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Campanha 'Sinal Vermelho': farol apontado para o futuro

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Por Renata Gil
Atualização:
Renata Gil. FOTO: ADRIANO PRADO/ASCOM AMB Foto: Estadão

As transformações sociais responsáveis pela evolução dos povos podem se filiar a duas circunstâncias distintas: ou derivam das práticas da mulher e do homem comuns e vão galgando importância até alcançar autoridades e instituições, ou nascem nessas instâncias de poder e daí percorrem um longo caminho até incidir sobre o cotidiano das pessoas. Igualmente, as leis são marcos que se inscrevem em um parâmetro diacrônico: ora indicam mudanças que já se processaram no seio da coletividade, ora denotam as aspirações e os pressentimentos do porvir. O projeto de lei 741/2021, conhecido como "Pacote Basta!", aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 02 de junho para instituir a campanha "Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica", e que agora tramita no Senado Federal, encaixa-se nessa segunda categoria - a de farol apontado para o futuro.

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Nessa mesma posição precursora, podemos citar a Lei Maria da Penha (Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006), que preparou o sistema de justiça para socorrer as mulheres vítimas de violência e punir os responsáveis pelos crimes no momento em que tais comportamentos ainda encontravam guarida em certos costumes. A norma, ao mesmo tempo em que espelhava um movimento embrionário de intolerância com o descalabro, estimulou o seu florescimento. Hoje, apesar de estarmos distantes do quadro ideal, crimes contra a mulher são cada vez mais combatidos.

Na outra ponta, a das transmutações jurídicas que emergem a reboque da reforma das condutas, temos o reconhecimento da inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da legítima defesa da honra - subterfúgio abjeto que só foi extirpado do Direito brasileiro em 2021 e que durante décadas consagrou a impunidade de quem não se fez de rogado na hora de matar. Como pudemos demorar tanto para perceber que se tratava de uma excrescência inadmissível em um Estado Democrático de Direito? Nesse caso, as práxis populares se modificaram antes da adequação do ordenamento.

O "Pacote Basta!" aloca-se entre as proposições legislativas que têm a missão de conformar o amanhã. O texto determina duas providências principais: a criminalização da violência psicológica contra a mulher e a implementação em todo o território nacional da campanha "Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica" - que comemora um ano de realizações neste mês de junho. Quando a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) lançou a iniciativa, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um número crescente de mulheres estava se tornando vítima de ameaças, abusos e de feminicídio - decorrentes, não raro, de uma intensificação da convivência com os agressores por causa da quarentena imposta pela pandemia de covid-19.

Levantamento do Instituto Datafolha encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que uma em cada quatro mulheres maiores de 16 anos afirma ter sofrido violência no Brasil desde que o novo coronavírus começou a se disseminar. De acordo com os índices, 17 milhões de mulheres (24,4% do total) foram alvo de violência física, psicológica ou sexual no período. O total de agressões dentro de casa saltou de 42% para 48,8%, tendo aumentado, no cômputo geral, a participação de companheiros, namorados ou ex-parceiros nos episódios. Os delitos mais frequentes são ofensa verbal, tapas, chutes e empurrões, tentativa forçada de relação sexual, ameaça com faca e arma de fogo e espancamento.

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O que agora conseguimos comprovar com números parecia-nos há um ano uma predição maldita. Felizmente, inúmeras vidas foram salvas desde que a campanha "Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica" espalhou-se por todas as regiões do Brasil. Atualmente, dez Estados e o Distrito Federal aprovaram leis para oferecer às mulheres vítimas de violência doméstica a possibilidade de pedir socorro em farmácias e outros estabelecimentos por meio de um "x" vermelho desenhado na palma da mão. Esse é um mecanismo de denúncia silencioso, propício para mulheres que vivem sob a estrita vigilância dos agressores e que, por esse motivo, não encontram oportunidade para solicitar auxílio.

Citemos, para fins de exemplificação, o caso de uma mulher que viajava com o marido, um caminhoneiro, em condição de cárcere privado e que foi libertada depois de postar nas redes sociais a foto da própria mão com um "x" vermelho. A imagem viralizou até chegar na Polícia Rodoviária Federal, que prestou auxílio imediatamente. Há também uma vítima que pediu ajuda numa agência bancária com um bilhete entregue ao atendente no qual se via a sinalização do "x". Em ambas as ocorrências, as denúncias foram bem-sucedidas e redundaram na salvação das ofendidas. Todavia, fica a pergunta: quantas mulheres não tiveram a mesma sorte? Cumpre-nos trabalhar para que situações degradantes como essas jamais se repitam.

*Renata Gil, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros

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