonio e mais uma vez errou, matando Joaquim. Para ele, há, nessa situação, dois homicídios dolosos autônomos, porém, em continuação.

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Ocorrendo erro na execução, não se consideram as qualidades da vítima, mas a da pessoa visada pelo agente (RT 598/420).

Ainda para Paulo José da Costa Jr. (obra citada, pág. 395) o "plus" não desejado é atribuído ao agente a titulo de responsabilidade objetiva. Essa conclusão viria da concepção havida na Itália. Para ele, a posição, no Brasil, não deve ser diversa. Diz ele: "De fato, a segunda parte do art. 73 não exige qualquer indagação acerca do comportamento psicológico do agente, limitando-se a determinar que, "no caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender", ser-lhe-á imposta a mais grave das penas cabíveis, ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada em qualquer caso, de um sexto até a metade (art. 70). Para Paulo José da Costa Jr. (obra citada, pág. 396), subsiste, contudo, a responsabilidade mesmo quando não seja possível divisar uma das modalidades de culpa, na atitude do agente. Mas tal responsabilidade objetiva, porém, não iria depor a favor da unidade, ou da pluralidade de crimes. Ainda para Paulo José da Costa Jr. (obra citada, pág. 399), na situação prevista pela segunda parte do artigo 73 do código Penal, existe não só uma unidade de ação, como pluralidade de eventos, da mesma espécie, encontrando-se reunidos aí os elementos contidos na primeira parte do artigo 70, caput: " uma só ação ou omissão" , prática de "dois ou mais crimes". Assim, disse Paulo José da Costa Jr., "a pluralidade de atos, dos quais um poderá ser a causa da ofensa desejada, outro o caso da ofensa não pretendida, não impede a unidade de conduta". Isso porque a unidade de ação deriva da conjuntura e da unidade de elemento subjetivo da hipótese em foco, onde se responde pelo evento desejado a titulo de dolo e pelo evento não pretendido, a titulo de responsabilidade objetiva.

Discute-se a questão da legitima defesa e da incidência da aberratio ictus. Dir-se-á que é reconhecível, mesmo quando por erro na execução, terceira pessoa vem a ser atingida (RT 600/321).

A propósito, discutiu-se, no passado, sob o império da Constituição de 1946, caso rumoroso em que o Senador Arnon de Mello foi acusado da morte do senador José Kairala (morto por arma disparada pelo Senador Arnon de Mello durante a briga deste com o senador Silvestre Péricles) e acabou absolvido, pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, por estar provada legítima defesa de agressão injusta da honra e do direito. Entendeu-se que quanto a morte do Senador Kairala (PSD - AC), Arnon de Mello responderia como se tivesse atingido Silvestre Péricles, o seu verdadeiro alvo.

Para Júlio Fabbrini Mirabete (Manual de direito penal, volume I, 21ª edição, parte geral, pág. 321) pode ocorrer aberratio ictus numa causa justificativa, como será o caso da legitima defesa. O agente ao repelir uma injusta agressão de outrem, atinge um terceiro inocente por mero acidente ou erro no uso dos meios de execução. Nem por isso deixa a justificativa de ser inadmissível, se comprovada, uma vez que quem age em legítima defesa pratica um ato licito (RT 370/189, 393/129, 409/394). Como conclui Júlio Fabbrini Mirabete (obra citada, pág. 321), no erro da execução do fato típico, manda o dispositivo que o agente responda como se o estivesse praticando contra a pessoa que pretenda atingir, que, no caso, é o autor de uma agressão injusta.

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Outra discussão se dá com relação a hipótese de erro de execução com resultados múltiplos. Aqui se entende que não há crime único, mas, sim, concurso de crimes, devendo-se, no caso de crime doloso contra a vida, serem questionados os jurados a respeito de cada uma das vítimas (RT 566/351). Poder-se-ia pensar num critério de prevalecimento do evento sobre a vontade, que imporia a aplicação de um aumento até a metade, para cada ofensa produzida em detrimento da pessoa diversa.

O Anteprojeto do Código Penal prevê, no artigo 27, § 2º, o erro sobre a pessoa, quando se diz: "O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vitima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime."

Por sua vez, o artigo 89 do Anteprojeto, fala em erro na execução, determinando que: "Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se às disposições do erro sobre a pessoa. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplicam-se as regras do concurso formal de crimes."

O resultado diverso do pretendido está previsto no artigo 90 do Anteprojeto do Código Penal, quando se diz que: "Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado pretendido, aplicam-se as regras do concurso formal de crimes."

*Rogério Tadeu Romano, procurador regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado

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