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Carro parado. Seguro em movimento. Seguradoras na contramão

Se o risco diminuiu significativamente, por que o prêmio do seguro não cai?

Por Carolina Cavalcanti , Inaê Oliveira e Vitor Boaventura
Atualização:

Carolina Cavalcanti, Inaê Oliveira e Vitor Boaventura. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A pandemia do Covid-19 parou o mundo. No Brasil, as políticas de isolamento social, em alguns casos lockdowns obrigatórios - determinados de formas distintas em cada estado e sem coordenação por parte do governo federal - iniciaram-se em março. Desde então, houve significativa redução dos deslocamentos urbanos, o que parece ter resultado, em muitos casos, na significativa redução do risco coberto pelos seguros de automóveis, de que trata o artigo 770 do Código Civil.

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O risco é um dos elementos essenciais do contrato de seguro. Define-se pela possibilidade de ocorrência de um evento predeterminado capaz de lesar o interesse garantido. O risco influencia, portanto, a formação da taxa aplicada para o cálculo do prêmio. Essa taxa resulta de contas atuariais realizadas pelas seguradoras, que levam em consideração a vinculação entre prêmio e risco.

Na execução do contrato de seguro, o risco pode aumentar ou diminuir. Caso o risco diminua de modo considerável (situação que, à primeira vista, é a dos seguros de automóveis em plena pandemia) poderá o segurado exigir a revisão do prêmio ou a resolução do contrato, a seu exclusivo critério. Trata-se de um direito do segurado. Esse direito, no entanto, previsto no art. 770 do Código Civil, é desconhecido do grande público - isto é, da maioria dos usuários dos chamados seguros de massa, a exemplo do seguro auto.

Munidos de dados e bases históricas de sinistro, os seguradores e a própria Superintendência de Seguros Privados (Susep) dispõem de detalhadas informações para verificação, ou não, de significativa redução do risco nos seguros de automóveis a partir do início da adoção de medidas de isolamento social como parte do esforço coletivo de contenção do contágio da Covid-19.

No entanto, alguns dados públicos analisados acerca da ocorrência de acidentes, furtos e roubos de automóveis, mostram uma foto com boa resolução, indicativa da provável redução substancial do risco nesses contratos de seguro. Os dados divulgados pelo poder público, naturalmente, não indicam se os automóveis têm ou não seguro contratado, mas justificam uma presunção: nos casos em que há cobertura por seguro de automóveis, o risco coberto pelo seguro diminuiu consideravelmente. Essa presunção deveria servir, no mínimo, para deflagrar alguma discussão sobre redução de prêmio no seguro auto.

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No estado de São Paulo, por exemplo, segundo informações da Secretaria de Segurança Pública, entre abril e maio, 8.471 veículos foram furtados e 4.207 veículos foram roubados - em oposição ao registro de 15.834 furtos e 8.159 roubos no mesmo período do ano anterior, o que representa uma redução percentual de 46,5% e 48,5%, respectivamente). No Distrito Federal, o número de acidentes de trânsito fatais caiu, na comparação mensal entre os meses de março, abril e maio, com os mesmos meses do ano passado, respectivamente, de 15 para 3, 11 para 3, 7 para três. Surpreendentemente, em comparação entre junho de 2020 e junho de 2019, a redução foi de 10 para 1 ocorrência com morte, conforme dados extraídos da série histórica de acidentes de trânsito fatais em vias públicas do Distrito Federal (DETRAN), divulgados pelo Governo do DF. Segundo a Secretaria de Segurança Pública do DF, o número de ocorrências de roubo de veículos diminuiu 22,04% nos cinco primeiros meses de 2020, em comparação com o mesmo período de 2019. Em Recife, a redução no número de acidentes é igualmente significativa: em março de 2020, a redução foi de 189% em comparação com o ano anterior e de 1.180% no mês de abril, em comparação também com o mesmo mês do ano anterior.

Mundo afora, seguradoras reduziram prêmios, inclusive com devolução de valores já pagos, nos seguros em que os riscos cobertos diminuíram em virtude das políticas de contenção da pandemia de Covid-19. Seguradoras americanas, a exemplo da Allstate e American Family Insurance, anunciaram a devolução de cerca de US$ 800 milhões a seus clientes que possuem seguros de automóveis. Em Portugal, algumas seguradoras como a Zurich e a Fidelidade anunciaram iniciativas para devolver parte do valor dos prêmios aos clientes. No Reino Unido, a Admiral, promoveu um programa de reembolso automático, em montante estimado de 100 milhões de libras esterlinas.

No Brasil, entretanto, apesar de muitos carros estarem parados, os seguradores seguem em movimento, e trafegam na contramão. De certa maneira amparadas pelo silêncio dos órgãos de supervisão e controle, e a despeito do que os seus pares no mundo têm feito, as seguradoras vêm solenemente se omitindo sobre o tema, mesmo após solicitação expressa do segurado. O produto da falta de iniciativa tende a ser o aumento das ações judiciais entre seguradoras e segurados, que acabarão por congestionar um sistema judiciário já bastante assoberbado com as demandas existentes, quadro agravado pela chegada de novas ações decorrentes da Covid-19.

Em tempos de pandemia, mais do que nunca, seguradoras precisam cumprir a sua função primordial no contrato de seguro: garantir a socialização de perdas sociais, através do reforço de laços de solidariedade entre os indivíduos.

*Carolina Cavalcanti, Inaê Oliveira e Vitor Boaventura, advogados, sócios de Ernesto Tzirulnik Advocacia - ETAD

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