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Cartórios já lideram comunicação de operações suspeitas ao Coaf

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Por Claudio Marçal Freire
Atualização:
Claudio Marçal Freire. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Uma discussão que a todo momento se dá no Brasil, e que independe do Governo no Poder é sobre o tamanho do Estado, o que deve ser gerido pelo Poder Público e o que deve ser delegado à iniciativa privada. Correntes doutrinárias de um lado e de outro defendem posições antagônicas, que muitas vezes se arrefecem ao longo do tempo, se ajustando às condições e realidades vividas pela sociedade.

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Passando ao largo de tomar partido desta discussão, trago a realidade dos serviços notariais e registrais brasileiros, um modelo híbrido, que mescla a prática de um serviço público, só que delegado a particulares mediante concurso público, e que abastece de informações estratégicas, serviços essenciais e receita oriunda da fiscalização tributária os poderes públicos em suas diferentes esferas: municipais, estaduais e federais, além de atuar na prestação de um serviço essencial à população.

É o caso do recente levantamento que aponta que os cartórios, como entes obrigados a comunicar, foram aqueles que mais enviaram comunicações suspeitas - 132 mil - ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) entre os meses de fevereiro e abril deste ano, superando o total de comunicações efetuadas pelos bancos ao longo de todo o ano de 2019 - média de 10 mil/mês. Informações sigilosas, que serão analisadas pelo órgão especializado, para que se avalie a necessidade ou não de se abrir uma investigação por crimes de lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo.

Com o advento do Provimento nº 88 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que normatizou a atuação do segmento notarial e registral brasileiro no combate à lavagem de dinheiro, o País passou a estar em pé de igualdade com as principais nações do mundo, dando eficácia à Lei Federal nº 9.613/1998, que trata dos crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores. Também assim, os cartórios passam a exercer esta atribuição, já praticada por notários e registradores em diversos países (sim, há cartórios em outros 89 países do mundo!).

As comunicações efetuadas de forma efetiva ao Coaf retratam um exemplo clássico dos serviços prestados pelos cartórios extrajudiciais ao Poder Público, sem qualquer contrapartida de despesas ou custos para os entes da União, que recebem uma informação exata, fornecida por um profissional do Direito, localizado em todos os municípios do País, onde, muitas vezes, é o único braço do Estado presente naquela localidade: instalados, equipados e administrados sem qualquer despesa pública.

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O mesmo exemplo pode ser estendido a diversos órgãos do Poder Público, como as comunicações de óbitos e nascimentos ao Ministério e às Secretarias de Saúde, para a elaboração de políticas públicas nesta área, nascimentos ao IBGE, Exército e Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para as estatísticas vitais da população, alistamento militar e eleitoral, transações imobiliárias para a Receita Federal, dados sobre casamentos e imóveis de estrangeiros para o Ministério da Justiça, entre outros 14 órgãos públicos para os quais as informações dos cartórios são primordiais.

Ainda sem ônus algum ao Poder Público, os cartórios brasileiros lidam, também, com a fiscalização de recolhimento de tributos nas transações imobiliárias e de outros bens, que totalizam em média R$ 45 bilhões ao ano, em verbas que abastecem os cofres de municípios, estados e da União. Também recolhem em seus emolumentos (taxas dos serviços), valores que são repassados ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, que tanto atua nas investigações, e à Defensoria Pública, para advocacia da população mais humilde.

Mais recentemente, os cartórios passaram a contribuir com o Poder Público na desobstrução das demandas judiciais - processo conhecido como desjudicialização -, executando serviços de retificações administrativas, usucapião, apostilamento, recuperação de dívida ativa, divórcios, inventários, partilhas, entre outros atos extrajudiciais, desburocratizando processos que antes levavam anos para serem solucionados na Justiça e agora são rapidamente resolvidos em um cartório. Uma nova contribuição ao Poder Público e à sociedade, sem qualquer ônus ao Governo.

Diante de tamanha contribuição ao Estado, sem gasto algum por parte deste, é de se estranhar o movimento cada vez mais frequente da entrada de setores não regulados em atribuições delegadas constitucionalmente aos cartórios. O serviço, todos reconhecem, é essencial, por isso não visam sua extinção, mas sim sua substituição, sem que tenham que se submeter a observação constitucional da delegação de tais atividades por concurso público ou, ainda mais sério, sem serem fiscalizados pelo Poder Judiciário. Dessa forma, são favorecidas as atividades de infratores, fora do alcance da fiscalização das Corregedorias e do CNJ, e sem sujeição ao Provimento de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, regulado pelo Coaf.

Vitais para o exercício de direitos fundamentais, para a circulação de propriedade e para a obtenção de crédito como garantia real, os Cartórios brasileiros cumprem agora compromisso essencial também no combate à lavagem de dinheiro, à corrupção e ao financiamento ao terrorismo, prestando serviços, informações e segurança jurídica às pessoas, às empresas e aos Poderes Públicos mesmo diante do cenário de pandemia que assola nosso País e todo o mundo. O Coaf é o mais novo ente público beneficiado deste trabalho.

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*Claudio Marçal Freire, presidente da Associação Nacional dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg/BR)

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