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Brics: oportunidade ou perda de tempo para o Brasil?

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Por Luiz Filipe Couto Dutra
Atualização:
Luiz Filipe Couto Dutra. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

No último mês, o Brasil sediou a XI Cúpula dos BRICS, em Brasília, onde teve a missão de demonstrar que ainda é relevante para o grupo, e que o grupo ainda tem relevância para os seus interesses. A data foi marcante, pois representou o aniversário de 10 anos da formalização da cúpula. Contudo, a última década demonstrou que o Brasil não soube aproveitar tão bem as oportunidades que passaram em sua mão.

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O BRICS - acrônimo em inglês para Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - é um verdadeiro caldeirão de heterogeneidades, pois não há praticamente nenhum ponto comum entre os países que o compõem. Enquanto blocos econômicos geralmente estão unidos por semelhanças geográficas, culturais ou ideológicas, o BRICS é a união do acaso: o que une seus membros é o título de economias emergentes. A importância de agrupá-los decorre do fato de, juntos, representarem 42% da população, 23% do PIB, 30% do território e 18% do comércio mundial.

Fora isso, os países que compõem os BRICS possuem mais discrepâncias entre si do que semelhanças. Há divergências ideológicas, políticas, econômicas e culturais, além de diferenças geográficas, demográficas e em indicadores de desenvolvimento. Cada um tem uma realidade bem distinta do outro.

Quando o britânico Jim O'Neill, diretor de pesquisas econômicas do banco de investimentos Goldman Sachs, cunhou o nome BRICs, em 2001 (inicialmente, o "s" minúsculo se referia ao plural, uma vez que a África do Sul apenas passou a integrar o grupo em 2010), o fez com a intenção de chamar a atenção do mundo para um grupo de países em desenvolvimento que tinha altas taxas de crescimento. Na época, os países que compõem os BRICS já cresciam a taxas mais altas que os países do G7, grupo dos países mais industrializados do mundo, e a expectativa de O'Neill era de que o PIB dos BRICS ultrapasse o dos países do G7 antes de 2035.

Mesmo com o desempenho econômico dos países membros não se mostrando constante com o passar dos anos (os PIBs da Índia e da China cresceram acima da média mundial, mas a taxas menores que no passado, e os da Rússia, do Brasil e da África do Sul demostraram pouco pique para acompanhar as expectativas do mercado), o BRICS não perdeu relevância no cenário internacional.

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O peso econômico dos BRICS era evidente desde a concepção do acrônimo, mas somente se tornou geopoliticamente relevante quando os países que compõem o grupo resolveram montar uma cúpula com o objetivo de realinhar a governança internacional aos seus interesses. O foco seria a renovação da arquitetura financeira global por meio da disponibilização de fontes alternativas de crédito internacional para os seus membros, de forma que tais países dependessem menos do Fundo Monetário Internacional - FMI e do dólar enquanto lastro no comércio internacional.

Exemplo desse esforço foi a criação do Novo Banco de Desenvolvimento, também chamado de Banco dos BRICS, instituição financeira internacional com sede em Shanghai criado em 2014, cuja missão é apoiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável para seus membros e outros países em desenvolvimento que, normalmente, não são tão bem recebidos pelo FMI.

Fica, então, a pergunta: o grupo é uma oportunidade ou uma perda de tempo para o Brasil?

Do ponto de vista político, o grupo poderia ser usado pelo Brasil como um palanque para se mostrar mais relevante no cenário internacional. Considerando a proporção dos BRICS em relação ao restante do mundo (vide dados mencionados no segundo parágrafo), trata-se de um fórum relevante para pressionar as instituições internacionais a darem mais espaço a outros países fora do eixo EUA-Europa.

A consolidação dos BRICS enquanto grupo capaz de contrabalancear o peso das instituições internacionais criadas no pós-2ª Guerra Mundial poderia fortalecer a posição geopolítica do Brasil. No entanto, como o governo de Jair Bolsonaro busca alinhamento geopolítico com os Estados Unidos, com a intenção de tornar o Brasil mais relevante nas atuais estruturas de governança internacionais, como a OCDE, é provável que o Brasil não siga pelo mesmo caminho que os demais países do BRICS nesse quesito.

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Mas esse desalinhamento ideológico com outros membros do grupo, em especial China e Rússia, não pode afastar o Brasil de outras oportunidades disponíveis no âmbito dos BRICS, como a de aumentar o nível de comércio entre seus membros.

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Veja o caso da China, por exemplo. O país, que já é maior parceiro comercial do Brasil, reina absoluto como a maior economia dos BRICS. Seu PIB é maior do que o dobro da soma dos PIBs dos outros países membros (US$ 13,608 trilhões da China contra US$ 6,620 trilhões dos outros países somados) e, em breve, deve ultrapassar os EUA e virar a maior economia do mundo.

E crescimento econômico vem atrelado a aumento de produção que, por sua vez, demanda matéria-prima e recursos naturais para que possam ser processados. Ocorre que a China não é autossuficiente nos recursos naturais necessários para subsidiar sua produção, motivo pelo qual necessita importar cada vez mais produtos primários, como minério de ferro, soja, celulose, petróleo, dentre outros, que são abundantes no Brasil.

O crescimento da China naturalmente impactará no aumento da demanda por esses produtos e, enquanto houver demanda pelos produtos brasileiros por membros do grupo, em especial, pela China, o Brasil deve aproveitar a oportunidade e se manter próximo dos que demandam seus produtos. Nada melhor, portanto, do que pertencer ao mesmo grupo que o seu maior parceiro comercial.

*Luiz Filipe Couto Dutra é advogado, sócio da área de Societário e coordenador do China Desk do escritório Gico, Hadmann & Dutra Advogados. É professor de Direito dos Contratos e Litígios Contratuais da pós-graduação lato senso do Centro Universitário UniCeub, em Brasília

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