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Candidatura 'laranja' será combatida com 'bala de canhão', diz nova procuradora eleitoral do Rio

Silvana Batini, que assumiu a Procuradoria Regional Eleitoral no Rio, diz que fraudes em cotas para mulheres resultarão em pedido de cassação de toda a chapa e promete atenção às fake news e aos impulsionamentos ilegais de campanhas na internet nas eleições de 2020

Por Ricardo Brandt
Atualização:

Silvana Batini. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

A nova chefe da Procuradoria Regional Eleitoral do Rio, Silvana Batini, afirma que a era digital das campanhas, com suas fake news e impulsionamentos fraudulentos, e as candidaturas "laranjas" para fraudar a lei de cotas para mulheres são o principal desafio para a Justiça Eleitoral nas eleições 2020, em momento de "intensa polarização" na política brasileira. E avisa: "partidos têm que ser responsabilizados por seus atos" e serão punidos com "bala de canhão".

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"Estaremos preparados para entrar com essas ações para cassar a chapa toda."

Professora de Direito Penal e de Direito Eleitoral na Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio e integrante da força-tarefa fluminense da Operação Lava Jato na segunda instância, Silvana Batini César Góes assumiu no mês passado a cadeira de procuradora-regional eleitoral no Rio, terceiro maior colégio eleitoral do País.

Em entrevista ao Estado, Silvana Batini - como é conhecida - falou sobre as consequências negativas para o eleitor das notícias falsas, dos abusos nas campanhas de internet e redes sociais, desafio a ser enfrentado ainda sem armas no regramento jurídico eleitoral brasileiro, e sobre a necessidade de integração com as forças de segurança pública na questão do crime organizado.

Não é a primeira vez que a procuradora, natural de Londrina (PR), ocupa a cadeira. Ela foi chefe da PRE entre 2008 e 2010. Desta vez fica até 2021. Especialista na área criminal, ela falou ainda sobre o problema das milícias e facções no Rio, criticou as decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), de enviar processos criminais para área eleitoral e sobre o fim da prisão de réus a partir da segunda instância.

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Leia a entrevista:

Estadão: A senhora assumiu o comando da Procuradoria Regional Eleitoral do Rio, o terceiro maior colégio eleitoral do País, em um momento conturbado da vida política brasileira e no Estado, onde governadores e deputados foram presos. Qual maior desafio para 2020?

Silvana Batini: No plano político, é fazer uma eleição que de alguma forma traga legitimidade do voto, o sentimento de legitimidade para o eleitor. Nós estamos vivendo um momento de intensa polarização, são eleições muito conturbadas. O País continuou nessa polarização muito forte, mesmo depois das eleições. Isso gera uma sensação de indefinição, de insatisfação muito grande. E eu acredito que quando o processo eleitoral é feito de uma maneira tranquila, mesmo aqueles que perdem, têm uma tendência de aceitar melhor os resultados e de alguma forma garantir mais governabilidade.

No plano jurídico, estrito senso, o desafio é enfrentar determinados problemas que começaram a aparecer nas eleições de 2018. E tentar das respostas mais concretas, o quê foi difícil fazer em 2018. Basicamente é essa mudança radical na forma de se fazer campanha. A Justiça Eleitoral tinha desenvolvido uma expertise muito grande para enfrentar a campanha de rua, de televisão. Toda jurisprudência e doutrina acumuladas ao longo das últimas décadas foi para fazer frente a esse tipo de campanha, que a gente pode chamar de campanha analógica. E ainda não temos parâmetros seguros para enfrentar a campanha hoje das redes sociais e o tipo de abuso que pode surgir por aí. Então esse é um desafio grande que a gente tem que enfrentar. Há também o desafio da representatividade da mulher, a gente vai completar dez anos da vigência da lei das cotas, sem conquistar a efetividade. É um desafio importante para 2020, no plano nacional.

Estadão: A sra. ocupou essa cadeira de chefe da Procuradoria Eleitoral também entre 2008 e 2010. A campanha digital é a grande mudança das eleições de dez anos atrás para hoje?

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Silvana Batini: Do ponto de vista jurídico, sim. Porque temos uma legislação eleitoral em uma campanha ultra-codificada. Temos um número muito grande de regras para campanhas eleitorais, um acúmulo que a gente construiu ao longo das últimas décadas. E agora mudou tudo. Se a gente aliar essa realidade tecnológica também com a diferença no financiamento das campanhas, isso gera um cenário novo, para o qual a Justiça Eleitoral não está totalmente equipada.

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Veja, nós fizemos as eleições de 2018, eleições gerais, em que o acompanhamento na Justiça Eleitoral foi pelos Tribunais Regionais Eleitorais e pelo Tribunal Superior Eleitoral de uma maneira concentrada. E ainda assim houve dificuldade em lidar com determinadas questões. Agora, imagine nas eleições do ano que vem, que serão realizadas e organizadas pela Justiça Eleitoral de primeiro grau. São juízes eleitorais de primeiro grau, dispersos pelo Brasil, cada um com suas convicções específicas, com suas ideias de mundo, com os estranhamentos que a tecnologia nas eleições traz. Isso vai gerar, ou tem um potencial de risco de gerar, ruídos na interpretação das leis, no controle dos conteúdos das redes sociais. Porque o TSE, de 2018 para cá, não construiu esse parâmetro para poder municiar esses juízes eleitorais. Tenho um pouco de receito em relação a isso.

Estadão: O que precisaria para a Justiça Eleitoral se adaptar à campanha das notícias falsas, mas também do uso das redes sociais, do abuso de poder na era digital?

Silvana Batini: A Justiça Eleitoral tem o dever constitucional de coibir abusos em campanha, abusos de natureza econômica, de natureza política e mesmo o abuso no uso dos meios de comunicação social, para poder garantir a normalidade e a legitimidade das eleições. A gente precisa pensar a partir das experiências que vivemos nas eleições de 2018, a partir das experiências vividas por outros países, para ver o que é que pode acontecer numa campanha de rede social. O que a rede social pode trazer durante uma campanha que altere a normalidade de uma eleição. A desinformação, a fake news, é um aspecto disso. Você disseminar mentiras com a velocidade, com o potencial de disseminação que elas têm na rede social, isso de alguma forma altera a visão do eleitor. O eleitor tem o direito de conhecer os seus candidatos em um ambiente de lealdade e de transparência, o máximo possível. Então, quando você dissemina em um ambiente muita mentira, você está prejudicando a visão que eleitor vai ter sobre esses candidatos. Mas existe também a questão do abuso do poder econômico nos impulsionamentos fraudulentos e ilegais. Porque o financiamento da campanha está bastante direcionado, delimitado pela lei, e esses impulsionamentos, quando são feitos a revelia da autorização legal, eles acabam se transformando no uso de fontes vedadas de financiamento. E isso gera desiquilíbrio, gera falta de isonomia entre os candidatos e pode também prejudicar a legitimidade.

O que falta é a gente ter uma disciplina para esse tipo de coisa. E aí, falta um regramento mais específico. Existem já algumas iniciativas do TSE, formação de comissões para estudar esse tipo de coisa, para que as resoluções para as eleições de 2020 venham com mais disciplina mais restrita sobre isso, para trazer mais segurança.

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Estadão: A judicialização deve aumentar no processo eleitoral, com essa nova forma de campanhas e o cenário conturbado da política? Ou é natural que isso aconteça?

Silvana Batini: O processo histórico que resulto nessa intensa atuação da Justiça Eleitoral nas eleições me parece um processo que, por enquanto, não tem volta. Tivemos uma intensa judicialização por conta da propaganda eleitoral durante muito tempo. A Justiça Eleitoral tendo que se preocupar com tamanho de placa, com tamanho da propaganda nas residências. Isso gerou um acumulo de atividade, desnecessário, não desejado. Diminuiu porque a legislação da propaganda eleitoral simplificou a partir das eleições passadas, mas, em compensação, foram surgindo outros tipos de conflitos. E Justiça Eleitoral tendo que dar a resposta. Então acredito que a judicialização ainda continue por um tempo. Porque também ainda não tivemos uma pacificação da legislação eleitoral. A gente não consegue fazer isso, a gente faz uma lei para cada eleição. Toda vez que o legislador mexe na lei, ele abre perspectivas de interpretação. E quem e é que tem o papel de interpretar a lei no País? É o Judiciário. Então não adianta, se a gente tiver uma lei para cada eleição, vai ter um movimento de busca do Poder Judiciário em cada eleição, para fazer interpretação daquele lei nova.

Estadão: A sra. citou o problema das cotas para mulheres, que dez anos depois da lei ainda é alvo de fraudes. Como o Ministério Público enfrentará o problema em 2020?

Silvana Batini: Essa foi uma das dificuldades ao longo desses anos de vigência da lei de cotas, porque foi meio que uma tarefa de enxugar gelo. Você coibia determinadas formas de fraude, os partidos escapavam por outra fresta, que era construída a cada eleição. O TSE produziu uma jurisprudência nos últimos meses muito radical, muito dura, que foi uma conquista importante. disseram que "se ficar provado que partido usou candidatura falsa, fraudulenta, ou como se diz, candidatura laranja, a gente vai derrubar todas as candidaturas daquele cargo do partido".

Foi uma solução extremamente radical que o TSE deu na ausência de outros mecanismos. É, digamos assim, responder com bala de canhão mesmo. Porque nessa leva, você acaba catando todo mundo eleito, inclusive mulheres. Cassa todos os registros. Mas é porque a lei não prevê outros parâmetros. Deixou todo mundo surpreso com esse avanço que o TSE fez, no sentido de sinalizar para os partidos políticos que agora é para valer, que essas cotas têm que ser respeitadas. E isso foi uma luta do Ministério Público. Era preciso que essa resposta fosse dada. E ela foi dada, para que os partidos políticos fossem convencidos que deveriam se curvar ao entendimento da lei.

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O ideal é que a gente não chegue a isso, que não precise esperar chegar a ter a eleição para identificar essas candidaturas, para aí entrar com uma ação e cassar todo mundo. Porque quando a gente cassa candidaturas assim, a gente joga votos fora. O ideal é que tivéssemos mecanismos de acompanhamento das candidaturas femininas em tempo real. Mas para isso é preciso parceria com a sociedade civil. Precisamos observar e acompanhar para saber se elas estão sendo manipuladas ou não, se estão recebendo recursos do partido ou não, se elas recebem recursos ou estão sendo obrigadas a repassar o dinheiro, se são candidaturas de fachada ou não. Se a gente conseguir minimamente acompanhar em tempo real a gente consegue produzir um resultado melhor e evitar essa medida drástica.

Agora, se não for possível, nós estaremos preparados para entrar com essas ações para cassar a chapa toda.

Estadão: Nas últimas eleições vimos ações em alguns estados contra candidaturas laranjas e fraudes no cumprimento da cota para mulheres, mas não se vê tantas cassações ainda. Qual a dificuldade de se aplicar punições aos partidos?

Silvana Batini: O que aconteceu foi uma virada recente na jurisprudência, por isso os resultados numericamente não são expressivos. Mas a decisão recentíssima do TSE é um sinal, um precedente que, de alguma forma, sinaliza como se deve, daqui para a frente, interpretar esses casos. A gente espera que várias dessas ações que ainda estão em andamento venham a ter o mesmo destino. E que para as eleições municipais esse precedente seja inspirador das demandas judiciais. Até então a gente não tinha essa ferramenta. Diante de uma candidatura laranja, não havia o quê fazer, depois de consumada a eleição. A gente começou a provocar os tribunais na busca dessa solução e o TSE veio e sinalizou 'olha, a resposta é essa, cassa todos os registros'. Doravante, é assim que a gente vai trabalhar, até que haja uma disciplina legal diferente.

É preciso buscar uma forma de responsabilizar os partidos. Porque essas candidaturas laranjas são patrocinadas por partidos. Quem tem que cumprir a cota é o partido político, então é ele que acaba, de alguma forma, arregimentando essas candidaturas falsas. O dinheiro que tem que ser empregado nessas candidaturas é posteriormente desviado para candidaturas masculinas. Então, o partido político, como pessoa jurídica, ele tem que adotar regras de adequação para que isso não aconteça e de transparência maior. E tem que ser responsabilizado.

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Os partidos políticos no Brasil têm uma espécie de blindagem com relação aos eventos ilícitos ocorridos nas campanhas por ele patrocinadas que espanta. Os partidos políticos lidam hoje com dinheiro público abundantemente, têm obrigações de prestações de contas muito rigorosas, mas não têm consequências rígidas para o descumprimento dessas regras. Desde sempre, isso é uma tradição, partidos políticos são blindados no Brasil. É hora de a gente começar a pensar que os partidos políticos têm que responder porque estão aptos a atos atentatórios à dignidade da pessoa humana. E é preciso pensar em formas de responsabilizar esses partidos até na Justiça comum, buscar indenizações em ações civis públicas, já que na Justiça Eleitoral a gente ainda não tem legislação eleitoral para essa forma de responsabilização. Como os partidos políticos lidam com muito dinheiro público, é natural que eles recebam um tratamento equivalente a outras pessoas jurídicas que lidam com o dinheiro público.

Estadão: A Lava Jato mostrou que os partidos eram usados para lavar dinheiro da corrupção na Petrobrás. Em 2017 a sra. falou em um evento que o Direito Penal um dia cruzaria com o Direito Eleitoral. Esse dia chegou?

Silvana Batini: A implicação de campanhas eleitorais em esquemas de corrupção ficou muito evidente a partir da Lava Jato. Era algo que se intuía, desde sempre, que o financiamento das campanhas era ponto muito frágil nesse mecanismo de controle da corrupção. Com a Lava Jato ficou muito claro provar. Agora, o desenrolar dessas operações mostrou que, na verdade, o processo eleitoral é uma peça dessa engrenagem. Na maioria das vezes o dinheiro passa pela campanha, mas ele continua sustentando essas forças política fora do período eleitoral. Então não dá para gente imaginar que a campanha eleitoral seja a finalidade do esquema da corrupção. A campanha eleitoral é uma etapa de passagem para você poder eleger aquele político, aquele administrador que vai continuar se beneficiando e você vai continuar sustentando aquela pessoa. Isso ficou muito nítido. O problema, e aí veja da decisão do Supremo Tribunal Federal que considerou a Justiça Eleitoral como sendo a Justiça competente, foi enxergar de uma maneira que, com todo respeito considero equivocada, o dinheiro da propina que vai parar na campanha eleitoral defina como finalidade desse sistema de corrupção. Quando a gente está enxergando que não.

A Justiça Eleitoral está vocacionada e muito bem vocacionada para fazer as eleições, para diminuir conflitos específicos do processo eleitoral. E não para julgar esses grandes esquemas de corrupção. Então é algo que gente não sabe ainda como vai acontecer, porque a decisão é recente, é de março, e agora que esse processo de migração das ações está acontecendo. A gente vai ter que aguardar.

Estadão: O poder das milícias e das facções no controle de territórios no Rio é um problema, são cerca de 15% do eleitorado vivendo nessas áreas. O Ministério Público Eleitoral tem como coibir a ação desses grupos nas eleições? E como fazer?

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Silvana Batini: É importante saber o seguinte, quando no início da entrevista a gente falou de desafios para as eleições, a gente precisa pensar quais são os problemas típicos da Justiça Eleitoral e como ela vai poder enfrentar. Campanha política, financiamento de campanha, de abusos, são problemas típicos de Justiça Eleitoral. Milícia é crime organizado. É um fenômeno transversal, não é um fenômeno da Justiça Eleitoral. Não é uma infração típica da Justiça Eleitoral, do Direito Eleitoral. É transversal. Ele vai mexer com várias áreas do sistema de Justiça, com a Polícia Civil, com a Polícia Federal, com a Justiça Estadual, com a Justiça Federal e, claro, pode trazer reflexos também para atividade da Justiça Eleitoral. Então a questão das milícias nas eleições exige integração de todos os órgãos de controle. A Justiça Eleitoral vai poder examinar os pedidos de registros de eventuais pessoas envolvidas com o crime organizado. Aí não é só a milícia, é qualquer tipo de crime organizado, narcotráfico, ou mesmo o crime organizado do colarinho branco, como a gente está vendo. A gente precisa se comprometer a fazer uma triagem muito rigorosa desses pedidos de registros, para barrar candidaturas que não preencham os requisitos legais. Isso é o papel da Justiça Eleitoral. Além disso, é preciso garantir que essas comunidades que estejam sob o domínio de organizações criminosas que os eleitores possam ter um ambiente de liberdade para fazer suas escolhas. E isso a Justiça Eleitoral precisa buscar apoio na polícia e no sistema de Justiça comum.

Estadão: Soluções com intervenção federal, envio de Forças Armadas podem ajudar a minimizar o problema na sua avaliação?

Silvana Batini: Eu acho prematuro pensar nisso. São sempre recursos que existem, estão ao alcance, não podem ser descartados de plano, mas é preciso aguardar um pouco para saber como as coisas vão se desenrolar.

Estadão: A sra. integrou a equipe da Lava Jato, na Procuradoria Regional da República do Rio, e tem sido defensora do combate à corrupção. Como recebeu a decisão recente do Supremo de rever seu entendimento sobre a prisão em segundo grau?

Silvana Batini: Eu lamentei profundamente porque essa era uma bandeira importante do Ministério Público. Mas eu sou bastante positiva. Acho que uma vez que o Supremo decidiu, está decidido. E temos que virar essa página para frente. Já que o Supremo decidiu que só se pode executara pena depois do trânsito em julgado, a gente tem que olhar para o nosso sistema olhar objetivamente o que está dificultando o trânsito em julgado nas nossas ações. Olhar friamente para o nosso sistema recursal e começar a cobrar, tanto do poder Legislativo como do próprio Poder Judiciário do Supremo Tribunal Federal, que tem sim competência e aptidão para melhorar, para se devolver o mínimo de racionalidade para isso.

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O Supremo Tribunal Federal tem várias questões aguardando julgamento e que podem melhorar bastante esse cenário, sem que precise voltar à discussão da execução provisória da pena. Por exemplo, o Supremo pode estabelecer via jurisprudência um limite de recursos que um réu pode lançar mão em uma determinada instância. Há casos de 17, 18, 20 embargos de declaração contra o mesmo acórdão. Porque a lei não traz limite, mas a jurisprudência pode trazer. O Supremo pode fazer isso, pode mexer na questão da prescrição penal. Existem já vários processos que redundaram em um agravo, que pode dar uma interpretação muito mais coerente e racional para a questão da prescrição no Direito Brasileiro. E o Poder Legislativo pode melhorar bastante também, sem a necessidade até de emenda constitucional, disciplinando a questão dos recursos, determinando o trânsito em julgado a partir de um determinado número de recursos.

Enfim, há medidas que podem e não podem ser tomadas nesse cenário novo após a decisão do Supremo. O que é importante é a gente evitar que essa decisão do Supremo nos leve de volta para o estado em que nós estávamos há dez anos atrás. Aquilo era uma epidemia. É muito ruim a gente lembrar o caso do Paulo Maluf, do Luis Estevão, aqueles casos em que se acumulavam mais de 30 recursos, às vezes mais de 40. Essa é uma medida ruim demais, é um atraso e, principalmente, ela não é republicana. Porque a gente não pode universalizar esse direito. A gente não pode garantir que todos os réus brasileiros possam lançar mão de 35 recursos. É impossível.

Estadão: A sra. acredita que o Congresso possa aprovar uma PEC que defina a constitucionalidade da execução provisória da pena em segundo grau, e essa é a hora de se fazer isso?

Silvana Batini: Acho que o momento é esse, o assunto está na pauta, a sociedade está mobilizada para isso e o Legislativo pode dar uma resposta. Eu tenho um pouco de medo de que tipo de resposta venha. Porque dependendo daquilo que o legislador escolher, pode voltar a judicializar. Então se mexer lá no Artigo 5º, vai ter que discutir se é cláusula pétrea ou não. E há formas mais simples e menos polêmicas de se fazer isso. A questão não é cumprir pena antes do trânsito em julgado, vamos definir que só se cumpre pena depois do trânsito em julgado, mas nós podemos definir por lei que o trânsito em julgado acontece em segundo grau. Isso é mais fácil de fazer, do que mexer em cláusula pétrea.

Estadão: O fim da prisão em segunda instância, a nova Lei de abuso de Autoridade, o envio dos processos criminais para Justiça Eleitoral quando há caixa 2 conexo. É a pior fase de combate a corrupção pós Lava Jato?

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Silvana Batini: Não tenho nenhuma dúvida disso. Não só a Lava Jato, quando a gente fala Lava Jato não é a operação em si, mas é o estilo, esse novo padrão e investigação, avançou bastante. É claro que tem que ser aprimorado, a gente precisa fazer revisão metodológica de atuação, aprimorar metas, mas é evidente que há hoje um movimento contrário muito forte. E a gente sente que é um movimento articulado e que pode significar um retrocesso muito grande. Espero que não aconteça. Espero que esse movimento encontre uma forma de resistência e a gente encontre um equilíbrio, que não impeça o Brasil de avançar.

A questão do combate à corrupção é uma exigência hoje da comunidade internacional para que o Brasil esteja dentro dos parâmetros internacionais, que nos colocam em grau de competitividade de mercado até. Se a gente afrouxar no combate à corrupção, nos vamos perder mercado, para a gente reduzir a uma questão meramente econômica. Além disso, se a gente retroceder no combate à corrupção, nós vamos prejudicar as ações de combate à miséria, de combate à desigualdade. Então é preciso não jogar fora o bebê com a água do banho. Fazer essa autocrítica, verificar onde a gente pode melhorar, aprimorar, mas é preciso resistir a esse ataque, porque ele é muito forte.

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