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Candidato vai ter de usar o gogó, diz procuradora sobre limite de gasto de campanha

Eleição de outubro também não terá financiamento privado de campanha; principal preocupação da coordenadora do Grupo Executivo Nacional da Função Eleitoral (Genafe), do Ministério Público Federal, Ana Paula Mantovani, para pleito deste ano é o caixa 2

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Por Julia Affonso
Atualização:

 

Procuradora Ana Paula Mantovani. Foto: Divulgação

O caixa 2 é a grande preocupação do Grupo Executivo Nacional da Função Eleitoral (Genafe), do Ministério Público Federal, para as eleições deste ano. O fim do financiamento privado e o limite de gastos nas campanhas podem provocar uma escalada de recursos financeiros não contabilizados.

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Em 80% dos municípios, o teto para prefeito é R$ 100 mil e para vereador é R$ 10 mil, relata a coordenadora do Genafe, procuradora-regional da República em Brasília, Ana Paula Mantovani. A partir de agora, o teto máximo das despesas dos candidatos será definido com base nos maiores gastos declarados na circunscrição eleitoral anterior, no caso as eleições de 2012.

"Acho que o candidato tem de, agora, gastar mais o gogó para mostrar qual é a sua plataforma. Não espalhar santinho pela rua", afirma.

No primeiro turno do pleito para prefeito o limite será de 70% do maior gasto declarado para o cargo em 2012. No entanto, se a última eleição tiver sido decidida em dois turnos, o limite de gasto será 50% do maior gasto declarado para o cargo no pleito anterior. Nas cidades onde houver segundo turno em 2016, a lei prevê que haverá um acréscimo de 30% a partir do valor definido para o primeiro turno.

Mas nem tudo é só caixa 2. Ana Paula Mantovani, adverte que os partidos precisam ficar atentos também à cota de gênero.

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De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. As cotas de candidaturas por gênero pretendem garantir uma maior participação das mulheres na vida política e partidária brasileira.

"O procurador-geral, Rodrigo Janot, expediu recomendação a todos os diretórios nacionais no sentido de que obedeçam a cota", afirma Ana Paula Mantovani. "A gente está atento. A orientação é: partido que não cumpriu, a gente deve impugnar o DRAP inteiro, você inviabiliza todos os candidatos daquele partido."

LEIA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA

ESTADÃO: Muita gente diz que se voto fosse obrigatório, os brasileiros não votariam. A sra votaria?

ANA PAULA MANTOVANI: Eu iria. Eu acho que é uma questão cultural. A gente tem de mostrar que não adianta você ficar na sua zona de conforto, reclamando. Tem de tentar mudar de alguma forma a situação à nossa volta. O povo brasileiro sempre foi tido como um povo muito pacato, mas eu acho que os últimos tempos têm mostrado uma faceta diferente.

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ESTADÃO: Que mecanismos serão empregados nesta eleição?

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ANA PAULA MANTOVANI: Para 2016, o Ministério Público Federal acaba não sendo o protagonista da eleição. 99% das ações vão ser propostas pelos promotores eleitorais e o PRE vai atuar em grau de recurso no TRE. Desde 2012, nós criamos na nossa Secretaria de Pesquisa e Análise, a nossa área de inteligência, o nosso Sisconta eleitoral. Em 2014, ele foi amplamente utilizado para a identificação dos candidatos que são ficha-suja segundo a nossa legislação. Este ano, além de aprimorar a questão do Sisconta, nós criamos o módulo ficha-suja, que vai auxiliar os promotores a identificar os candidatos que contra eles paira alguma inelegibilidade. Desde a semana passada, demos acesso a mais de 3 mil promotores ao nosso sistema. Eles vão poder entrar no sistema e fazer a pesquisa. Nosso banco de dados é muito grande, mas não é infalível, infelizmente. A gente oficia os órgãos que detém a informação sobre a eventual inelegibilidade, todos os tribunais, conselhos profissionais, tribunais de conta. A gente ainda depende desses órgãos entrarem e alimentarem o sistema. Se o órgão entra e alimenta, eu tenho uma base de dados confiável. Se não entra, eu tenho que complementar minha pesquisa. Mas ele tem muita informação. O módulo ficha-suja vai tentar rastrear informações para também repassar aos promotores. Eu não consigo repassar nada pronto, 'está aqui o caixa 2', 'está aqui comprovado o abuso de poder econômico'. Mas eu consigo mostrar indícios para o promotor iniciar uma investigação e provavelmente começar uma ação contra o candidato. A gente tem um contato muito bom o Coaf, mas fixamos algumas diretrizes. O próprio TSE constituiu um grupo de trabalho com TCU, Receita, Coaf, vários órgãos de investigação, e nós definimos com esses órgãos todos 13 tipologias que nós vamos pesquisar nesses bancos de dados que tem a ver com a parte de financiamento de campanha e prestação de contas. O TCU vai rodar essas bases de dados e informar ao Ministério Público quando tiver algum problema. O Coaf também vai emitir os relatórios de informação fiscal que vai chamar de eleitoral quando tiver o nome de algum candidato com alguma movimentação atípica.

ESTADÃO: Como a Procuradoria se prepara para enfrentar os desafios de uma eleição sem financiamento de empresas?

ANA PAULA MANTOVANI: Essa eleição vai ser diferente e nós vamos ter um aprendizado de todos os lados, da Justiça Eleitoral, do Ministério Público e dos candidatos. A gente não vai ter o financiamento privado e também tem um teto limite para gastos. Foi feito um corte de cerca de 70% da eleição anterior, e eles não podem legalmente gastar mais do que aquilo que foi fixado. Em 80% dos municípios, o teto para prefeito é R$ 100 mil e para vereador é R$ 10 mil. É muito pouco perto daquilo que a gente vê que acaba sendo gasto em cidades até relativamente pequenas. A gente sabe que tem de enfrentar o caixa 2 e está tentando raciocinar onde pode estar uma brecha. A gente sabe que como você não tem pessoas jurídica, pode aparecer muito CPF laranja. A gente vai rodar com muitas bases de dados. Uma teoricamente simples que a gente pode olhar é a do Bolsa Família. Uma pessoa que recebe o Bolsa Família está precisando de um auxílio do Estado. Como é que eu vou permitir que essa pessoa faça uma doação de R$ 10 mil, R$ 15 mil, R$ 20 mil? Já é um sinal de alerta para que o promotor inicie uma investigação. Tem uma outra linha de atuação que foi considerada prioritária que é a cota de gênero. O procurador-geral, Rodrigo Janot, expediu recomendação a todos os diretórios nacionais no sentido de que obedeçam a cota. O TSE tem uma resolução muito interessante. Se você não consegue o percentual mínimo de candidatas mulheres, você tem de reduzir o número de candidatos homens. A gente está atento. A orientação é: partido que não cumpriu, a gente deve impugnar o DRAP inteiro, você inviabiliza todos os candidatos daquele partido. Infelizmente, o que a gente percebeu nas últimas eleições é que muitos partidos ainda fazem isso pró-forma. Essas candidatas, depois a gente vê, não fizeram nenhum ato de campanha, não tiveram nenhum voto, nem delas mesmas. Estamos seguindo a linha de processar criminalmente essas candidatas por falsidade para coibir esse tipo de conduta.

ESTADÃO: A proibição do financiamento privado, a limitação dos gastos e outras mudanças vêm em uma eleição com altíssimo número de candidatos. Isto é um obstáculo a mais?

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ANA PAULA MANTOVANI: Com certeza. Espera-se mais de 550 mil candidatos. É um número monstruoso. Boa parte desses promotores eleitorais não trabalham com exclusividade, ficam acumulando. Fazem uma promotoria criminal, cível e ainda uma eleitoral. O que está me preocupando também é o curto espaço de tempo para análise dos registros e ações de registro de candidatura. A gente vai ter 5 dias para impugnar, vai dar 20 de agosto. O juiz vai decidir, vir para o TRE e eventual recurso no TSE. Estou prevendo que boa parte dos candidatos não vai estar com a decisão final até o dia das eleições. Você tem aquele problema. A população boa parte das vezes desconhece esse nosso sistema. O cara está fazendo campanha, o eleitoral acha que é candidato. Depois você vai anular tudo. O Ministério Público fica enxugando gelo. Nós temos 5 dias, um prazo comum, que eu tenho para descobrir se aquele candidato reúne ou não condições para se candidatar. A legislação teve um avanço, a lei da ficha-limpa, mas até um pouco acanhado. Ela exige que o candidato apresente as certidões criminais. Eu sei se ele não tem nenhuma condenação criminal. Mas ele não é obrigado a apresentar as certidões cíveis. As causas de inelegibilidade, quantitativamente, tem mais causas cíveis do que criminais. Isto coibiria os fichas-suja.

ESTADÃO: É importante limitar os gastos dos candidatos?

ANA PAULA MANTOVANI: Hoje você tem o teto, por exemplos, R$ 100 mil. Da onde você pode receber? Recursos próprios, doação e do fundo partidário. O limite vai ser muito interessante. Vamos ver como as campanhas vão se comportar. Tem alguns limites que em cidade pequena, ok. R$ 10 mil, você não faz muita coisa. Foi o Parlamento brasileiro que fez essa inovação no sistema jurídico. Nós estamos aqui para fiscalizar o cumprimento da lei. Talvez os candidatos tenham que aprender a refazer uma campanha. Eu, sinceramente, acho que o candidato tem de, agora, gastar mais o gogó para mostrar qual é a sua plataforma. Não espalhar santinho pela rua. Vai ser um teste interessante desse ponto de vista.

ESTADÃO: Há muita compra de votos?

ANA PAULA MANTOVANI: Existe, existe. As provas mais contundentes da compra de voto geralmente são feitas por meio de gravação ambiental. A gravação feita por um dos interlocutores é considerada válida pelo Supremo. Infelizmente, na Justiça Eleitoral, todas as ações que pretendiam o reconhecimento da compra de voto, o abuso de poder econômico, abuso de poder político, que culminariam com a cassação de um prefeito, de um deputado, foram invalidadas pelo TSE. Isso está no Supremo, não houve decisão, estamos em um processo de tentar reverter isso. É um meio de prova que a Justiça Eleitoral estava considerando inválida.

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ESTADÃO: A Lei da Ficha Limpa vai para mais uma eleição. Que benefícios trouxe ao País?

ANA PAULA MANTOVANI: É claro que a lei agregou. A gente consegue impugnar um número maior de candidatos com base na Lei da Ficha Limpa. Mas a gente ainda precisa melhorar. Não só a legislação, mas também a interpretação que se dá a ela pelos nossos Tribunais Eleitorais. Muitas vezes a interpretação que se dá não dá efetividade que eu acho que o legislador pretendia, nem que o Ministério Público pretendia com aquela impugnação.

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