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Buscam-se heróis

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Por José Renato Nalini
Atualização:
José Renato Nalini. FOTO: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO Foto: Estadão

Pior do que a pandemia é o desafio de mitigar as catástrofes que se avizinham, diante do aquecimento global. Avolumam-se os estudos e relatórios mostrando o que acontecerá nos próximos anos. Recente análise das megatendências para os próximos vinte anos advertem que as mutações do clima gerarão problemas de múltipla ordem. Implicarão na insegurança alimentar e de acesso à água, provocarão mais pandemias, gerarão conflitos e multiplicação de refugiados.

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Como não existe uma ordem internacional que imponha racionalidade a governos limitados em visão global, em cultura humanitária e avessos à ciência, o protagonismo tem de ser individual. Mais uma vez, invoque-se o lema inicial do ambientalismo: "pensar globalmente, agir localmente".

Há exemplos neste Brasil maltratado, que vê reduzirem-se drasticamente suas florestas, eliminarem-se os seus biomas e exaurir-se a exuberância de sua biodiversidade, até o absurdo de se incendiar o Pantanal. Mas nem tudo é desespero.

O documentário "Ruivaldo: o homem que salvou a terra", começa com a frase "Salvar o Pantanal, eu quero ser o primeiro!". Narra a saga de um fazendeiro que, apavorado com o assoreamento do rio Taquari, detonou movimento que criou o Documenta Pantanal. Sob a coordenação de Mônica Guimarães, no dia 26 de maio realizará um leilão virtual cuja arrecadação será destinada ao SOS Pantanal, para formar brigadas rurais em alguns pontos daquele bioma.

Outro militante da causa pantaneira é Angelo Rebelo, que fundou o Instituto Homem Pantaneiro. Ele vive a monitorar o assoreamento e luta contra as queimadas. Diz ele: "A sensação da impotência e perda que tivemos em 2020 ainda ardia na minha pele em janeiro deste ano. Os animais não tiveram nenhuma possibilidade de fuga. Falhamos brutalmente".

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Angelo ganhou um prêmio da UNESCO e com ele comprou três carros-pipa e formou duas brigadas permanentes na Serra do Amolar. Sua primeira missão foi criar rotas de fuga para a fauna, monitorar as condições climáticas e conscientizar a população. "O Pantanal é de uma fragilidade que chega a ser fascinante. Você vê a variação que acontece no bioma de centímetro a centímetro de água; se dá conta de o que acontece no planalto interfere na planície, de como as condições climáticas desafiam sua sobrevivência".

A terceira heroína é Neiva Guedes, formada em biologia. Percebeu que as araras azuis estavam em acelerado processo de extinção. Decidiu lutar para preservá-las. Conselheira da SOS Pantanal e fundadora do Instituto Arara Azul, sua militância sobrevive com doações. É muito difícil a batalha. Além dos incêndios em 2020, as araras foram vítimas de uma epidemia de herpes. Somente Neiva encontrou mais de duzentas araras mortas durante esse ano.

O quarto herói é Alexandre Bossi, ex-aluno em Economia e Administração da FGV, mas que desde 2018 passou também a oferecer seu trabalho para a SOS Pantanal. Assim como a SOS Mata Atlântica, a instituição coleta informações, transmite dados a todos os interessados, dá suporte a pesquisadores e atua como voz credenciada junto ao Estado, até o momento insensível e cego à tragédia que produz e parecendo ignorar o que isso significa em perdas materiais e intangíveis para o Brasil.

O Estado brasileiro menospreza um bioma que tantas outras nações gostariam de possuir. Quando incentiva o desmatamento na Amazônia, não está a destruir apenas a maior floresta tropical do planeta. Está matando também o Pantanal. A umidade vem do sul da Amazônia. Sem cobertura vegetal, não vem a água. Além disso, o assoreamento dos rios é fenômeno galopante. Quatro mil nascentes colaboram para formar o Pantanal, mas nenhuma delas nasce no Pantanal. São caudatárias de uma Amazônia condenada à morte. Ao desmatarem, os exterminadores do futuro mandam areia que impede o curso d'água e desequilibra o fluxo das cheias, que mantém viva essa maravilha da natureza.

Esses quatro exemplos são dignificantes, mas insuficientes. Agradeço à jornalista Renata Piza a inspiração fornecida. É confortante constatar que há gente solidária com o habitat. São os sábios: sem ambiente não se vive.

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O Pantanal precisa de mais heróis. Quanta gente não usava passar temporadas em Bonito e em outros lugares dos Matos Grossos, onde a pesca era abundante e a natureza generosa? Por que não formam agora uma corrente dos amigos do Pantanal, para ajudar a salvar aquilo que, morto, nunca mais ressuscitará?

Toda a natureza brasileira pede socorro. Ela está sofrendo contínuas derrotas. Até quando resistirá? Alguém com sensibilidade e amor ao Brasil não quer protagonizar um heroísmo, pequeno que seja, para reverter a situação a caminho da fatalidade?

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras - 2021-2022

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