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Candidatos à Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo defendem independência do MP

Elias Rosa e Luiz Antonio Marrey avaliam suas trajetórias na instituição e afirmam manter atuação livre de influências políticas

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Por Mateus Coutinho
Atualização:

por Fausto Macedo

Um dos aspectos essenciais do Ministério Público, a independência é uma das principais bandeiras dos candidatos à Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo. Neste domingo, confira como Márcio Fernando Elias Rosa e Luiz Antonio Guimarães Marrey avaliam suas trajetórias e suas atuações em relação a este tema:

 

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INDEPENDÊNCIA

ESTADO: Até onde vai sua independência como procurador-geral?

ELIAS ROSA: A independência é absoluta e plenamente exercida. Hoje ninguém duvida da minha independência e da independência tanto da Procuradoria como do MP. Foram inúmeras demonstrações inequívocas nesses dois anos. Confrontamos em todas as frentes e jamais nos distanciamos da técnica e da serenidade. Nada pior para uma Instituição como o MP do que a dúvida acerca da sua independência, por isso atuo sempre a partir da maior transparência possível.

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ESTADO: Até onde vai a independência do procurador geral?

MARREY: A independência é plena, total, sob pena de grave violação dos deveres do cargo. No entanto, não bastam as garantias constitucionais se o Procurador-Geral tiver receio de desagradar a qualquer setor. Um Procurador-Geral digno desse nome deve indicar rumos à instituição no sentido do exercício pleno de suas atividades, única forma de honrar o mandato constitucional recebido.

 

'REPÚBLICA DOS PROMOTORES'

ESTADO: Seus opositores lhe atribuem laços com a 'república dos promotores' na administração fleuro-quercismo, na primeira metade dos anos 90. Isso influenciou ações de sua alçada na ocasião?

ELIAS ROSA: Que fique claro, não tive e não tenho qualquer vinculação ou laço com partidos ou lideranças políticas e é assim desde que ingressei na carreira. Nunca me afastei do MP e das nossas obrigações. As relações que mantenho com partidos políticos, políticos ou lideranças políticas são de natureza institucional e processual, em regra eu, em nome do MP, figuro no polo ativo e eles no polo passivo, como investigados ou réus. Todas as decisões que tomei e tomo faço questão de submeter ao controle interno e externo, garantindo absoluta transparência. Quando atuei como Promotor, fiz investigações, conduzi inquéritos e ajuizei ações independentemente daquele que deveria figurar no polo passivo, como é próprio de todos os Promotores, e todos já conhecem o meu modo de atuar como PGJ. Ninguém duvida da minha independência. Guardar isenção em relação às pessoas e imparcialidade em relação aos fatos é a minha rotina desde o dia em que ingressei no MP e disso ninguém duvida.

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ESTADO: No início dos anos 90, o senhor combateu vigorosamente a "república dos promotores" a serviço do fleuro-quercismo. No entanto, o senhor atuou no governo serrista-kassabista. Não há grave contradição em sua história e no seu discurso?

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MARREY: São duas realidades muito diferentes. Atuei no governo de maneira individual e voltei dele tão respeitado e reconhecido como antes. Não há qualquer fato concreto de influência da minha parte em qualquer membro do MP para fazer ou deixar de fazer algo. Ao contrário, agi sempre para que os problemas de legalidade apontados pelo MP fossem resolvidos imediatamente. Tal colaboração foi reconhecida em muitas oportunidades e em público pelo então Procurador-Geral Fernando Grella e até mesmo pelo meu adversário, que era subprocurador-geral de gestão daquela administração.

Deve-se a parecer meu a base jurídica para o fechamento dos bingos na Cidade de São Paulo, notoriamente explorados por organizações criminosas. Tenho parte relevante na recuperação de recursos desviados da prefeitura de São Paulo, ao ir à ilha de Jersey em companhia do Promotor Silvio Marques, do Procurador da República Rodrigo de Grandis e do Procurador-Geral do município Celso Coccaro, visita que desobstruiu os canais de colaboração entre a Justiça do Brasil e do Reino Unido. Embora eu não queira voltar a abordar o passado, a "república dos promotores" tinha como ápice um Governador membro do Ministério Público e chegou a ter mais de trinta promotores no governo. A vinculação da direção era total e evidente. Do grupo que apoiava a "república dos promotores" fazia parte o meu adversário, que foi assessor do Procurador Geral Antonio Araldo.

 

RELAÇÃO COM POLÍTICOS (MARREY)

ESTADO: O senhor foi Secretario dos Negócios Jurídicos e da Justiça dos governos municipal e estadual de Serra. Também foi secretário da Casa Civil de Goldman. Ainda assim pode garantir independência?

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MARREY: Sou membro do Ministério Público há quase 34 anos e no exercício da minha atividade nunca poupei ninguém que merecia ser investigado ou processado. Nunca deixei de processar ou investigar secretários de Estado do Governo que me havia nomeado. Às vésperas de disputar a minha primeira recondução, impedi a cobrança da "taxa da TV Cultura", que tinha sido criada por lei, mediante a propositura de ação direta de inconstitucionalidade, atitude que poderia desagradar o governo Covas. Fui ao STJ, com sucesso, para exigir do então Ministro da Aeronáutica, a entrega de dados sobre o acidente com avião da TAM ocorrido em 1996.

Fui ao STF para tentar evitar que o Presidente Fernando Henrique, sem aprovação do Congresso, autorizasse a transferência para o Canadá de dois sequestradores condenados pelo sequestro de Abílio Diniz. Não sou filiado a partido político e a minha história de exercício de independência do cargo pode ser verificada por uma pesquisa simples nos arquivos do "Estadão", inclusive com reconhecimento na sua parte editorial. Aliás, quando no governo, jamais deixei de agir com independência e legalidade, em casos que tiveram repercussão.

A colocação objeto da pergunta tende a desqualificar de maneira inaceitável e preconceituosa todas as pessoas que honradamente trabalharam no Poder Executivo e no Poder Legislativo e que foram modelos de independência e honestidade no exercício de seus cargos, como por exemplo os Ministros Paulo Brossard, Celso de Mello e Ayres Britto, do STF e o Procurador-Geral da República Cláudio Fontelles.

Luiz Antonio Marrey garante que sua relação com o ex-governador José Serra não prejudica sua atuação no MP. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

ESTADO: O senhor ainda encontra com Serra e Kassab? Mantém algum contato com eles? Sobre o que conversam?

MARREY: Não vejo pessoalmente o ex-prefeito Kassab há mais de dois anos, nem converso com ele. Aliás, vi pela página do Ministério Público na internet o registro da sua visita, como presidente do PSD, ao Procurador Márcio Rosa, que tem no seu grupo político próximo diversos colegas que foram secretários de Kassab.

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Quanto ao Serra, de vez em quando encontro-o socialmente em algum evento, tal como a recente posse do Desembargador Fábio Prieto na Presidência do Tribunal Regional Federal. Nessas ocasiões, quando há a possibilidade, conversamos sobre assuntos gerais, inclusive sobre futebol, ele palmeirense notório e eu santista militante.

ESTADO: O fato de ter sido aliado desses políticos não inibe a sua independência?

MARREY: De maneira nenhuma, só tenho compromisso com a sociedade, minha consciência, o cumprimento da Constituição e com o Ministério Público. De qualquer forma, é relevante dizer que a apreciação de casos referentes a pessoas que tiveram prerrogativa de função e não mais a tem, como ex-governadores, em face de posição tomada pelo STF, deverá ser feita pela Promotoria do Patrimônio Público e não pelo Procurador-Geral. Por fim, se qualquer pessoa que preencha as hipóteses previstas na lei processual para impedimento e suspeição, tiver a sua conduta examinada pela Procuradoria-Geral, no estrito exercício da ética, passarei o caso para exame para o meu substituto legal, que é o procurador mais antigo do Conselho Superior. Aliás, tal conduta também deveria ser adotada pelo meu adversário nas hipóteses de políticos que mantém proximidade com ele. Portanto, a questão é institucional e não pessoal.

ESTADO: Seus opositores citam episódio Capez para atribuírem incoerência ao senhor. Alegam que em 1999 o senhor se manifestou contra autorização ao hoje deputado para ocupar cargo político? O que o senhor pode dizer sobre isso?

MARREY: Não vou comentar sobre isso pois o caso está protegido pelo sigilo legal. Preocupa-se muito, no entanto, que integrantes do grupo adversário, além de defenderem a redução da independência funcional dos promotores, desprezem o sigilo legal. Isso é o sinal de que para alguns deles "vale tudo" para manter o seu projeto de poder. Isto é péssimo para o Ministério Público e para a sociedade.

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INVESTIGAÇÕES (ELIAS ROSA)

ESTADO: Que investigações o sr. já tomou em relação a procedimentos em que são citados o ex-governador José Serra (caso do cartel metroferroviário) e o ex-prefeito Gilberto Kassab (máfia do ISS e outros)?

ELIAS ROSA: Os inquéritos civis foram remetidos para a Procuradoria-Geral recentemente, eles terão continuidade do ponto em que estavam. Será necessário reunir informações das demais investigações e a partir disso estabelecer uma estratégia para a apuração dos fatos. Tanto a Promotoria de Justiça como o Grupo que investiga as fraudes na Prefeitura receberam apoio permanente da PGJ e nenhuma interferência nos trabalhos. Seguindo na Procuradoria-Geral, as investigações terão prioridade e a estratégia será definida a partir do que já foi realizado.

Marcio Fernando Elias Rosa. Foto: Rafael Arbex/Estadão

ESTADO: Que investigações o sr. efetivamente realizou sobre autoridades do governo Alckmin citadas no escândalo do cartel metroferroviário?

ELIAS ROSA: Os inquéritos civis são de responsabilidade da Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e Social da Capital; o Grupo de Delitos Econômicos (GEDEC) é encarregado das investigações criminais. Apoiamos e designamos Promotores para essas investigações, inclusive para o termo de leniência com o CADE. As iniciativas da PGJ, no plano administrativo, são de apoio ao trabalho independente dos colegas e somente agora, no final de fevereiro, novos inquéritos foram encaminhados para a PGJ e lá terão continuidade, com o rigor e a independência que todo processo merece.

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PROBLEMAS

ESTADO: O que há de errado na instituição? O que precisa ser corrigido?

ELIAS ROSA: De errado nada, mas algumas questões inadequadas são facilmente identificáveis, como a impossibilidade de Promotor de Justiça poder concorrer, por exemplo, ao cargo de PGJ e a necessidade de seguirmos valorizando os nossos colaboradores e investindo no sistema próprio para o processo judicial eletrônico, o que demanda dinheiro e tempo. Há sempre o risco de retrocessos e de ameaças ao nosso trabalho, mas com persistência e profissionalismo é possível evitarmos os prejuízos, como fizemos na questão orçamentária, da PEC 37 e das instalações. Aliás, o acordo firmado na última semana com o Governo e o TJ resolveu a questão em definitivo.

MARREY: Embora haja um trabalho sério feito pelos promotores e procuradores de justiça, o Ministério Público de São Paulo precisa de liderança capaz de enfrentar os grandes problemas e não de um Ministério Público mudo e omisso na sua direção. O Brasil vive sério problema de violência e a Procuradoria-Geral de Justiça é silente quanto a isso. Estuda-se no plano federal a elaboração de uma nova lei de execução penal e se não houver o contraponto firme e visível do Ministério Público, a tendência será a adoção de soluções que resolvam o problema do administrador penitenciário e agravem os problemas da população, jogando na rua mais gente violenta, de maneira irresponsável.

Além disso, o Ministério Público de São Paulo sofre o auge de um processo de burocratização que atrapalha a vida dos promotores e lhes consome tempo inutilmente. Os servidores da instituição são em número insuficiente e precisam de um plano de carreira que os estimule. As instalações de trabalho são péssimas em muitos lugares, falta transparência na não publicação da agenda pública do Procurador-Geral de Justiça e há em curso no grupo que dirige a instituição um projeto de viés autoritário e que levará à diminuição da independência funcional dos promotores. Os Centros de Apoio aos promotores não mais prestam serviço essenciais aos membros do Ministério Público e é necessário criar uma Coordenadoria dos Direitos da Mulher e Enfrentamento da Violência de Gênero.

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ESTADO: O que mudou no Ministério Público desde a sua saída, há dez anos?

MARREY: As demandas de trabalho do Ministério Público aumentaram muito, em especial no tocante à tutela dos interesses difusos e coletivos, com o clamor das populações mais carentes no sentido de se garantir prestações positivas do Poder Público nas áreas de saúde, educação, moradia e segurança social. O processo de informatização do Ministério Público, iniciado nas minhas gestões e nas dos Procuradores-Gerais Brito Filomeno e Rodrigo Pinho se aprofundou, mas ainda hoje não apresenta uma rede de comunicação profissional capaz de permitir a todos os membros conversarem sobre assuntos jurídicos e de trabalho, em tempo real.

Aumentou a necessidade de o Ministério Público ter serviços auxiliares em quantidade e qualidade necessárias para fazer frente às novas demandas. A tradicional convivência harmoniosa do promotor com o juiz nos Fóruns, especialmente no último biênio foi ameaçada por arbitrária tentativa de despejo em massa dos espaços do Ministério Público, como se a instituição também não fosse pública e não ocupasse instalação em prédio que pertence ao Estado em sentido amplo. Na órbita criminal o Ministério Público sofreu atentado à bomba no prédio sede da rua Riachuelo, com a suspeita voltada para organização criminosa, que lamentavelmente aumentou o seu poder e suas atividades, o sistema prisional está lotado, o índice de homicídios diminuiu, embora a sua quantidade ainda seja grande, o número de roubos e latrocínios e a sensação de insegurança aumentaram.

 

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