É preciso ter em mente que o CARF permitia a compensação de créditos em discussão judicial, desde que a ação tivesse sido ajuizada antes da vigência da Lei Complementar n. 104/2001, que incluiu o artigo 170-A no Código Tributário Nacional (CTN). Essa compreensão é resultado da aplicação de tese assentada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em recurso especial repetitivo, segundo a qual o artigo 170-A do CTN não se aplica quando a ação judicial tiver sido protocolada antes da vigência do referido dispositivo (REsp 1.164.452). Por força do Regimento Interno do CARF, o colegiado deve obediência à tese firmada no recurso repetitivo.
No que tange ao caso julgado pelo CARF em março, ao que parece, o artigo 170-A já estava em vigor quando o contribuinte ajuizou a ação judicial, o que torna o precedente oportuno e inédito. O órgão dispensou ao citado dispositivo do CTN interpretação em conformidade com a atual doutrina de precedentes vinculantes adotada pelo Brasil, (repercussão geral, recurso repetitivo, controle concentrado de constitucionalidade, entre outros). A ideia, amparada no artigo 927 do Código de Processo Civil, é simples, lógica e se adéqua ao ordenamento jurídico processual brasileiro: juízes e tribunais observarão a jurisprudência firmada em precedente vinculante.
Com o estabelecimento das teses objetivas pelo STF e pelo STJ e na hipótese de a jurisprudência do CARF se firmar no mesmo sentido do entendimento fixado no julgamento de março, sai-se do campo da possibilidade de repetição de indébitos - uma vez que uma ação judicial por si só não garante a restituição de tributos pagos indevidamente - para a seara do reconhecimento do direito de receber. Segundo o Pronunciamento nº 25 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), isso tem efeito prático importantíssimo e perpassa, necessariamente, pelos conceitos de ativo contingente e ativo.
É cediço que o ativo contingente não é líquido ou certo, nem está sob o controle da empresa. Se o contribuinte ajuizar uma ação de repetição de indébito contra a União por ter recolhido tributos indevidamente, ele terá chance de receber recursos que ensejem futuros benefícios econômicos. Sendo provável a chance de isso ocorrer, haverá o registro de um ativo contingente. Contudo, com a possibilidade de compensação de créditos antes do trânsito em julgado, desde que fundada em precedente vinculante, o contribuinte passará a ter a certeza do seu direito.
Uma vez liquidado administrativamente (meros cálculos aritméticos a partir da comprovação dos recolhimentos indevidos), o ativo outrora contingente passará a ser, efetivamente, um ativo, ficando sob o controle da entidade, que decidirá proceder à compensação ou não. Reconhecido o ativo, a contrapartida contábil será uma receita para o contribuinte, já que o pagamento indevido realizado à época foi uma despesa. Isso significa que a empresa terá elevado o seu ativo e o seu resultado do exercício.
Nessa toada, com o precedente vinculante, o Poder Judiciário estará confirmando o direito de todos os contribuintes que ingressarem com ações na Justiça ao reconhecimento de ativos (outrora) contingentes como efetivos ativos. Essa é a materialização do precedente vinculante, até então instituto procedimental. Isso representa, entre outros benefícios, maior resultado no exercício, aumento de ativos e de patrimônio líquido, redução de índices de endividamento, maior possibilidade de distribuição de lucros, valorização de ações, etc.
O CARF poderá estar dando início a uma nova etapa do reconhecimento dos efeitos materiais (não apenas processuais) dos precedentes judiciais vinculantes. Entretanto, um alerta deve ser dado: os contribuintes têm de agir com cautela, pois a decisão do CARF é inédita nesse sentido. Além disso, justamente em virtude do ineditismo da decisão, antes de ingressar com qualquer ação no Judiciário, é interessante se assegurar, com advogados, a probabilidade de êxito na demanda. Igualmente são imprescindíveis a interpretação do contador acerca do novo entendimento em face da legislação vigente e a opinião de um auditor independente, a fim de evitar avaliações negativas acerca da conformidade das demonstrações contábeis.
*Bruno Teixeira é advogado do escritório TozziniFreire Advogados, especialista em direito tributário. Também é contador e mestre em ciências contábeis