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Caixa 2 era usado para evitar 'referência' alta para doações, diz Marcelo

Ex-presidente da Odebrecht relatou aos investigadores que a empreiteira não podia constar como doadora oficial de 2 milhões para governador do Acre porque criaria expectativa de doações mais altas a chefes de Executivos de outros Estados

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Por Beatriz Bulla
Atualização:

Tião Viana e Jorge Viana. FOTOS: MARCOS DE PAULA E DIDA SAMPAIO/ESTADÃO Foto: Estadão

Em depoimento de delação premiada, Marcelo Odebrecht, ex-presidente do grupo que leva seu sobrenome, fala da doação de R$ 2 milhões ao governador do Acre, Tião Viana (PT), e explica o motivo que fez a empresa se valer de caixa dois para repassar a maior parte do montante combinado. Segundo ele, a doação não poderia ser oficial para que não se criasse uma 'referência' com relação ao apoio financeiro para campanha. "Não tem como a Odebrecht aparecer de doadora oficial de 2 milhões para o governador do Acre", afirmou Marcelo Odebrecht.

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"Imagina doar dois milhões de reais para uma candidatura do governador do Acre. Imagina quanto criaria de expectativa para governador de São Paulo?", explica Marcelo, sugerindo que uma doação alta seria vista pelos outros políticos, que passariam a exigir repasses ainda superiores. "Às vezes você até gostaria de doar mais oficial, mas e a referência que você cria?", disse o delator.

"Essa questão do caixa dois criou um ciclo vicioso que acabava alimentando. No caixa dois você não tem controle do que vai para campanha ou do que não vai para campanha. Esse processo tinha que ser rompido", disse aos investigadores, durante depoimento de delação premiada.

Ele explicou que a empreiteira doou R$ 500 mil de forma oficial e outro R$ 1,5 milhão em caixa dois. O pedido de doação à candidatura de Tião Viana foi feito pelo irmão do governador, senador Jorge Viana (PT), ainda de acordo com Marcelo. "Eu fui muito franco. Disse: 'Jorge não tenho como doar R$ 2 milhões de reais que você está me pedindo para a campanha do governador do Acre. Isso foge de qualquer relativismo nosso interno. Por mais relação que eu tenha com você, não tem como eu fazer isso'", conta o delator.

Segundo o executivo, ele próprio sugeriu ao petista procurar o então ministro da Fazenda Antônio Palocci para que pedir que doação a Tião Viana fosse descontada da conta que a empreiteira possuía para pagamentos ao governo.

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"Aí sugeri a ele: 'eu tenho, você sabe, um valor que eu acerto com o Palocci. Então se você conseguir de Palocci que eu desconte do valor que eu tenho alinhado com ele, tudo bem'", contou Marcelo Odebrecht.

Segundo o ex-presidente da empresa, a doação de R$ 2 milhões saiu da conta "planilha italiano", que servia para fazer os pagamentos ao governo do PT. No relato, Marcelo Odebrecht conta que o PT tinha a "questão da arrecadação centralizada", diferentemente de outros partidos - e cita o PSDB e o PMDB.

Tião e Jorge Viana são alvo de inquérito pedido pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e autorizado pelo ministro Luiz Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, com base nos relatos dos delatores da Odebrecht.

O ex-chefe do Setor de Operações Estruturadas, o departamento da propina da Odebrecht, Hilberto Mascarenhas, também falou sobre os petistas. Ele confirmou ter feito pagamento através do setor de R$ 300 mil a Jorge Viana para a campanha dele ao Senado. O encontro para combinar o pagamento foi feito em São Paulo.

O pedido da doação a Jorge Viana foi feito pelo patriarca Emílio Odebrecht, segundo Mascarenhas. O codinome do senador nas planilhas da empreiteira era "menino da floresta".

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Mascarenhas diz não se lembrar do pagamento de R$ 2 milhões a Jorge Viana - há uma indicação do repasse ao codinome, no sistema da empresa, mas confirma que se o valor foi registrado é porque o pagamento "foi feito". Questionado pelos investigadores se o mesmo codinome poderia se referir ao irmão do senador, o governador do Acre, Tião Viana, Mascarenhas confirma: "É irmão dele né? Também é menino da floresta lá no mato".

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Questões logísticas. No depoimento à Procuradoria-Geral da República (PGR), Mascarenhas diz aos investigadores que não tinha 'condição' de operacionalizar um pagamento no Estado do Acre e, por isso, a condição para abastecer a campanha foi que o acerto fosse na capital paulista.

"Por que a entrega foi feita em São Paulo, se a base eleitoral dele é o Acre?", questiona um procurador. "Não existe condição de atender nenhum caixa dois no Acre", responde Mascarenhas. "A condição de apoiá-lo financeiramente foi ser em São Paulo (a entrega). Se ele levou esse recurso para o Acre não posso dizer.

COM A PALAVRA, JORGE E TIÃO VIANA

Em nota, o senador Jorge Viana afirma que ele e o irmão não são alvo de denúncia de corrupção, mas questionamentos sobre arrecadação da campanha. "Vamos provar na Justiça o que dissemos antes: nossas campanhas foram dentro da lei e feitas com dinheiro limpo. "Nada devemos e nada tememos. Confiamos na Justiça", diz a nota do senador petista.

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O governador do Acre, Tião Viana, destaca também em nota que tem um 'histórico de combate à corrupção' e defende a apuração de 'qualquer fato suspeito e punição de qualquer um que tenha culpa comprovada'.

O governador afirmou que a Odebrecht nunca realizou obra no Estado do Acre e 'portanto, sequer poderia ter aqui qualquer tipo de interesse escuso ou legal'. Ele destaca que nunca se reuniu com nenhum executivo da empresa. "Confio na Justiça, defenderei a minha honra com determinação e tomarei todas as medidas judiciais cabíveis contra os delatores da calúnia e os propagandistas da desonra. Indignado, mas de consciência tranquila, reafirmo: estou longe dessa podridão, essa podridão está longe de mim", diz a nota de Tião Viana.

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