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Bravos! Vocês conseguiram!

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Por José Renato Nalini
Atualização:
José Renato Nalini. FOTO: WERTHER SANTANA/ESTADÃO Foto: Estadão

A persistência e a deliberação firme sempre vencem. Aqueles que apostaram na destruição da Floresta Amazônica já têm motivos para comemorar. A ciência demonstra que parte dessa última grande cobertura vegetal nos trópicos já emite mais dióxido de carbono do que a sua capacidade de absorção.

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Embora a ciência nem sempre seja respeitada no Brasil, foi ela que comprovou esse triste fenômeno. O estudo consta da revista científica Nature, muito respeitada nos espaços civilizados do planeta.

É preciso ser um talento extremamente perspicaz para descobrir as causas dessa desgraça? Não. Foi o desmatamento, que acarreta as mudanças climáticas e gera o aquecimento global. Este sim, o maior perigo que paira sobre a humanidade. A peste do Coronavid19 é muito insignificante se comparada com o que ainda virá, - e parece inevitável - porque o bicho-homem não se convence de que ele é a razão única dos males infligidos à mãe natureza.

Foram milhares de anos até que ela nos oferecesse o espetáculo milagroso de uma cobertura vegetal funcionar como filtro de uma das mais nocivas emissões causadoras do malévolo efeito estufa.

A conclusão dos expertos não foi fruto de "achismo". Não podem ser acusados de "fundamentalistas ecológicos". São cientistas. O trabalho foi intenso e sério. Depois de centenas de amostras de ar colhidas na porção inferior da atmosfera terrestre entre 2010 e 2018, concluiu-se que o sudeste amazônico se converteu em enorme e indesejável fonte emissora de gás carbônico, o fatídico CO2.

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Durante meio século, o verde absorvera 25% das emissões do gás carbônico. Mas as emissões aumentaram até atingir 50%.

Quem comandou a equipe responsável por essa pesquisa foi Luciana Gatti, do prestigiado INPE, o Instituto Nacional de Investigação Espacial, que veio a sofrer esta semana outro rude golpe: vai deixar de colher informações sobre as queimadas. Há alguns anos essa entidade respeitada internacionalmente vem sofrendo invectivas da mentalidade dendroclasta que se instalou nas entranhas da União.

A despeito da perseguição contra a verdade, o INPE continua a sua missão. Comprovou, nesse relatório, que as emissões de carbono são mais intensas na parte oriental da Amazônia, que há quarenta anos sofre a inclemência de incêndios verdadeiramente ecocidas.

É possível demonstrar, cientificamente, que o leste foi mais desmatado, está mais quente e desprovido de água do que o oeste desse patrimônio universal, que está recebendo agora os seus derradeiros atentados. Logo não haverá mais o que preservar.

A campanha é muito bem feita. Primeiro, entrega-se o ambiente para o zelo de alguém que o detesta. Depois, reduz-se a teia protetiva que os servidores amigos da natureza haviam edificado durante décadas. Em seguida, pune-se quem tem coragem de se opor ao crime de lesa-humanidade que é o extermínio da floresta, da biodiversidade e da riqueza que poderia salvar o país do aprofundamento da policrise em que mergulhou nos últimos anos.

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A cada mês o mundo civilizado é surpreendido com novos recordes de destruição. O sistema DETER, do próprio INPE, apurou que em junho de 2021, o desmatamento de 1.062 km2 foi o maior desde 2016. Não foi diferente nos últimos quatro meses. Sob a passividade que sequer se abala mais, de toda uma sociedade que assiste inerte, à perda de seu futuro.

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Não faltaram avisos dos cientistas, insuspeitos amigos da verdade e não de ideologias nefastas que periodicamente assolam várias partes do mundo. Eles advertiram que a capacidade da Floresta Amazônica remover carbono do ar e armazená-lo, de maneira a não aquecer ainda mais o globo, estava sendo debilitada por ação humana. Foi o que constou de estudo publicado na revista Science Advances, a alertar que a combinação entre desmatamento, queimadas e mudança climática estava fazendo da luxuriosa floresta uma savana.

Devem estar roucos de tanto admoestar os insensatos, o climatologista Carlos Nobre, do IEA - Instituto de Estudos Avançados da USP e o biólogo norte-americano Thomas E. Lovejoy. Os avisos ecoam no vazio da ignorância e da cupidez que tomou conta da estrutura paga pelo povo para cumprir o preceito do artigo 225 da Constituição da República.

Não há inocentes quando se degrada a natureza e se põe em risco a própria sobrevivência das futuras gerações, protegidas por um pacto fundante considerado pioneiro quando promulgado.

Só pode ser crime dar fim, além da vegetação consumida pelo fogo, a mais de dez mil espécies de plantas e animais, conforme consta do relatório produzido pelo Painel Científico para a Amazônia. São 33 capítulos com pesquisas sobre a última grande floresta tropical, elaborados por mais de duzentos cientistas. Enquanto a ciência lamenta, impotente, a ignorância no comando não se condói. Continua inclemente, irresponsável e, lamentavelmente, impune.

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Situação que faz quem passou a vida a militar nas hostes jurídicas, a indagar? De que vale o melhor ordenamento, o mais racional, o mais ético, o mais perfeito, se ele não consegue impregnar as mentes encarregadas de cumpri-lo e de fazê-lo observado?

Agradeceria a quem se dispusesse a responder a essa angustiante inquietação.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras - 2021-2022

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